Maranhão combate surto de beribéri causado por arroz
Fiscais iniciam operação para recolher produto; em 2007, Estado registrou 603 casos suspeitos – Equipes formadas por fiscais sanitários, Exército e integrantes da Secretaria de Agricultura do Maranhão iniciam nos próximos dias uma operação para recolher arroz com suspeita de contaminação no Estado. A ação, que deverá se desenvolver em 42 municípios, é planejada há três semanas e tem como objetivo controlar um surto de beribéri – doença típica entre escravos no Brasil colonial – que, no ano passado, contabilizou 603 casos suspeitos no Estado. Desde o início do surto, 38 pessoas morreram e muitas demoraram meses para se recuperar dos sintomas da doença – inchaços, problemas respiratórios e dificuldades de locomoção. Por Lígia Formenti, O Estado de S.Paulo, 16/02/2008.
Os primeiros casos de beribéri começaram a ser registrados em 2006. Todas as mortes ocorreram naquele ano. Quando foi confirmada a suspeita, o governo iniciou a distribuição de cestas básicas e tiamina, a vitamina B1. Mesmo assim, o problema não foi controlado. Até o momento, há registros da doença em quatro regiões de saúde do Maranhão. Também há casos no Pará e em Tocantins.
“A população atingida é extremamente carente. Os homens cumprem jornadas de trabalho exaustivas na lavoura e todos apresentam uma dieta extremamente pobre”, relata Márcia Veras, da Secretaria da Saúde e integrante do grupo formado para combater o surto.
FUNGO
Quando os primeiros casos foram registrados, imaginava-se que o problema estava associado ao consumo excessivo de bebidas ou ao manejo de agrotóxicos. Em julho do ano passado, a convite da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – que também atua na investigação do surto -, técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) colheram amostras do arroz armazenado em pequenas propriedades e identificaram a contaminação por um fungo, o Penicillium citreonigrum.
Em agosto, nota do Ministério da Saúde informava a suspeita de que uma micotoxina – formada pelo metabolismo do fungo – teria contaminado o arroz. No início do século passado, casos de beribéri provocados pela contaminação do arroz já haviam sido descritos no Japão.
Somente em dezembro, porém, com o laudo comprovando a presença da micotoxina, é que ações para colher o arroz com suspeita de contaminação começaram a ser planejadas. “Era preciso comprovação. O arroz é usado pela população local para subsistência e também poupança”, afirma Márcia.
Esta é a primeira vez que a contaminação de alimentos por essa micotoxina, chamada de citreoviridina, é descrita no País. O resultado foi obtido em um trabalho desenvolvido por Carlos Alberto Rosa, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O pesquisador de processos agroindustriais da Embrapa Eduardo da Costa Eifert afirma que a contaminação está intimamente ligada à forma de armazenamento dos grãos. “Ele precisa ser seco de forma adequada e mantido em local livre de umidade”, esclarece. Algo que não é fácil de encontrar nas pequenas propriedades do Maranhão. Em muitos locais, o arroz é seco de forma insuficiente e, mais tarde, guardado em sacos dentro das casas, próximos de paredes com infiltrações, sob tetos com goteiras.
“O Maranhão é um Estado quente, úmido. Se não houver condições adequadas de armazenamento, há ambiente propício para proliferação dos fungos – e micotoxinas produzidas por eles”, diz Eifert.
O que ainda não tem explicação é o fato de casos de beribéri serem registrados há apenas dois anos. “Dizem que essa micotoxina é resultado de más condições de armazenamento e secagem. Mas os métodos usados por essa população são os mesmos há muitos anos”, admite Arnaldo Muniz Garcia, que coordena o grupo de trabalho do Estado de combate à doença. “Talvez o que tenha mudado é o diagnóstico. E outros casos tenham ocorrido no passado, sem sabermos.” Para pesquisadores, o fato de 2004 ter sido um ano com volume de chuvas mais alto do que o tradicional também pode ter contribuído para o surto.
DIETA POBRE
A micotoxina presente no arroz contaminado, quando ingerida, acaba impedindo a absorção da vitamina B1 pelas células do organismo, principalmente músculos e nervos. “No caso dos pacientes do Maranhão, há um misto de fatores”, afirma Iracilda Viana, que acompanha pacientes que se recuperam da doença. Ela observa que a maior parte das pessoas que tiveram beribéri apresentava uma dieta extremamente pobre, composta por arroz, farinha e feijão. “Verduras e proteína animal são exceção do cardápio.”
Iracilda avalia que tal dieta é fruto, sobretudo, da pobreza. Mas há também um traço cultural, pondera. “Nas nossas intervenções, aconselhamos a população a plantar verduras nos quintais. Não há dúvida de que isso pode enriquecer muito o cardápio diário.”