crimes ambientais: Danos não são reparados. Em 90% dos casos, punições não são voltadas para o meio ambiente
Não fosse pelo barco, a imagem poderia ser confundida com a de uma terra árida. Mas o chão repleto de rachaduras em que os pescadores pisam, na maré baixa, é o fundo da Baía de Sepetiba. Ou o que restou dela, depois de décadas de maus-tratos. O mar da região, que já foi rico em pescado, transformou-se num laboratório de crimes ambientais. Alguns resultaram em ações, tanto criminais quanto cíveis, mas a conta da reparação dos danos ficou para a natureza. Por Daniel Engelbrecht, Elenilce Bottari, Paulo Marqueiro e Tulio Brandão, jornal O Globo, 16/03/2008.
Prejudicados por uma dragagem feita pela Companhia Docas do Rio de Janeiro, entre 1998 e 2004, para construção de um canal de acesso ao Porto de Sepetiba, pescadores assistem ao mar virar sertão. Enquanto isso, a empresa recorre à Justiça para não pagar a indenização de R$ 1,5 bilhão determinada pelo juiz Fábio Tenemblat, da 6aVara Federal, como compensação pelos danos ambientais. Procurada pelo GLOBO, a Companhia Docas não retornou as ligações.
— Ficou tão difícil pescar que muitos estão desistindo e indo procurar bicos para ganhar a vida. Por causa do assoreamento, em vários trechos os barcos já não passam — diz o presidente da Colônia de Pesca de Sepetiba, Adilson Alves.
A castigada Baía de Sepetiba já foi cenário de um dos maiores crimes ambientais do estado.
Em 1996, antes da entrada em vigor da Lei de Crimes Ambientais, o rompimento de um dique da Companhia Ingá Mercantil despejou no mar 50 milhões de litros de água contaminada por metais pesados.
Penas ajudam entidades sociais
De acordo com a Lei de Crimes Ambientais, o processo só pode ser extinto depois da reparação do dano ou da comprovação de que é impossível fazê-lo. A lei estabelece ainda que a prestação de serviços comunitários seja feita em parques, jardins públicos ou unidades de conservação. No entanto, a análise de 262 sentenças proferidas ano passado nas varas criminais e de juizado especial criminal (Jecrim) do estado revela que apenas 17 (6,5%) beneficiavam o meio ambiente.
Na maioria dos casos, cestas básicas, multas e trabalhos comunitários estavam voltados para instituições sociais.
Em dezembro de 2006, Adilson Gonçalves teve de pagar uma cesta básica de R$ 200, dividida em quatro parcelas de R$ 50, para a Casa de Nossa Senhora do Desterro e de Santo Antônio, em Campo Grande. Era a punição por ter sido flagrado vendendo animais silvestres.
— As penas são muito pequenas e há uma falta de especialização do Judiciário. Se o juiz não tiver uma consciência ambiental, o crime se resolve com uma cesta básica, que não tem nenhuma conexão com a reparação do dano — afirma a promotora Rosani Cunha, titular da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva e Meio Ambiente.
Flagrado em Mangaratiba ano passado com 483 peças de palmito, Nilson de Souza Lima teve a pena de um ano de detenção, mais multa, convertida para prestação de serviço à comunidade.
Uma entrevista marcada para o dia 24 de março decidirá como será o trabalho comunitário, mas o Centro de Penas e Medidas Alternativas de Itaguaí, responsável pela execução das sentenças da região, já adiantou que ele deverá ser realizado numa das instituições sociais cadastradas.
— Mais de 90% dos artigos ou são alcançados por transação penal ou pela suspensão do processo. Isso significa que ninguém é julgado.
Em termos criminais, não há repressão aos danos ambientais.
A Lei de Crimes Ambientais descrimina o dano ambiental — afirma Ricardo Zouein, promotor de Justiça e especialista no tema.
Para a desembargadora Maria Collares, professora da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), um dos problemas que a Justiça enfrenta é a falta de esclarecimento sobre direito ambiental: — Durante uma palestra para 24 juízes recém-nomeados, eu perguntei: vocês tiveram direito ambiental na faculdade? Nenhum deles teve.
Na Justiça Federal, de 395 sentenças analisadas pelo GLOBO, 101 foram transações penais propostas pelo Ministério Público Federal. Destas, metade tinha relação com o meio ambiente (como o pagamento de multa para o Fundo Nacional de Meio Ambiente ou a prestação de serviços comunitários em parques e unidades de conservação). Das 79 condenações a penas alternativas (como prestação de serviços ou multa), 80% eram voltadas para instituições sociais.
Cesta básica livra caçador
Sérgio Feliciano dos Santos foi preso em flagrante, em março de 2007, quando caçava pacas, armado com uma garrucha, na Reserva Biológica União, unidade de conservação federal em Casimiro de Abreu. Passou dez dias no xadrez da Polícia Federal, em Macaé. Em dezembro, fez uma transação penal e aceitou prestar serviço comunitário, por um ano, num abrigo para idosos em Casimiro.
— Eu sabia que era crime, mas não pensava que era tão grave. Já vi muita gente fazer a mesma coisa, assinar um papel e pagar uma cesta básica.
A prisão foi a pior coisa da minha vida. Fui tratado como um criminoso. Caçador não é bandido — alega Sérgio.