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Notícia

Documento da reunião ampliada extraordinária da Câmara Consultiva do Baixo São Francisco, sobre o quadro crítico de baixas vazões no submédio e baixo São Francisco

REUNIAO AMPLIADA EXTRAORDINARIA

CAMARA CONSULTIVA REGIONAL DO BAIXO SÃO FRANCISCO

COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO

ARTICULAÇÃO POPULAR DO BAIXO SÃO FRANCISCO

Propriá, Sergipe – 15.02.08

DOCUMENTO A SER ENCAMINHADO À DIRETORIA DO CBHSF, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, COORDENAÇÃO DAS PROMOTORIAS PUBLICAS ESTADUAIS DA BACIA, ANA, IBAMA, CHESF, ANEEL, ONS, REDE DE PESQUISA DE ECOVAZÕES.

O atual quadro crítico de baixas vazões no submédio e baixo São Francisco, em plena período úmido, época das cheias anuais naturais, é extremamente preocupante e demonstra, mais uma vez, as incertezas e conflitos que cercam os usos múltiplos das águas do rio São Francisco.

Desde o inicio do ano as vazões liberadas pelo reservatório de Sobradinho vem diminuindo, situando-se inicialmente na faixa de 1.300 m3/s, valor mínimo estabelecida pelo Comitê da Bacia, no seu Plano de Recursos Hídricos e pelo IBAMA para situações de baixo estoque nos reservatórios. Ocorre que desde o inicio de fevereiro as vazões foram diminuídas para aproximadamente 1.100 m3/s, valor, portanto, abaixo do mínimo estabelecido.

A Agência Nacional de Águas autorizou a pratica destas vazões, até abril 2008, em uma explicita violação ao Plano de Recursos Hídricos da Bacia e com expressa discordância do CBHSF, em reunião realizada em Brasília, por entender que tal situação afeta os usos múltiplos das águas no submédio e baixo São Francisco, privilegiando o setor usuário hidroeletricidade em detrimento dos demais.

A pratica destas baixas vazões durante um período tão prolongado gera também vários impactos sobre o ecossistema aquático. Por ocorrer em pleno período da piracema, quando as fortes correntezas estimulavam a desova dos peixes e no período em que as lagoas marginais, parte importante do ciclo reprodutivo dos peixes, deveriam estar sendo inundadas durante as cheias anuais, causam profundos impactos sobre a reprodução dos peixes. As conseqüências deverão ser sentidas ao longo do ano, com menor quantidade de peixes para a pesca.

O atual episódio de vazões baixas durante tantos dias, constitui uma situação inédita, não vivenciada nesta época do ano desde o inicio de operação das grandes barragens no rio São Francisco. Portanto, desde que o rio passou a ser regularizado, com as vazões defluentes das barragens sendo fruto das decisões sobre a regra de operações definidas pelo setor elétrico. Este fato demonstra o agravamento do quadro de conflitos que se instalou no segmento do rio abaixo das grandes usinas hidrelétricas.

O quadro critico atual, no qual o rio mostra suas entranhas e pede socorro, poderá se repetir nos próximos anos? É uma antevisão do futuro? Será um alerta para o destino que está reservado para o São Francisco diante das ameaças que cercam o seu futuro? Será que os grandes e poderosos interesses políticos e econômicos externos a bacia é que continuarão ditanto o seu futuro, contando para isso com a omissão e submissão de todos os órgãos públicos responsável pela gestão de suas águas?

Diante de tudo isso é que existe uma verdadeira comoção social em Sergipe e Alagoas com as visões de um rio assoreado e reduzido a 1/3 da sua largura normal em vários pontos. O tema tem ocupado significativo espaço na imprensa regional e tem sido motivo de preocupação na sociedade de Sergipe e Alagoas, além de afetar diretamente os usuários das águas do rio São Francisco e o ecossistema.

Diante do exposto, a CCR do Baixo São Francisco, reuniu-se em Propriá (SE) em 15 de fevereiro de 2008 para analisar a situação e decidiu pelo encaminhamento deste documento no qual consta a sua avaliação e pleitos aos órgãos competentes.

A CCR – Baixo São Francisco considera que:

1. O atual episódio critico de vazões mais uma vez configura de forma clara o quadro de conflito de uso que se instalou no baixo São Francisco após a construção da cascata de barragens destinadas à geração de energia elétrica, em se contrapõem as demandas e interesses do setor hidrelétrico e os demais usos múltiplos, aí incluídas as demandas ambientais e que resultaram em um expressivo passivo sócio-economico-ambiental;

2. Após decorridos anos de regularização das vazões e da implantação de um Comitê da Bacia, não há, justificativa plausíveis para que as situações criticas, que resultem na pratica de altas ou baixas vazões, continuem a ser decididas exclusivamente pela Agência Nacional de Águas, Ibama e pelo usuário setor hidrelétrico. A participação do Comitê nas reuniões tem sido meramente informativa, sem nenhum poder de interferir nas decisões;

3. Tampouco se justifica a não participação dos demais usuários, das prefeituras e dos representantes da sociedade civil do Baixo São Francisco, representados pela CCR Baixo São Francisco, os quais tem sido até agora meros expectadores das decisões adotadas em outras esferas, mas certamente, os únicos a arcar com o ônus resultante destas decisões.

4. Consideramos que não deve persistir a relação perversa que se instalou após a construção das grandes barragens, na qual as necessidades da população ribeirinha e dos ecossistemas são sistematicamente submetidas aos interesses dos Estados fora da bacia e das demais regiões dos próprios Estados da Bacia, com o intuito de promover o seu desenvolvimento econômico e bem estar social, mas resultando em impactos negativos sejam ambientais ou sócio-economicos, inteiramente assumidos pela região do submédio e baixo São Francisco, sem que existam efetivas medidas de comunicação social, mobilização social, de mitigação ou de compensação do pesado ônus sócio-economico-ambiental.

5. Consideramos que este quadro irá se agravar, caso se concretize a famigerada transposição das águas do rio São Francisco, quando ficaremos definitivamente à mercê dos interesses econômicos e políticos dos Estados do NE Setentrional. Já esta sendo demonstrado que, quando se contrapõe estes interesses externos com as necessidades do baixo São Francisco, a escolha é sempre recai na priorização dos primeiros.

6. Para justificar a transposição, diante do alerta de que ela afetará a segurança energética do Nordeste, já que provocará a diminuição da geração de energia hidrelétrica no rio São Francisco, os seus defensores sempre alegam que há outras formas de compensar esta perda. Entretanto, em episódios reais, não é isso que se verifica. Neste atual episódio, ficou evidente o quanto o NE depende da geração de energia elétrica no Rio São Francisco. E esta geração é priorizada, mesmo se isso implicar em prejuízos para o segmento do rio à jusante das barragens. Foi o que aconteceu ao longo de 2007, em decorrência do aumento da demanda por energia elétrica no NE. O aumento do consumo foi da ordem de 7%, segundo dados fornecidos pela CHESF, em oficio enviado ao CBHSF. Gerar mais energia, implica em aumentar a liberação de vazões nas hidroelétricas. Foi isso que ocorreu em 2007 e o resultado foi o esvaziamento do reservatório de Sobrinho, em um prazo de 8 meses e o aumento da dependência da ocorrência de chuvas no inicio do período chuvoso para repor os estoques dos reservatórios.

7. Entretanto, a decisão de atender totalmente esta demanda, em lugar de adequa-la à condição do rio (já que se tinha conhecimento de que as médias pluviométricas em 2007 estavam abaixo da média histórica, conforme admite correspondência da CHESF enviada ao CBHSF), colocou em risco a garantia de vazões adequadas para o presente período úmido e, portanto, foi um forte componente na deflagração do atual quadro critico.

8. A grave questão que fica no ar é: se o reservatório de Sobradinho foi quase que totalmente esvaziado em menos de um ano (de 100 % em abril para cerca de 12% em dezembro 2007), o que ocorrerá daqui por diante, mantendo-se em 2008 esta demanda? A importação de energia de outras regiões suprirá este aumento de demanda, ou iremos correr o risco de nos deparar com este mesmo quadro em 2009 e nos anos seguintes? Recorde-se que esta é “água perdida”, “despejada para o mar” do discurso dos que defendem a transposição e que tratam com profundo desprezo e desrespeito a população do baixo São Francisco e o seu meio ambiente, no afã de justificar a transposição a qualquer custo.

9. O atual quadro critico tem despertado a atenção e provocado verdadeira comoção social em Sergipe e Alagoas. É uma antevisão do estado que o rio poderá ficar de forma permanente daqui a alguns anos, caso não se mude a forma insensata como esta sendo conduzida a gestão de uso suas águas. Conduzir a gestão de uma bacia complexa, como a do rio São Francisco, pautada pelo propósito prioritário em atender interesses econômicos e políticos externos à bacia é uma sensatez e irresponsabilidade. O caminho para fazer frente aos inúmeros desafios e conflitos é a gestão participativa e descentralizada, com a efetiva participação do seu Comitê de Bacia, como preconiza a lei 9433 e construção de um pacto de gestão de suas águas que garanta a sustentabilidade.

10. Finalmente, a CCR alerta que este quadro antecipa os conflitos que advirão caso a transposição seja concluída e que, se forem mantidos os procedimentos atualmente praticados, o baixo São Francisco continuará a pagar a crescente conta ambiental e socioeconômica.

Diante do exposto, a CCR questiona:

A forma improvisada com que são tratados os episódios de altas ou baixas vazões. A falta de um sistema de alerta e comunicação eficiente e amplo, sendo que no momento o compromisso neste sentido se resume ao envio de fax às instituições e órgãos governamentais, cabendo a estes o ônus de mobilização e adoção de medidas.

Por que os critérios ambientais e seus respectivos danos ao ecossistema, bem como os danos aos usuários não consuntivos não tem sido levado na devida consideração quando das decisões sobre vazões criticas.

Por que não há uma representação especifica do Baixo São Francisco neste processos decisórios, representada pela Câmara Consultiva Regional que reúne Poder Publico, inclusive Municipal, Sociedade e Usuários.

Por que as decisões são sempre tomadas à revelia das posições do Comitê, que sempre é minoria e voto vencido nestas reuniões, as quais resultam invariavelmente na violação do Plano da Bacia e da prerrogativa do CBHSF de determinar os limites de vazões, conforme a Lei 9433, regulamentada por resoluções do CNRH, como aconteceu em 2003 e agora em 2008

Por que não foi realizada consulta formal ao CBHSF sobre a diminuição das vazões, da mesma forma que foi encaminhado à ANA e o IBAMA, uma vez que também seria necessária a autorização do CBHSF?

A CCR-Baixo São Francisco encaminha os seguintes pleitos:

1. Reinvindica à ONS, CHESF e ANA a participação efetiva do CBHSF nos processos decisórios sobre a definição das regras de operação das barragens que controlam a liberação de vazões para o baixo São Francisco e principalmente sobre as ocasiões que demandam a pratica de baixas e altas vazões em eventos hidrológicos críticos.

2. Propõe ao CBHSF, ANA, Sistema hidrelétrico, Governos Estaduais, incluindo SRH e Defesa Civil e MP esforços para instituir um Sistema de Alerta e Gestão de Eventos Hidrológicos Criticos de tanto para vazões abaixo da mínima como para cheias que inclua medidas mitigadoras e compensatórias e procedimentos eficientes de comunicação e participação social.

3. Solicita à Diretoria Colegiada do CBHSF iniciar os procedimentos visando à proposição da abertura de um processo de conflito de usos, para o qual deverá existir consulta formal aos usuários atingidos. Solicita que seja considerado o principio da contabilidade ambiental para o calculo das perdas ambientais e sócio-economicas geradas pelo barramento e regularização do rio e pelos eventos hidrológicos críticos derivados das regras de operação das barragens.

4. Solicita ao Ministério Público Estadual e Federal que seja aberto procedimentos jurídicos para apurar a legalidade dos procedimentos adotados no processo de decisão sobre a pratica de vazões abaixo da mínima estabelecida no Plano de Recursos Hídricos da Bacia e as responsabilidades sobre os impactos causados por ocasião do episódio de baixas vazões em pleno período natural de altas vazões (inicio de 2008).

5. Solicitar ao Ministério Público que sejam periciadas as regras adotadas na operação das barragens do submédio e baixo São Francisco durante o ano de 2007, diante da constatação de que a barragem de Sobradinho estava em abril de 2007 com quase 100% de seu volume útil e chegou ao final do ano com 12%, fator decisivo para gerar o atual quadro critico de baixas vazões. Solicita-se ao MP verificar se não existia a possibilidade da diminuição gradativa das vazões, em lugar de manter as vazões em nível elevado durante o ano de 2007, o que poderia ter evitado o quadro atual de vazões muito baixas que penaliza o baixo São Francisco. Considere-se neste sentido que a CHESF e ONS já tinham conhecimento prévio que o nível de chuvas em 2007 esteve claramente abaixo da media histórica e que se constituía um risco chegar ao final do ano com os reservatórios em níveis muito baixos. Neste caso, a adoção de medidas de restrição de vazões no momento devido, inclusive com eventual racionamento, evitaria as conseqüências negativas no baixo São Francisco.

6. Solicita-se ainda ao MP que apure se as altas vazões praticadas em outubro-novembro foram motivadas por necessidade de atendimento a demandas maiores de geração de energia, como alegado ou se houve uso político desta operação visando aumentar as vazões do rio no período em que o Bispo D. Luiz Cappio esteve em greve de fome contra a transposição, e assim exibir imagens do rio cheio.

7. Solicita à CHESF e ao IBAMA que sejam disponibilizados ao publico, ao Comitê e às instituições de pesquisa, todos os dados obtidos nos levantamento e monitoramento do rio, como decorrência dos condicionantes do licenciamento da UHE Xingó.

8. Solicita que a CHESF que instale um escritório/ouvidoria em uma das cidades ribeirinhas no baixo São Francisco.

9. Solicita à coordenação da Rede de Pesquisa Ecovazões (CNPq/CT HIDRO):

A CCR- Baixo considera que este episódio se insere em uma questão mais ampla que a definição de um regime de vazões ecológicas para o Baixo São Francisco, como previsto no Plano de Recursos Hídricos da Bacia.

Considera que vazões que estão sendo praticadas não são ecológicas, e sim ambientalmente impactantes.

Solicita à REDE extremo cuidado na metodologia a ser adotada para o estabelecimento das vazões ecológicas, manifestando sua preocupação quanto à possibilidade de tais metodologias, muitas vezes desenvolvidas em outros paises, baseadas em sistemas fluviais totalmente diversos, podem levar a conclusões adversas às necessidades do ecossistema e à população do baixo São Francisco

Que seja leveda em consideração a relação histórico-cultural existente entre o povo alagoano e sergipano e o rio São Francisco que não querem ver o rio reduzido às suas vazões mínimas para atender às demandas de uso da água para fins econômicos rio acima, e que poderão ser extremamente potencializadas com uma possível conclusão da transposição, em que os interesses econômicos dos Estados do Ceará, RN e PB também estarão disputando a exclusividade no uso de uma parcela significativa das águas do rio.

Solicita que a popularização da discussão sobre o tema vazões ecológicas, divulgando-o amplamente através de consultas públicas e a divulgação em linguagem acessível à população.

10. Solicita ao IBAMA, nos procedimentos de renovação da licença ambiental de operação da UHE Xingó:

A abertura de discussões públicas sobre os condicionantes da renovação da licença de operação da UHE Xingó, que nas ocasiões anteriores foi conduzida exclusivamente em Brasília e que inclua a participação efetiva do CBHSF, através da CCR- Baixo São Francisco.

Apresentar à sociedade e ao Comitê a avaliação sobre a execução dos condicionantes já existentes e a exposição sobre a aplicação das compensações ambientais da UHE Xingó na região e em áreas de preservação situadas em outros Estados.

A CCR informa que:

1. Irá criar grupo de trabalho temático no âmbito da CCR com o objetivo de acompanhar a operação das barragens, estabelecer dialogo com o setor elétrico e a ANA, buscar meios de atuar nos processos decisórios sobre vazões regularizadas e em eventos hidrológicos críticos

2. CCR voltará a debater a construção da Barragem de Pão de Açúcar, seus impactos e suas relações com a transposição, através de consultas publicas, conforme autorizado pelo Plenário do CBHSF.

Propriá,15 de fevereiro2008