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As commodities são as maiores sugadoras de água doce do mundo. País precisa cobrar a água que exporta

Em um cenário de guerras e disputas por recursos hídricos, o Brasil, que detém 12% da água potável do mundo, pode assumir um papel estratégico, segundo especialistas ouvidos pelo Estado de S.Paulo, 20-03-2008. Isso deve ocorrer basicamente pela relação entre água e agricultura.

Num futuro de escassez de água e de alimentos, como o previsto pelos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) no ano passado, aproveitar essa vantagem comparativa passa pela capacidade de o País manter e ampliar a produção e exportação de alimentos. “E de cobrar pela água virtual contida nesses produtos”, diz o economista Gilberto Dupas, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais.

Para produzir 1 quilo de soja são necessários cerca de 1.500 litros de água, 1 kg de cana para a produção de etanol consome 600 l.

“Hoje as commodities são as maiores sugadoras de água doce do mundo”, afirma Dupas. “Elas arrancam a água dos países pobres e levam para os ricos sem que isso seja contado no preço. O Brasil precisa se articular com outros países produtores para decidir como vai cobrar por isso. É de se esperar que no futuro o processo seja semelhante ao que ocorre com as reservas de petróleo e seja incluído nas commodities o preço da escassez futura de água.”

Mas, antes disso, diz Dupas, o País precisa zelar pela conservação dessa água. Contaminação dos mananciais, desperdício (hoje ocorre em média perda de 45% na distribuição de água nas capitais brasileiras) e consumo excessivo são algumas ameaças. Isso sem contar o desmatamento da Amazônia, que pode afetar as chuvas no Sudeste.

“O Brasil, excetuando partes do Nordeste, é abundante em todo o ciclo da água: na atmosfera, nas águas superficiais e nas subterrâneas. Mas precisa saber aproveitar essas vantagens como recurso estratégico”, concorda o hidrólogo José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia. “Para assegurar a produção agrícola, e evidentemente o abastecimento público, é preciso manter água de boa qualidade. E aí caímos na falta de tratamento de esgoto. Isso deteriora a qualidade da água, diminui a reserva e aumenta os custos de tratamento.”

“Para se manter em vantagem, o Brasil tem de cuidar do desperdício, aproveitar a água das chuvas e remanejar a agricultura para locais com dotação hídrica, em uma espécie de política de zoneamento ecológico”, diz Ignacy Sachs, economista polonês (ou “ecossocioeconomista”, como ele é chamado) radicado na França. Ele propõe uma “revolução azul”, com incentivo à aqüicultura. “Em relação aos recursos da água, ainda vivemos como caçadores-coletores, sem muita estratégia e de forma insustentável. Fizemos no passado um salto fundamental com a agricultura, mas engatinhamos na criação dos recursos aquáticos. Áreas como a Amazônia têm vocação para a aqüicultura, e os peixes podem com o tempo substituir a carne, já que a pecuária extensiva tende a causar cada vez mais problemas.”

(www.ecodebate.com.br) matéria do O Estado de S.Paulo, publicada pelo IHU On-line, 20/03/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]