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Notícia

Barcarena, PA: Caulim vaza e pára em rio e igarapés

Vazamento da argila pura preocupa os ribeirinhos – Técnicos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) irão avaliar, hoje pela manhã, a extensão dos danos causados por mais um vazamento de caulim na bacia hidrográfica do rio das Cobras e igarapés Cureperé, Dendê e São João, além da praia de Vila do Conde, no Distrito Industrial de Barcarena. O vazamento ocorreu na madrugada de domingo e as águas da região amanheceram todas manchadas e poluídas por caulim da fábrica da empresa Imeyrs Rio Capim Caulim. Matéria do O Liberal, PA, 03/03/2008.

A denúncia foi feita pela diretoria do Centro Comunitário de Vila do Conde, por barraqueiros, pescadores e agricultores que ficaram impedidos de usar as águas da bacia da região. Segundo José Maria Moraes de Souza, presidente do Centro Comunitário, eles desconfiam que a Bacia 2 da Imerys transbordou e provocou o acidente. ‘Depois que a Bacia 3 foi interditada no ano passado por causa de vazamento, eles voltaram a operar a Bacia 2 que já estava no limite, e agora deve ter transbordado. Assim não dá mais para o povo de Vila do Conde viver. Eles só tiraram os tubos que jogavam rejeitos da fábrica direto nos igarapés e desviaram para a praia. É preciso fazer alguma coisa porque a empresa passou a ser a maior fonte de poluição da água e do sólo em Barcarena’, indignou-se José Maria.

Eles também suspeitam que pode ter havido algum rompimento ou problemas na tubulação das bacias e consideram o vazamento tão grave como o que ocorreu no ano passado porque desde ontem a empresa fechou o acesso para transporte pela estrada que liga o bairro Industrial de Vila do Conde à área das bacias da fábrica da empresa. ‘Os moradores que tem roça na área estão impedidos de transportar suas mercadorias porque eles fecharam a estrada com aterro. Se o vazamento não é grave porque o acesso não está garantido?’, indagaram os líderes comunitários.

Em nota, a empresa esclareceu que não houve vazamento nas bacias de sua fábrica. ‘O que ocorreu foi em função das fortes chuvas e do desligamento de bombas causado por oscilação no fornecimento de energia, houve um transbordamento na comporta de contenção da drenagem pluvial’, diz a empresa. A Imerys também esclareceu que as bombas já estão operando normalmente e o transbordamento não ofereceu riscos à saúde humana, nem danos ao meio ambiente. Mas a Imerys não informou o tamanho do tanque onde fica a comporta de contenção e nem a quantidade de caulim que transbordou ontem. A empresa comunicou o acidente às autoridades ambientais do Estado e às lideranças comunitárias de Vila do Conde.

Mas elas não aceitam a desculpa e dizem que tudo precisa ser melhor esclarecido porque não houve problema de energia em Vila do Conde na madrugada de domingo, como afirma a nota da Imerys. As lideranças dizem que a empresa tem equipamentos geradores de energia para evitar esse tipo de problema. ‘Se faltasse energia a empresa tem gerador de emergência. Nada justifica. Queremos que tudo seja esclarecido e se o governo não tomar providências a população vai ter que tomar porque não agüentamos mais’, ameaçou José Maria.

Os pescadores e agricultores que moram às margens dos igarapés são os mais prejudicados. A família de dona Dalva dos Santos Souza, de 88 anos, que tem roçado e plantações de frutas nas cabeceiras do igarapé Curuperé é uma delas. O filho de dona Dalva, Clóvis dos Santos Souza, de 59 anos, e a esposa, dona Maria da Conceição Souza, estão revoltados com a situação. Eles denunciaram que a terra e a água dos igarapés ficaram tão contaminados pelos rejeitos da fábrica e pelo caulim que já vazou de lá que a mandioca está amarga, sem condições para produção de farinha com boa qualidade. Eles contaram ainda que as árvores também deixaram de frutificar. ‘Nós estamos perdendo tudo, e piorou com a construção da Bacia 5 ao lado das nossas plantações’, reclamou o casal. Eles contaram que 56 famílias de agricultores foram iludidos durante a obra. A empresa pediu que eles suspendessem a produção enquanto construíam a Bacia 5 e pagou a elas um auxílio durante quatro meses. Mas os agricultores acabaram perdendo todas as roças por causa da poluição provocada pelos rejeitos de caulim e quando tentaram voltar para suas áreas foram surpreendidos com a ameaça de perderem suas terras. ‘A empresa está avançando para dentro das nossas áreas, que tem mais de 200 anos nas mãos de nossas famílias’, denunciou seu Clóvis. Ele afirmou que a Bacia 5 ao lado dos roçados oferece riscos aos agricultores.

Outro produtor que está indignado com o vazamento de caulim é João Amaral Mourão. Ele e a família mantêm quatro tanques de criação de peixes ao lado do igarapé Curuperé. Com o vazamento de caulim os tanques podem ser atingidos pelos rejeitos a qualquer momento. Os pescadores da área ficaram revoltados porque o peixe e o camarão dos igarapés vão desaparecer de novo. Eles estavam há quatro meses sem sair para pescar fora por causa do período de defeso. Como a situação das águas nos igarapés estava normal eles estavam pescando camarão lá mesmo. Mas agora, com o vazamento, vão ficar sem camarão novamente.

Poluição também prejudica barraqueiros de praias de Vila do Conde

As águas da praia de Vila do Conde amanheceram ontem mais uma vez esbranquiçada pelo caulim que vazou. Os barraqueiros dizem que amargam muitos prejuízos porque perderam a freguesia que sempre freqüentava o local. Eles sumiram depois que começaram a ocorrer os constantes problemas de poluição como os vazamentos de caulim. Ontem, dona Francisca de Assis Pinheiro reclamou que o movimento caiu bastante desde junho do ano passado, quando vazaram cerca de 300 mil metros cúbicos de caulim da fábrica da Imerys. Ela disse que os barraqueiros precisaram entrar na Justiça para pedir indenização pelos prejuízos causados pelo vazamento de caulim, mas que até agora não receberam um tostão. ‘A gente foi humilhado com a promessa de receber R$ 1.500 cada um e não nos pagaram. A empresa prometeu que não ia mais acontecer acidente mas taí o caulim de novo poluindo. Estão abusando da gente’, reclamou, juntamente com Bianca Moreira Quinto e Lucicléia Santos Júnior, que também se sentem muito prejudicadas com a queda nas vendas. Cerca de 40 barraqueiros trabalham na praia e estão na mesma situação.

REJEITOS

Em menos de um ano a bacia dos igarapés e o rio Pará foram atingidos duas vezes por rejeitos de caulim. Em junho do ano passado houve uma fissura na parede da Bacia 3 da fábrica da Imerys. Cerca de 300 mil metros cúbicos de rejeitos de caulim contendo sulfato de alumínio, glutasaldeído, óxidos de ferro e de titâneo, poliacrilito, ácido sulfúrico, sulfato de alumínio e hidrosulfito de sódio. Segundo um especialista, esses produtos tornam o ph da água alto, portanto muito ácido e perigoso para a saúde humana e o meio ambiente.

No ano passado, por causa do vazamento de caulim e o risco de rompimento da Bacia, 73 pessoas de 18 famílias que moram no bairro industrial precisaram ficar em um abrigo. Os moradores dos igarapés receberam água mineral porque não foi permitido banho e nem consumir a água dos igarapés para uso doméstico. No bairro Industrial os poços amazonas cavados pelos moradores foram contaminados e até hoje as famílias recebem água em caminhões-pipa. A fábrica da Imerys foi interditada pela Sema e a empresa foi multada em R$2.653.515,92. Parte do dinheiro deveria ser usado para melhorias e compra de equipamentos para o Hospital |Municipal e a construção de um sistema de abastecimento de água para o bairro Industrial. Mas até agora nada foi feito.