Vazamento de caulim em Barcarena, PA: Ação quer interditar bacias da Imerys
Defensoria Pública espera que a Justiça paralise atividades da mineradora – A Defensoria Pública do Estado do Pará ajuizou, ontem, uma ação civil pública contra a Imerys Rio Capim Caulim, pedindo a interdição imediata das bacias operadas pela mineradora. A ação foi ajuizada, às 13h30, no Fórum de Barcarena, por conta do segundo vazamento de caulim, em menos de um ano, que teria contaminado o rio das Cobras e igarapés Cureperé, Dendê e São João, além da praia de Vila do Conde, no Distrito Industrial de Barcarena. O órgão também pede à Justiça que a empresa forneça água potável e comida para as famílias que foram atingidas pela contaminação da bacia hidrográfica. Matéria do O Liberal, PA, 04/03/2008.
Segundo o defensor público Márcio Cruz, que visitou ontem as comunidades Curuperé e Canaã, que foram prejudicadas com a contaminação de rio e igarapés, a situação é grave. A água, segundo ele, está com coloração branca e exalando odor forte. Com isso, as famílias não podem pescar e nem usar a água para qualquer fim, inclusive, a agricultura de subsistência. ‘A empresa é reincidente e já provou que não tem capacidade técnica para operar essas bacias’, disse o defensor público Márcio Cruz. Ele ressaltou que, na ocasião do primeiro vazamento, ocorrido em junho do ano passado, a defensoria ajuizou um pedido de indenizações para os barraqueiros de Vila do Conde. ‘Foi um acidente maior que o atual. Por isso pedimos indenizações para as famílias’, disse o defensor.
O vazamento ocorreu na madrugada de domingo e as águas da região amanheceram manchadas pelo caulim da fábrica da empresa Imerys Rio Capim Caulim. Técnicos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) estiveram, ontem pela manhã, verificando a extensão dos danos causados por mais um vazamento de caulim na bacia hidrográfica do rio das Cobras e igarapés Cureperé, Dendê e São João, além da praia de Vila do Conde, no Distrito Industrial de Barcarena.
Márcio Cruz informou, ainda, que até o final desta semana, o órgão entrará com um pedido de suspensão da liminar de reintegração de posse em favor da Imerys, por entender que muitos dos moradores das comunidades envolvidas não são invasores. ‘Eu falei com uma senhora de 82 anos, que nasceu naquele lugar e que a mãe já morava lá antes dela nascer. Também tem outros que já estão há mais de 60 anos morando lá’, exemplificou o defensor. ‘Além disso, queremos mostrar ao Poder Judiciário que essa liminar ocasionará um problema social muito grande, já que vai atingir mais de 60 famílias’, complementou.
Promotora instaura procedimento administrativo para apurar danos
A promotora de Justiça do município de Barcarena, Sandra Gonçalves, instaurou procedimento administrativo para apurar os possíveis danos ambientais causados por mais um vazamento de caulim dos tanques de rejeito da Imerys Rio Capim Caulim. O vazamento ocorreu durante as fortes chuvas que caíram sobre o nordeste do Pará na madrugada de domingo. Ao amanhecer, os moradores da região constataram o aparecimento de manchas brancas no rio das Cobras e igarapés Cureperé, Dendê e São João, além da praia de Vila do Conde, no Distrito Industrial de Barcarena.
De acordo com a promotora, o procedimento vai investigar administrativamente os impactos ambientais provocado pelo caulim. Através das provas técnicas, o Ministério Público do Estado (MPE) poderá responsabilizar a empresa pelo dano causado ao meio ambiente e à comunidade que depende do consumo das águas do rio e dos igarapés.
A promotora explica que nos casos de dano ambiental não é necessário apurar a culpa do dano, mas apenas o nexo do fato. Neste caso, a Imerys deverá ser responsabilizada mais uma vez pelo acidente ambiental. Cabe ao MPE, explicou Sandra, investigar administrativamente e analisar o meio mais viável para propor ação judicial. Antes de uma ação, a promotora poderá propor um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), onde a empresa terá obrigações a cumprir por um determinado tempo para reparar o dano ambiental. Se a empresa se recusar a assinar o TAC, o MPE poderá ajuizar ação civil pública, responsabilizando judicialmente a mineradora.
A promotora esclareceu que cabe ao Estado, através da Secretaria Estado de Meio Ambiente (Sema), a fiscalização ambiental dos projetos minerais e a monitoração permanente dos tanques de rejeitos da mineradora. ‘O Ministério Público tomará as providências necessárias para preservar o meio ambiente e o direito das comunidades ribeirinhas, que dependem da água dos rios e igarapés’, frisou Sandra.
Especialista afirma que novos vazamentos devem ocorrer na região
A coordenadora do Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará (UFPA), Simone Pereira, afirma que era previsível um novo vazamento nas bacias de rejeito da empresa Imerys Rio Capim Caulim, em Barcarena (PA). O alerta, disse ela, consta no relatório de mais de 80 páginas que realizou quando acompanhou as equipes de perícia na área durante o vazamento de caulim em junho do ano passado, material que foi encaminhado à Divisãp de Meio Ambiente (Dema) da Polícia Civil e anexado ao processo contra a empresa. Segundo a pesquisadora, as águas do rio das Cobras e igarapés próximos estão contaminadas há anos pelos efluentes líquidos da produção de caulim.
‘As bacias não têm contenção efetiva. À medida em que sobrecarregam, vão vazar. Pelo excesso de material manipulado e pela chuva, a tendência é acontecer outros vazamentos. Não é uma estrutura que tenha sido impermeabilizada para isso. Quem conhece a área e já viu as bacias vazias percebe que apenas cavaram um buraco’, disse a pesquisadora, especialista em química ambiental.
De acordo com Simone, o principal problema relacionado aos acidentes com o caulim é o pH elevado do material. ‘Quando fizemos as análises no ano passado, eles estavam fazendo a neutralização da bacia em que aconteceu o vazamento, e, por isso, o pH deu em torno de seis. Mas, nas outras análises, verificamos um pH em torno de dois, um nível de acidez que não permite vida. Abaixo do nível quatro, não há mais condições. Não se viu mortandade de peixe porque não existe mais peixe nessa área’, completou.
A pesquisadora alertou ainda para outro fator: embora o caulim não seja classificado como uma substância tóxica, há elementos usados no tratamento do material que podem ser tóxicos, dependendo da concentração. ‘Os exames que foram realizados detectaram a presença de ferro, bário, cádmio e alumínio. Exceto o alumínio, que já faz parte da composição do caulim, esses outros elementos estão associados ao minério, como impurezas. Também tivemos informações extra-oficiais de que seria usado ácido sulfúrico para fazer o branqueamento do caulim’, disse.
Simone afirmou que esses elementos aparecem em níveis baixíssimos, mas associados ao pH baixo da água, podem trazer mudanças sérias para o ecossistema e riscos para a população que consome a água do rio das Cobras e dos igarapés Cureperé, Dendê e São João. Isso porque apesar das bacias de contenção, onde o resíduo sólido fica, sempre há um excesso de efluentes que são jogados no rio. ‘Isso acontece há muitos anos. Vai-se jogando uma porção líquida do que é drenado. A água está contaminada. O que acontece é que todo solo tem uma composição química definida. Ali há inclusive a presença de mercúrio no solo, mas isso está imobilizado. Quando o homem atua sobre o ecossistema jogando no rio um efluente ácido, esse pH ácido começa a soltar os metais que fazem parte do solo, que se tornam solúveis e passam para a água do rio. Em qualquer país do mundo, onde a fiscalização funcione de forma efetiva, a empresa seria obrigada a tratar o líquido dos efluentes ou seria fechada. Se fizessem isso na França, já teriam pago multas homéricas ou teriam sido fechados’, disparou a pesquisadora.
Empresa apresenta as causas do ‘transbordamento’ do minério
A empresa Imerys Rio Capim Caulim reafirmou ontem que as bacias de rejeito transbordaram por causa de um conjunto de fatores que resultou no desligamento das bombas que jogam a água das bacias para o local apropriado. Segundo Waldemir Queiroz, diretor de saúde e meio ambiente da empresa, o ‘transbordamento’ não foi causado por danos nas bacias, mas pelo acúmulo de água da chuva que não foi bombeada por causa da oscilação no sistema elétrico e de dois raios que caíram na subestação da empresa. ‘Nós tivemos um conjunto de fatores que culminou com esse transbordamento. Além da chuva forte e da oscilação no fornecimento de energia elétrica, caíram dois raios na nossa subestação que causaram o desligamento automático das bombas que fazem o transporte da água da chuva acumulada nas bacias’, ressaltou Queiroz.
Ele informou que, ontem, o ponto do igarapé Dendê mais próximo às bacias, onde se instalou a mancha branca causada pelos resíduos de caulim, foi vistoriado pelo Corpo de Bombeiros e pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Barcarena (Semmab), que emitiu na data de ontem para a empresa um ‘Auto de Constatação’, atestando que houve o transbordamento de rejeitos com ‘pequena quantidade de caulim’, que, segundo a empresa, foi medido em 0,38% do produto. ‘Isso significa menos de meio por cento de resíduo de caulim, resultante da lavagem dos equipamentos’, informou. Ontem, técnicos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) também estiveram no local no final da tarde, mas ainda não foi emitido nenhum parecer do órgão sobre a ocorrência.
Segundo Queiroz, na ocasião da vistoria do Corpo de Bombeiros, as águas do igarapé Dendê já haviam retomado o aspecto normal. ‘A coloração das águas da região de Barcarena retomou sua normalidade ainda na tarde de domingo (2), e o Corpo de Bombeiros esteve na manhã de segunda-feira (3) lá na área e pôde atestar de perto as condições das águas no local’, afirmou.
Queiroz explicou que o sistema de coleta de água da chuva da empresa canaliza a água da chuva para as bacias, junto com resíduos que não são apenas de caulim, mas também de poeira e detritos que acumulam junto com a água da chuva. Para conter a água em casos de chuvas fortes há uma parede alta, uma espécie de barragem de contenção das águas pluviais, que também não agüentou o acúmulo de água sem o funcionamento das bombas, e só parou de transbordar quando as bombas voltaram a funcionar normalmente.
O diretor ressalta que esse transbordamento não ofereceu riscos à saúde das comunidades no entorno do igarapé e nem danos ao meio ambiente. ‘É claro que, como toda água de chuva, carrega alguns detritos, mas não chega a ser uma água poluída. Não carrega, por exemplo, detritos orgânicos. Nós também informamos e prestamos todos os esclarecimentos às autoridades ambientais e às lideranças comunitárias da área sobre o que realmente ocorreu’, ressaltou o diretor da Imerys.
Vinculada a uma multinacional francesa, a Imerys Rio Capim Caulim é a líder nacional na produção de caulim. De acordo com os dados mais recentes do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), referentes ao ano de 2006, a empresa foi responsável por 40% da produção brasileira, com 964 mil toneladas de caulim beneficiado.
No dia 11 de junho do ano passado, 350 mil litros de rejeitos de caulim vazaram da bacia de contenção três da empresa, que atingiu os igarapés Curuperé e Dendê, afluentes do rio Pará, impactando 500 famílias de Vila do Conde, das quais 33 chegaram a ser transferidas de suas casas pela Defesa Civil. Em 2006, já havia acontecido um vazamento de caulim, mas sem maiores danos ambientais.