Estudo refuta ligação entre acidente nuclear em Goiânia e casos de câncer de mama
Uma pesquisa brasileira publicada na revista “Cancer Causes Control” identifica um aumento da incidência de câncer de mama em Goiânia (GO). Mas, ao contrário do que esperavam, os cientistas não encontraram evidências de que o aumento tenha sido provocado pela radiação resultante do acidente nuclear de 1987. Por Felipe Modenese, Colaboração para a Folha Online, 22/02/2008 – 18h30.
Pesquisas realizadas em Hiroshima e Nagasaki revelaram que a incidência da doença em mulheres que estavam na faixa etária mais prejudicada pela radiação –15 a 25 anos– quadruplicou no período da contaminação. Na pesquisa de Goiânia, esse índice duplicou, resultado similar ao observado nas outras faixas etárias.
O estudo, publicado na terça-feira (19), afirma que, como resultado do acidente radioativo em Goiânia, “havia um grande temor da possibilidade de aumento nas taxas de incidência e mortalidade para diferentes tipos de câncer decorrente dos efeitos mutagênicos da radioatividade nas células”.
“Felizmente, essa possibilidade não se tornou realidade para o câncer da mama”, afirma o ginecologista Ruffo de Freitas Júnior, um dos autores do trabalho.
O estudo comparou o número de novos casos de câncer entre 1988 e 2003 detectados na cidade, para diferentes faixas etárias, e apresentou três resultados surpreendentes, de acordo com o ginecologista.
Primeiramente, não foi encontrada relação entre a exposição de parte da população ao material radiativo –uma cápsula de césio 137 violada por sucateiros– em 1987 e a progressão do número de novos casos de câncer de mama.
O intervalo entre 15 e 25 anos de idade é considerado a janela de risco para o césio, de acordo com o médico, porque o tecido glandular mamário está desprotegido contra a radiação nessa fase. O hormônio lactogênio placentário, que acompanha a gravidez, ajuda a impedir os efeito negativos nas células.
As mulheres que estavam nessa faixa de risco em 1987 tinham entre 31 e 41 anos em 2003. Na pesquisa, duplicou a incidência de mulheres com câncer de mama na faixa de 30 a 49 anos.
Reposição hormonal
Outro resultado da pesquisa é que, para a faixa etária entre 50 e 59 anos, o aumento da incidência do câncer de mama praticamente quadruplicou entre 1988 e 2003.
Como as mulheres dessa faixa estavam fora da janela de risco radioativo na época do acidente, uma explicação apontada pelos pesquisadores é o crescimento do uso da terapia de reposição hormonal (TRH).
Esse tipo de tratamento repõe alguns dos hormônios perdidos durante a menopausa para aliviar sintomas como a perda de cálcio, risco maior de doenças cardiovasculares, perda de apetite sexual e depressão.
Entretanto, outras pesquisas confirmam que o bombardeamento hormonal provoca aumento da velocidade das divisões celulares nas glândulas mamárias, funcionando como facilitador para o surgimento do câncer de mama.
O próximo passo do grupo é confirmar tal explicação para o estudo de Goiânia. Isso depende da presença de células com receptores para hormônios nos cânceres.
Os pesquisadores defendem que mulheres na faixa etária entre 50 e 59 anos merecem maior atenção quanto aos exames de mamografia e à publicidade de medidas preventivas –dieta adequada, atividade física regular e abstenção de álcool.
Atendimento
O terceiro resultado surpreendente das pesquisas foi o aumento de cerca de 270% da incidência de novos casos de câncer da mama entre mulheres com mais de 80 anos.
Os pesquisadores atribuem o crescimento a alguns fatores: aumento da expectativa de vida na cidade, melhoria do atendimento a essa faixa etária por meio de equipes do Programa de Saúde da Família –que chegam até a casa das idosas– e a publicidade com relação à prevenção e tratamento prematuro da doença.