O que se esconde atrás do lixo, artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] É muito raro que se passe um dia sem que esteja na comunicação alguma notícia sobre os dramas na área do lixo em todo o País. São aterros sanitários que se esgotam – como em São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro, Recife e outras capitais -, são licitações questionadas na Justiça, são cidades à voltas com inundações agravadas por redes de drenagem entupidas por lixo não coletado, são áreas degradadas pela deposição de entulhos de construção. Muitos dramas. Há poucos dias mesmo, a Prefeitura de São Paulo teve de suspender, a pedido do Tribunal de Contas do Município, uma licitação para contratar uma empresa que se encarregue de reciclar entulhos da construção civil – e eles são um problema grave, pois em quase todas as cidades seu volume supera o do lixo domiciliar e comercial.
Na verdade, a questão dos resíduos vai assumindo proporções cada vez mais preocupantes no País. Não custa repetir dados do IBGE (2002), segundo o qual cerca de 230 mil toneladas só de lixo domiciliar e comercial são coletadas a cada dia no País – sem incluir a maior parte dos resíduos da construção, lixo industrial, de estabelecimentos de saúde, lixo perigoso e lixo rural. Dos 230 milhões de quilos diários coletados em 5.471 dos 5.507 municípios, diz o IBGE que pouco mais de 40% chegam a aterros sanitários, mesmo incluindo os que não atendem a todas as condições. A maior parte continua sendo despejada em lixões a céu aberto. E os índices de reciclagem em unidades mantidas pelo poder público é insignificante.
Segundo o Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), a situação só não é mais dramática porque as centenas de milhares de catadores de lixo no País respondem pela quase totalidade dos 95% de latas de alumínio encaminhadas para a reciclagem, assim como recolhem 33% do papel descartado, 46% dos vidros e 16,5% do plástico. Estudo feito na cidade de São Carlos mostrou que, sem os catadores, mais 39% do lixo iria para o aterro. A não reutilização ou reciclagem de materiais gera muitos problemas: apressa o fim da vida útil de aterros; impõe pesados custos de coleta e destinação dos resíduos às municipalidades; e deixa de gerar trabalho e renda principalmente para setores carentes, na coleta seletiva, separação e reciclagem do lixo.
Uma demonstração numérica da gravidade dessas questões está num trabalho há pouco publicado pelo Waste Management Research (http://sagepub.com), sobre pesquisa desenvolvida na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, em Sorocaba, pelo professor Sandro Donnini Mancini e por alunos do curso de Engenharia Ambiental. Ele mostra que nada menos de 91% do lixo depositado no aterro de Indaiatuba (135 toneladas diárias produzidas por 175 mil habitantes) poderia ser reutilizado ou reciclado. Pode-se, a partir daí, calcular o gasto improdutivo do poder público, financiado pela sociedade. Na média, cada tonelada de lixo pode custar até R$ 100 para ser coletada e ter destinação adequada em aterros, nas cidades médias e grandes. Se esses números forem válidos para o local da pesquisa, 135 toneladas diárias significarão um gasto de R$ 13.500 por dia ou R$ 4,05 milhões em 300 dias anuais. E 91% disso, passível de reutilização ou reciclagem, se traduz em R$ 3,68 milhões.
A pesquisa mostra ainda que os restos de comida são 40% do lixo (54 mil quilos), que se somam a quase 14% de restos de poda de jardins e canteiros e poderiam, juntos, destinar-se à compostagem e resultar em fertilizantes. Os 72,5 mil quilos diários desse lixo orgânico exigem 250 m³ para serem depositados no aterro, e representam 21,3% do volume total (não do peso). Papel e plásticos são outros itens que representam maior volume. Só o lixo de banheiro chega a 3,6% do peso e 5,1% do volume e precisa de 60 m³ diários para ser depositado. O alumínio, que vale muito para os catadores, significa apenas 0,5% do peso e 0,9% do volume. Também o vidro, valorizado, soma 1,9% do peso e 1% do volume. E, curiosamente, “sapatos”, muito descartados em áreas de baixa renda, significam 1,5% da massa e 1,1% do volume. Já as baterias, lixo perigoso (que deveria ter outra destinação), chegam a 100 quilos por dia.
Se, para efeito de cálculo, se transpuserem os números para o plano nacional, vai-se ver que boa parte dos recursos gastos a cada dia com a coleta e destinação do lixo poderia ser destinada a outras áreas. Duzentos e trinta mil toneladas diárias coletadas e destinadas, se pagas à média de R$ 100 por tonelada, significariam R$ 23 milhões diários. Mas a média pode ser inferior, por causa de preços em cidades menores, distâncias de transporte mais curtas. O custo da destinação também pode ser menor, já que apenas 40% do lixo vai para aterros. Mesmo, entretanto, presumindo um custo médio correspondente a 70% do que é pago nacionalmente para a coleta (que representa 80% do custo total), vai-se ter R$ 12,8 milhões diários ou R$ 3,86 bilhões para 300 dias do ano. E a um custo de R$ 15 por tonelada para a destinação em aterros, 52 mil toneladas/dia custarão R$ 780 mil, ou R$ 234 milhões no ano. Um total final próximo de R$ 4,1 bilhões anuais. É uma soma que deveria levar a sociedade e seus governantes a meditar mais sobre as políticas do lixo.
Já se disse aqui que não se conseguirá avançar significativamente, se uma política nacional de resíduos não estabelecer que os geradores de lixo, de qualquer espécie (domiciliar, comercial, industrial, resíduos de construção, embalagens, etc.), não respondam pelos seus custos, para que se possam implantar programas eficientes de coleta seletiva, reutilização e reciclagem. E para que cada gerador responda pelo custos proporcionalmente à sua responsabilidade. Se não for assim, continuaremos como agora: com os produtores de embalagem e os geradores das maiores parcelas do lixo transferindo para toda a sociedade os custos que a eles deveriam caber. Não é justo. Nem eficaz.
Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 29/02/2008