A maçaranduba é um problema ambiental, artigo de Marcos Sá Corrêa
[O Estado de S.Paulo] O industrial Geraldo Pilz está convencido de que o Brasil é carente de lixo. Não importa o que digam em contrário as evidências estatísticas de que sujeira é o tipo da coisa que não falta no País, onde oficialmente escapam da coleta 11 milhões de toneladas de resíduos sólidos, fora os 51 milhões que, mal ou bem, os caminhões depositam nos aterros sanitários.
O fato é que, há anos, ele tenta comprar restos de garrafas descartáveis, sacos plásticos e outros suvenires recicláveis, no rastro das 141 mil toneladas anuais que, em média, cada brasileiro deixa em sua caminhada existencial de réveillon a outro. Sem uma lei, até hoje, tentando botar o mínimo de ordem no monturo, não há interessados em lhe vender o que é mais fácil botar fora.
Pilz faz madeira plástica numa fábrica de equipamentos industriais, na zona oeste do Rio. O nome refere-se a um material que parece madeira de longe e plástico de perto. Dificilmente alguém o convidaria para sua mesa de jantar. Mas ele tem lá seus trunfos. Não apodrece. Pode ser fincado na terra sem contaminá-la com impermeabilizantes químicos.
Parece que ainda está para nascer o cupim que aprecie suas moléculas. Flutua quando precisa e afunda quando é isso que se especificou em sua encomenda. Sai dos moldes na medida que o freguês desejar e, se for o caso, com a pintura embebida em suas células para sempre.
Sente-se em casa quando é posta em móveis de jardim, mourões de cerca, pisos ao ar livre, caibros de telhado, caramanchões, decks e marinas. Convive bem com serrote, martelo, prego e cola. Substitui com vantagem o eucalipto em dormentes de ferrovias. Literalmente, é pau para quase toda obra.
E dispensa o corte de árvores, porque sai de formas onde se fundem restos de plástico, desses que bóiam nas águas das baías, represam os rios suburbanos, descem das favelas nas enchentes como enxurradas coloridas e pintam de cores artificiais os acostamentos das rodovias. Ainda por cima, tem uma gula quase patológica pelos recipientes de venenos agrícolas, que esteriliza e engole como vitamina para moléculas.
Seu único defeito é que precisa de lixo em quantidades industriais. E essa história de catar lixo, francamente, dá uma preguiça danada. Desde que suas máquinas passaram a cuspir madeira plástica, Pilz faz de tudo para comprar sua matéria-prima.
Doou pontes, escadas, esteios e hastes de placas para as instalações do Parque Nacional do Itatiaia, quando ele fez 70 anos, em troca do plástico que se recolhesse em suas trilhas, hotéis e cachoeiras. Nove meses depois, não recebeu nem um quilo do lixo que ele pretendia comprar, buscando na porta e pagando à vista.
Fez convênios com prefeituras, oferecendo por seu lixo plástico camisetas, caixas de coleta, programas de incentivo e preço de mercado. Neca. Visitou marinas e outros santuários da grã-finagem náutica, para dizer que a madeira artificial enfrenta as cracas e o tempo com mais galhardia. A conversa vai muito bem até que ele diz o preço do metro cúbico desse produto que passa, via reciclagem, por uma quadritributação, ouve todas as variações possíveis da mesma resposta: “Ah! Mas a maçaranduba custa menos.”
Em outras palavras, enquanto houver um pé de Manilkara bidentata para as motosserras derrubarem na Amazônia, sua madeira plástica, dependente de um recurso natural precioso e raro como o lixo, não será páreo para as árvores nativas. Nessa aula de sustentabilidade ambiental que lhe saiu por US$ 5 milhões, aprendeu que não adianta acertar a fórmula, quando se erra o tempo.
Ainda é cedo para a madeira plástica, num país que, como se sabe desde o século 16, tem floresta de sobra para usar como quiser. E, como sua empresa também não precisa de madeira plástica para viver, Pilz resolveu botar os fornos de lixo em fogo morno, até que a maçaranduba desista de lhe fazer concorrência desleal.
Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco
Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo, 19/03/2008