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Rio não tem ninguém preso pela Lei de Crimes Ambientais, que completa dez anos

ATRÁS DAS GRADES, SÓ OS ANIMAIS – É a Lei da Vida: dos 200 pássaros apreendidos por policiais do Batalhão Florestal numa feira de Duque de Caxias, em 15 de julho do ano passado, metade morreu antes de chegar ao Zôo de Niterói. Os outros — tiés-sangue, curiós, coleiros, canários e sabiás — tiveram como destino o cativeiro, de onde em geral não saem mais. Seus algozes mereceram melhor sorte. Dos dez detidos, somente dois, Neilton Nunes e Edenis Trajano, se apresentaram à Justiça e, para escapar do processo, aceitaram prestar serviços comunitários durante seis meses na Delegacia da Mulher em Caxias. Por Daniel Engelbrecht, Elenilce Bottari, Paulo Marqueiro e Tulio Brandão, jornal O Globo, 16/03/2008.

Sancionada em 12 de fevereiro de 1998 e em vigor desde 30 de março daquele ano, a Lei de Crimes Ambientais — batizada de Lei da Vida — chega ao seu décimo aniversário sem alarde. Sua aplicação está longe dos princípios de prevenção e educação apregoados à época, como revela levantamento do GLOBO com base em sentenças das justiças estadual e federal. Os descaminhos da lei são tema de uma série de reportagens que começa hoje e vai até o dia 23. Pelos registros da Vara de Execuções Penais (VEP), não há hoje no estado condenado preso exclusivamente por crime ambiental.

Os casos existentes são de réus que cometeram crime ambiental, mas cumprem pena por delitos mais graves, como tráfico de drogas, assalto, adulteração de combustível e formação de quadrilha.

A maior parte dos processos abertos com base na Lei de Crimes Ambientais se refere a delitos contra a fauna, o que não significa que eles são os mais freqüentes ou mais graves. Muitas agressões ao meio ambiente, como poluição de praias, rios e lagoas, freqüentemente passam ao largo dos tribunais.

Uma análise das ações que tiveram como base a Lei da Vida mostra que elas quase sempre são extintas em primeira instância. Das 630 sentenças proferidas em 2007 na Justiça estadual, 58% foram homologações de transações penais (em geral, prestação de serviços à comunidade, pagamento de cestas básicas ou multa para evitar o prosseguimento da ação). Foi o que aconteceu com Edson Luiz Bruno Matela. Por infringir o artigo 29 da lei (vender ou ter em cativeiro animais silvestres), em 27 de fevereiro do ano passado ele fez um acordo com o juiz do Juizado Especial Criminal de Campo Grande, comprometendose a doar três grades, no valor de R$ 360, para proteger as plantas do fórum local.

Outro indicativo de impunidade é o percentual de prescrições: 20,5% do total, ou uma a cada cinco ações. Além disso, 13,3% dos processos foram extintos e 2,4% dos réus, absolvidos. As condenações — sempre a penas alternativas (como prestação de serviços comunitários) — representaram apenas 1,3%. Somente uma pessoa foi condenada à prisão, mas não por conta da Lei da Vida. Já havia contra ela mandado de prisão por assalto.

— A lei não pegou. Chamamos isso de anomia — diz o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador José Carlos Murta Ribeiro.

Na Justiça Federal, das 395 sentenças nos últimos dez anos com base na Lei de Crimes Ambientais, apenas 20% resultaram em condenações a penas alternativas. Nos demais casos, os réus se livraram da Justiça por transação penal (25%), suspensões (20,8%), prescrições (14%) e absolvições (10%). Houve apenas duas condenações à prisão, uma em regime aberto e outra em semi-aberto.

Nenhum condenado ficou preso.

Só 10% dos bichos voltam à natureza

Para as vítimas dos crimes, a história é diferente. Há 18 anos, oito macacos-prego foram condenados a viver atrás das grades depois de serem retirados das mãos de traficantes de animais. Sem condições de voltar ao seu habitat, foram adotados pelo Zôo de Niterói. Os criminosos jamais foram punidos.

— Por motivos como incapacidade física, tempo de cativeiro, falta de habitat ou procedência desconhecida, 90% dos animais apreendidos não podem retornar à natureza — atesta Daniel Marchesi Neves, analista ambiental do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas-RJ), do Ibama, em Seropédica.

Num viveiro do Cetas, uma araracanindé que já perdeu parte da plumagem também não tem chances de ser solta. Quando foi apreendida pela polícia, em setembro de 2007, estava desnutrida e com ferimentos pelo corpo. Veterinários descobriram que a ave não suportou o cativeiro e desenvolveu um problema que a levou à automutilação.

Hoje é tratada com medicamentos e vive isolada.

— Apesar de alguns avanços, em grande parte a lei não atendeu aos objetivos. Primeiro, sofreu com muitos vetos. Depois, enfrentou a fragilidade de órgãos e da polícia para reunir provas. Há muitas janelas abertas para se burlar a lei, que hoje não desestimula os criminosos.

Ela precisa ser revista e atualizada — diz o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc.

Professora da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) e especialista em direito ambiental, a desembargadora aposentada Maria Collares prega penas mais severas para os crimes ambientais: — Eu sempre digo: a condescendência é mãe da reincidência.

Já o desembargador Murta Ribeiro defende a aplicação de penas alternativas para os chamados crimes de menor potencial ofensivo: — Às vezes, a prisão não é a única solução. Cometer um crime ambiental e conviver com assassinos e estupradores não é interessante.

É melhor obrigá-lo (o criminoso) a fazer serviço de jardinagem ou a pagar indenização ao estado ou à sociedade.

Pelo menos nas operações de combate ao crime ambiental, as penas alternativas não são bichopapão para os infratores. O GLOBO acompanhou, no dia 23 de fevereiro, uma blitz da Delegacia de Meio Ambiente na feira de Honório Gurgel, onde nove pessoas foram detidas por venda de animais silvestres. Passados sete dias, os repórteres voltaram ao local. Na mesma banca e com outros pássaros, estavam alguns dos detidos da semana anterior. Livres.