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Artigo

A Reforma Hídrica, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

[EcoDebate] “Estão cercando os lagos brasileiros”, adverte o Movimento dos Atingidos por Barragens. O povo já não pode aproximar-se sequer para retirar um caneco de água. Cercaram o “Eixão” que leva água do Castanhão, no Ceará, para o porto de Pecém na grande Fortaleza. A água está protegida por arame, guardas em moto, câmaras filmando os movimentos de quem ousar aproximar-se do canal. Foi também por isso que Géssia, a menina sem água de 12 anos, morreu em Petrolina, ao cair de um canal de 15 metros de altura que leva água para irrigação. Ela tentava roubar um balde de água para suprir as necessidades básicas de sua família.

O Dr. Manoel Bonfim, por tantos anos diretor do DENOCS, em seu livro “Potencialidades do Semi-árido”, afirma que o “grande erro do DENOCS foi não fazer a distribuição das águas estocadas no Nordeste”. Assim, 70 mil açudes feitos em toda a região – a mais açudada do planeta – guardam águas que nunca são democratizadas, porque as adutoras que visem sua distribuição jamais são feitas. Os poços, feitos com dinheiro público, acabaram trancafiados em propriedades particulares de latifundiários. Finalmente, se o governo conseguir realizar a transposição do São Francisco, todos os grandes açudes receptores terão suas águas privatizadas, tanto as originadas pela chuva – potencial de 37 bilhões de metros cúbicos -, quanto àquelas oriundas do rio São Francisco. Finalmente uma elite nordestina restrita vai conseguir impor o primeiro grande “mercado de águas” no Brasil, como já queria o Banco Mundial ainda na década de 90.

Pouco a pouco, sem grande reação da população brasileira, nossas águas vão conhecendo o caminho da privatização, embora constitucionalmente continuem como um “bem da União”.

Quando falamos em reforma hídrica, propomos exatamente o empenho do Estado para garantir que a água continue um bem comum, acessível a todos, fora das regras do mercado. Parece que, assim como a terra, não será possível, a não ser pela luta popular.

Ao construirmos aproximadamente 300 mil cisternas, ao propormos a captação da água de chuva para a produção, ao propormos a construção das adutoras que estão previstas no Atlas do Nordeste, estamos propondo a segurança hídrica para milhões de pessoas e também a socialização de um bem que constitucionalmente ainda continua de todos os brasileiros. Seria o princípio da reforma hídrica, a começar pelo Nordeste. Ou então vamos para o pior, assim como aconteceu com a terra.

Roberto Malvezzi (Gogó) é Assessor da Comissão Pastoral da Terra, colaborador e articulista do EcoDebate