Só 4% do território da Amazônia Legal é regularizado, revela estudo
São ignorados os donos de 1,58 milhão de km2, área equivalente à Alemanha, Espanha, França, Hungria e Rep. Checa – Quase um terço das terras da Amazônia Legal está em situação irregular ou indefinida. Por outro lado, apenas 4% da área é composta por propriedades particulares devidamente regularizadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Por Cristina Amorim, para o Estado de S.Paulo, 28/02/2008.
Segundo um estudo feito pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), ONG com sede em Belém (PA), 31% do território da Amazônia é supostamente privado sem validação de cadastro – o que, na prática, significa que ainda não se sabe a quem pertence e a que se presta. A destinação é incerta em 1,58 milhão de km2, espaço equivalente à soma das áreas de cinco países: Alemanha, Espanha, França, Hungria e República Checa. Nesse índice, estão incluídos os posseiros (7,6% da Amazônia Legal ou cerca de 400 mil km2), os processos em trâmite e sem informação (10,7% ou 560 mil km2) e aqueles arquivados por falta de validação do documento (3,9% ou 206 mil km2).
“Partimos da seguinte pergunta: quem é o dono da Amazônia? A resposta é que a gente não sabe direito”, diz o principal autor do estudo, o pesquisador do Imazon Paulo Barreto. O trabalho é baseado em dados do próprio Incra e entrevistas com funcionários de órgãos públicos e produtores.
As incertezas sobre a propriedade da terra são um dos motores que impulsionam atividades ilegais nos setores de extração de madeira e na produção agropecuária, pois estimulam a impunidade. Em reconhecimento ao problema, o governo federal chamou, em janeiro, os proprietários dos 36 municípios amazônicos que mais desmataram em 2007 para se recadastrarem no Incra.
O instituto já realizou uma série de pedidos desse tipo. A partir de 2001, exigiu o georreferenciamento com área superior a 100 km2. Os problemas remetem ao governo militar, que sob o lema “integrar para não entregar” promoveu a interiorização com a promessa de grandes extensões de terras para imigrantes – sem, contudo, regularizar a situação. Desde então, sucessivas administrações públicas passaram sem que a questão fosse atacada de fato.
“Talvez esse seja o pior problema da Amazônia; o resto é conseqüência. Quando se puxa o novelo, a questão fundiária sempre aparece. De vez em quando esbarramos até em sesmaria”, diz o procurador da República em Belém, Felício Pontes Júnior. “Todo tipo de fraude fundiária existe aqui. É uma área muito grande que não recebeu a devida atenção.”
Segundo o procurador, o Incra não tem capacidade de levar adiante o trabalho a partir do recadastramento. Ele lembra, por exemplo, da tentativa de regularizar a situação fundiária ao longo da BR-163 (Cuiabá-Santarém), dentro do projeto do que seria o primeiro distrito florestal sustentável do Brasil. “Uma denúncia feita pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) mostrava que havia processos acumulados até no banheiro da superintendência do Incra”, diz Felício.
O presidente do Incra, Rolf Hackbart, concorda com as conclusões do estudo e ainda lembra que as informações sobre as propriedades são declaratórias. “O sentido e as conclusões estão corretas”, afirma. “O País até hoje não fez a regularização fundiária, o que é terra pública e privada e qual é sua destinação. Não sabemos o quanto há de ilegalidade. Os números que você vê por aí são chute.”
Hackbart concorda que a falta de cuidado é uma das causas do caos fundiário que a Amazônia vive e ainda destaca o desaparelhamento do instituto. “O Incra está sucateado e, desde 2003, temos trabalhado em sua recuperação. Mas falta muito ainda. Reconhecemos as falhas e estamos trabalhando para resolvê-las.”
IMAGEM DESFOCADA
Barreto é o primeiro a dizer que seu trabalho ajuda a mapear alguns dos problemas fundiários, mas que está longe de ser um raio X fidedigno e definitivo da situação. “Pela ordem de grandeza da Amazônia, o nível de incerteza é bastante alto”, diz.
É por isso que ele usa a palavra “supostamente” ao falar de suas conclusões. Entre os 31% de propriedades em situação irregular ou indefinida, ele não tem informações sobre uma grande parcela (26% desta área), pois se referem a áreas pequenas, de até 50 km2.
Outro exemplo é a situação das áreas protegidas: entre unidades de conservação e terras indígenas, elas chegam a 41% da Amazônia Legal, ou 1,58 milhão de km2. Barreto calcula que entre 70 mil e 100 mil km2 dependem de regularização. “Existem várias posses dentro delas, algumas com gente dentro. Se não for resolvido logo, o desenho da área protegida pode ter de ser revisto daqui a dez anos”, diz.