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Noruega inaugura cofre global de sementes no Ártico

Banco mundial de sementes, aberto hoje, guardará até 4,5 milhões de amostras das espécies de interesse agrícola. Projeto quer preservar as principais cultivares para permitir que a agricultura seja retomada caso ocorra alguma catástrofe global. Por Letícia Fonseca-Sourander, colaboração para a Folha, em Bruxelas, na Folha de S.Paulo, 26/02/2008.

Bem perto do Pólo Norte, uma montanha gelada guarda o tesouro genético do planeta. Trata do projeto mais ousado de preservação da vida vegetal, inaugurado hoje no arquipélago norueguês de Svalbard.

O objetivo é conservar até 4,5 milhões de amostras de sementes e 2 bilhões de sementes de todas as espécies cultivadas pelo ser humano. Esse patrimônio, mantido em segurança máxima, estará protegido de catástrofes naturais e até mesmo de guerras nucleares.

“É o último refúgio das lavouras do mundo”, diz Cary Fowler, diretor da Global Crop Diversity Trust, organização, criada pela FAO (órgão das Nações Unidas para Agricultura), que coordena o projeto juntamente com a Noruega.

As primeiras amostras de sementes serão colocadas nesta manhã no Banco Internacional de Sementes de Svalbard, durante a cerimônia de inauguração, pelo premiê norueguês, Jens Stoltenberg, e pela a ambientalista queniana e Prêmio Nobel da Paz, Wangari Maathai. O projeto já recebeu cerca de 100 milhões de sementes doadas por cem países.

O Brasil deve enviar em breve a sua contribuição, por meio do do Cenargen (Centro Nacional de Recursos Genéticos), da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).

“A Noruega está orgulhosa por ter um papel central ao proteger não apenas sementes, mas os alicerces da civilização humana”, disse Stoltenberg.

A escolha de abrigar o bunker ecológico nesse remoto arquipélago acima do Círculo Polar Ártico não foi por acaso. Além de ter clima e geologia ideais, Svalbard é distante o bastante para manter em segurança a herança genética vegetal.

A nova Arca de Noé fica escondida no final de um túnel de 120 metros, escavado em rochas geladas a 70 metros de profundidade e será mantida a -18C. Essa caverna de alta tecnologia, construída nos últimos 11 meses numa montanha de Longyearbyen -uma das cidades do arquipélago- é equipada com portas de aço blindadas, câmeras e detectores de movimentos e será monitorada remotamente, da Suécia.

As mudanças climáticas foram inicialmente o que impulsionou o projeto, mas não foram o único motivo. Nos últimos anos, mais de 40 países tiveram os seus bancos de sementes destruídos: em guerras como no Iraque e no Afeganistão, ou em inundações e outros desastres ecológicos, como o recente tufão nas Filipinas.

TRANSGÊNICO não entra

Além destas catástrofes, o material dos bancos genéticos também corre perigo por causa de más políticas de gestão, falta de verbas e descuido. Hoje, 1.400 bancos de sementes no planeta armazenam cerca de 6,5 milhões de amostras. O Brasil tem o 7º maior banco genético vegetal do mundo, com 100 mil amostras de sementes. Segundo Fowles, “a intenção de Svalbard é de ser uma rede de segurança para todos os bancos, inclusive o do Brasil”.

A transferência de sementes de um país ao Banco Internacional de Sementes de Svalbard será regida por um acordo entre o governo norueguês, proprietário do banco, e o país doador, dono do material genético. Sementes transgênicas são as únicas proibidas de entrar nesse santuário vegetal congelado.

“A lei norueguesa efetivamente proíbe a importação de sementes geneticamente modificadas e sua armazenagem em Svalbard”, disse à Folha Julian Laird, diretor de Desenvolvimento e Comunicações do Global Crop Diversity Trust.

A construção do Banco Internacional de Sementes de Svalbard custou US$ 9 milhões à Noruega. O local do banco resiste a atividades vulcânicas, sísmicas e ao aumento do nível do mar. A área tem baixo nível de radiação, fundamental para a manutenção do DNA das plantas. No frio em que será mantido o banco, sementes de trigo, cevada e ervilha podem sobreviver mais de 10 mil anos.

Em caso de falta de energia, as sementes não serão prejudicadas: o permafrost -solo permanentemente congelado- impede que a temperatura suba acima de -3,5C , garantindo a sobrevivência das sementes por até 200 anos.

Elas só poderão ser usadas, porém, quando as cópias originais forem perdidas. De acordo com estatísticas da FAO, no último século, 75% da diversidade genética de centenas de milhares de espécies de plantas desapareceu. Dos 7 mil tipos de plantas já cultivadas pelo ser humanos, só 150 espécies estão no cardápio hoje.

Quando for a hora de fechar as portas, a arca de Svalbard entrará em hibernação, como os ursos-polares que habitam o arquipélago. E a biodiversidade agrícola mundial vai estar sã e salva nas entranhas geladas do extremo norte.