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Artigo

O que está por trás do luxo do granito? O lucro às custas do suor, trabalho e sangue de inocentes, artigo de Poliane Oliveira Dutra

1) Introdução – Muitas vezes, diante de uma realidade não conseguimos ver o todo e somente as partes, enxergando as coisas de maneira isolada e nos esquecemos que tudo na vida está interligado com tudo e com todos. A própria natureza, criação do Deus da vida, nos confirma esta interdependência, onde cada ser vivo existente depende um do outro, numa grande sinfonia da vida.

É provável que você tenha tido a oportunidade de conhecer, ou pelo menos ver de longe, apartamentos luxuosos, mansões decoradas e trabalhadas com granito e/ou mármore. Pisos belíssimos, brilhantes, de infinitas cores, banheiros, pias que encantam pela beleza e luxo. Além da beleza, mármore e granito são materiais que apresentam uma durabilidade e resistência invejável. Você já se perguntou de onde vem esse granito? Quem trabalha para produzi-lo? Como trabalha? Por que extraí-lo? Causas? Conseqüências?

Neste texto lhe mostrarei a dura e fria realidade que está oculta e que o poder econômico não deixa o povo ver. Oxalá, ao terminar de ler, você se sinta indignado/a com a enorme exploração e injustiça perpetrada contra comunidades rurais. Você perceberá que os fatos não são isolados e tudo na vida está interligado com tudo e com todos.

2) Exploração de granito causa devastação ambiental – Esse luxo do granito e do mármore vem do suor, do trabalho de muitos trabalhadores e da destruição da natureza. 60% da extração de granito no Brasil encontra-se no estado do Espírito Santo, território já transformado em deserto verde pela Aracruz Celulose com a monocultura do eucalipto. A mata Atlântica, cadê? Está só na lembrança, pois foi toda devastada. O estado capixaba tem o solo rico em rochas cuja composição físico-química possibilita encontrarmos imensas jazidas de granito (e de mármore também), rochas essas que existem tanto externas, expostas ao ar livre, quanto subterrâneas.

As pessoas que comandam a extração do granito no Espírito Santo são japoneses, europeus e chineses. As máquinas são de multinacionais e a matéria-prima é toda exportada e depois volta para o mercado interno como granito trabalhado e a um preço absurdo, gerando assim a riqueza dos empresários do granito às custas do suor, trabalho e sangue de trabalhadores camponeses.

Todo o granito do Espírito Santo – municípios de Barra do São Francisco, Nova Venécia, Vila Pavão, Ecoporanga, Águia Branca, São Domingos e etc – são retirados em forma de blocos, transportados por enormes carretas e, em grande parte, escoado para fora do Brasil pelo porto de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do estado. Imprescindível recordar que o negócio do granito é financiado pelo BNDES e pelo Banco do Brasil. Um bloco de granito de um metro cúbico pesa em torno de 12 mil quilos (= 12 toneladas).

Sou uma jovem do oeste do estado, de Barra de São Francisco, município que sempre teve sua principal fonte de renda na agricultura familiar. Mas ao descobrirem a abundância de granito no município, a sede de ganhar dinheiro explorando esse minério passou a dominar as mentes de grande parte do povo. A partir daí muita coisa mudou. Hoje em Barra de São Francisco funcionam mais de 150 pedreiras, local onde se extrai o granito e cerca de 30 serrarias, onde serram os blocos de granito, formando placas que, com o polimento, fazem o granito se tornar liso e brilhante.

As pedreiras funcionam nas propriedades dos pequenos agricultores. Como isso acontece? Quando descobrem granito na propriedade de determinada pessoa, se for de boa qualidade, empresários fazem contrato com o dono da terra, sua renda vai ser em cima de cada bloco extraído do terreno; a maior parte do lucro, é claro, fica com o empresário. Com a ilusão de ganhar dinheiro, os agricultores, ao assinarem o contrato, assinam a sentença da devastação da sua terra e o fim da paz e a tranqüilidade que a vida no campo proporciona.

Onde funciona uma pedreira a devastação da natureza é gritante, absurda. É doloroso ver nascentes que nunca secaram com águas limpas e abundantes serem destruídas com aterramento ou explosões de dinamites. Derrubam as árvores, pois as mesmas impossibilitam o trabalho das máquinas, ocorre a compactação do solo devido ao uso de máquinas grandes e pesadas e a poluição do mesmo com óleo queimado e excesso de pó de rochas, impossibilitando absolutamente atividade agrícola. Utiliza-se muita água para o corte dos blocos e principalmente nas serrarias, pois é impossível as máquinas serrarem sem a presença de água, senão elas queimam devido ao excesso de calor que se forma fruto do atrito da serra com a pedra. A área fica cheia de cascalho e pedaços maiores de rochas que não têm valor para o mercado. Outro grande problema é o uso de dinamites que, além de usarem para explodir a rocha, usam para fofar a terra, no caso das rochas subterrâneas. Os blocos para serem retirados não podem ter terra. Quando chove, a terra que fica solta é levada pela enxurrada, entopem os córregos e as várzeas que serviam para o plantio de arroz, feijão e hortaliças.

Essa triste experiência minha família e eu vivenciamos na terra onde vivemos. A várzea onde plantávamos arroz para o nosso consumo, foi toda soterrada, onde era brejo, hoje é seco e o córrego está a 1,5 metro abaixo do nível da terra e se tornou impossível produzir arroz. Um desastre! Tudo porque, infelizmente, funciona uma pedreira acima da nossa propriedade. Assim devasta uma área e as conseqüências recaem sobre todos. A destruição da natureza é alarmante, o local fica horrível e irrecuperável, uma imagem de total destruição. Pedras que são lindas por natureza, que levaram anos e anos para se formarem e constituírem formatos incríveis, estão sendo destruídas pelos capitalistas. Pedras não nascem como árvores. Podemos plantar árvores, mas não pedras. Uma vez destruídas, nunca mais. Minério dá uma única safra. Agricultura familiar e agroecológica dão infinitas safras, o que sustenta a cultura popular com suas raízes históricas.

A indignação é muito grande porque pessoas que não conseguem sentir, entender e respeitar o sagrado que é a natureza, que estão corrompidas pelo poder do ídolo capital, estão destruindo uma criação perfeita que levou milênios para se construir. Se a extração de granito em Barra de São Francisco continuar no ritmo que está, daqui a 10 ou 15 anos o município estará em situação de calamidade. Formatos lindos das rochas hoje se resumem a blocos e mais blocos. A natureza grita por socorro.

3) Opção pelo granito asfixia a agricultura familiar – Além da degradação do ambiente, outro sério problema surge. Como disse antes, a Agricultura Familiar sempre foi a principal renda do município de Barra do São Francisco, mas com a extração do granito, muita coisa está mudando e para pior. As pedreiras exigem muita mão-de-obra e como elas funcionam no campo, os camponeses, agricultores familiares, estão deixando de desenvolver a agricultura familiar, deixando de trabalhar a terra, plantar, colher, para trabalhar nas pedreiras se tornando assalariados. Recebem uma miséria de salário para serem escravos e deixam de ter autonomia sobre a própria terra. Infelizmente atualmente é comum andarmos pelas comunidades e encontrarmos lavouras de café no mato, largadas. É raro achar plantio de arroz, feijão, milho, hortas, o que era comum antes. É uma mudança muito brusca, e para pior. Deixam de ser camponeses autônomos, livres que trabalham na agricultura familiar produzindo sua própria comida, para serem dependentes de um sistema explorador. Passam a ser camponeses proletários, que moram na roça, mas sua renda é tirada de outro lugar e não da terra. Pior: pegam o salário e compram tudo na cidade: arroz, feijão, verduras, etc. Assim os produtos industrializados vão invadindo o campo e solapando a cultura camponesa.

Os camponeses que ainda resistem em suas terras, com seus cultivos, passam aperto cada vez maior, pois é difícil encontrar pessoas para ajudar no serviço da roça, principalmente na produção do café conilon que é a principal cultura do município.

É uma situação complicada e vergonhosa: um município como Barra de São Francisco, com um território basicamente rural, terras férteis e agricultáveis sendo depredado pela exploração de granito. Na Feira da cidade estão sendo comercializadas verduras e hortaliças trazidas do CEASA de Vitória, a capital do estado. Isso nunca tinha acontecido, é a maior contradição! É a prova de que a exploração do granito está tomando o espaço da agricultura familiar e isso é o caos. É uma frustração muito grande ver pessoas que moram na roça, que tem terra para plantar, comprando alface e tomate na cidade, enquanto que muitos trabalhadores no Brasil lutam por reforma agrária, por um pedaço de terra para plantar.

A frustração é maior ainda porque sou educadora em uma Escola Família Agrícola – EFA – que trabalha com a Pedagogia da Alternância que defende a identidade camponesa, a ruralidade, a permanência camponeses no campo. Acreditamos na agricultura familiar com Reforma Agrária. É muito triste quando defendemos nossa proposta e de repente somos pegos de surpresa por alguns estudantes que nos questionam e argumentam: “Para que mexer com terra, com agricultura, se existem as pedreiras?” A situação é tão complexa que gera nas pessoas um ingênuo pensamento que as pedreiras geram emprego e desenvolvimento para o município.

Mas que desenvolvimento é esse? Com certeza não um desenvolvimento sustentável solidário que respeita a natureza e as pessoas e sim um desenvolvimento do capitalismo concentrado, pois, para Barra de São Francisco fica somente a destruição da natureza, trabalhadores mutilados, a dependência e a pobreza.

4) Granito deixa um rastro de sangue – O trabalho nas pedreiras é pesado, perigoso e sem segurança. É comum pessoas ficarem sem dedos, pernas, surdas e muitas morrem. Muitos acidentes, tais como, esmagamento de pessoas por blocos de rocha que pesam muitas toneladas, ao cair em cima das pessoas. As explosões de dinamite causam mortes de trabalhadores que caem de alturas imensas e se arrebentam no chão. Dezenas de trabalhadores ficaram cegos devido a faíscas de rochas que voam nas explosões, acidentes nas máquinas, cabos de aço que arrebentam e cortam pernas e outros membros do corpo; pessoas que ficam surdas porque o barulho é estridente. Numerosos são os acidentes que acontecem nas carretas que transportam os blocos de granito e mármore, e as placas. Já aconteceram muitos casos em que os blocos de granito escorregarem de carretas e caírem em cima de pessoas na calçada dentro de cidade; blocos tombam de carretas e caem em cima de carros menores; blocos escorregam da carroceria e esmagam a cabine da carreta matando o motorista.

São casos e casos de desmando, de injustiça, de trabalhadores mutilados ou assassinados. Simplesmente a empresa paga uma indenização à família e no outro dia já tem outra pessoa trabalhando no lugar. Esse dinheiro da indenização é quase nada, perto dos milhões que os empresários do granito ganham. Morrem pessoas dia após dia e as pedreiras continuam funcionando a todo vapor. Será que essas indenizações resolvem o problema? E o que fazer com os familiares desses trabalhadores que ficam traumatizados como é caso de um aluno nosso que ainda criança perdeu o pai, em 2007. Enquanto trabalhava em uma pedreira, um bloco de granito caiu em cima dele. E o pior: meu aluno, juntamente com a família, não pôde fazer o velório do pai, porque não restou corpo. Ficou todo esmagado. Hoje é uma criança agressiva, tem dificuldade de concentração e de aprendizagem e não consegue falar sobre o pai; está traumatizado.

O povo não é cego, enxerga todas estas injustiças e desmandos, porém o silêncio do povo é comprado pelo “aluguel” das terras, por míseros salários, por promessa de emprego e por “programa pão e circo” desenvolvido pelas empresas.

Diante de tanta devastação e mortes, por que os proprietários das terras fazem contratos e permitem a extração do granito? É simples. Porque até então os mesmos não tinham tido em mãos determinada quantia de dinheiro. E tendo somente a agricultura como fonte de renda, nunca conseguiriam. Não percebem que a devastação será muito grande.

Isso nos mostra claramente o descaso e falta de investimento na agricultura familiar. Não tem políticas públicas para os camponeses, os alimentos vendidos pelos pequenos não têm preço, isso quando encontra mercado. Não há subsídios, há escassez de crédito. Por falta de incentivos, os camponeses abandonam as roças e vão para serem explorados e inconscientemente destroem nosso ambiente, colocando em risco suas próprias vidas.

Munido das informações, oxalá você, quando ver mansões e apartamentos luxuosos, trabalhados com granito e/ou mármore, lembre-se da tragédia e desgraça que está por trás de tanta beleza e luxo. Lembre-se do meu povo que é explorado, dos municípios que estão sendo destruídos, tudo em nome do progresso de uma minoria. Essa riqueza, esse luxo, vem do suor, do trabalho, do sangue de milhares de camponeses para dar conforto e prestígio a uns poucos. O luxo do mármore e do granito está ligado diretamente a sonhos de inocentes quebrados, ambiente depredado, exploração, ganância, cumplicidade do governo etc.

Quando deparamos com situações assim de total descaso com nossos bens naturais, onde gringos entram em nosso país e fazem o querem, temos a sensação de termos um país como se fosse terra de ninguém, sem dono. Mas o Brasil tem dono; é nosso e temos o dever de cuidar do que é nosso. Que esse texto não desperte pena das vítimas da exploração de granito e mármore, mas sim indignação e desperte em nós a coragem de gritarmos, de denunciarmos as injustiças cometidas em nosso país. Sintamo-nos parte e donos desse nosso imenso e belo país. Que tenhamos a ousadia de lutarmos e não sermos omissos. Que posamos fazer a diferença. Que sejamos construtoras/es de novas e libertadoras consciências para que assim possamos construir uma sociedade sustentável com a inclusão de todos e de tudo.

Artigo enviado pelo Frei Gilvander Moreira, colaborador e articulista do Ecodebate