Hotspots da fome
Estudo publicado na Science destaca que regiões mais pobres do mundo correm sério risco de enfrentar situações ainda piores nas próximas décadas por conta dos efeitos das mudanças climáticas na agricultura. Matéria da Agência FAPESP.
Cada vez mais pobres e mais famintos. Muitas das regiões de maior miséria do planeta correm sério risco de enfrentar situações ainda piores nas próximas duas décadas, devido a prejuízos severos na agricultura causados pelas mudanças climáticas. A afirmação é de um estudo publicado na edição de 1º de fevereiro da revista Science.
A pesquisa, feita por cientistas da Universidade de Stanford, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore e do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, todos dos Estados Unidos, destaca que o cenário será mais grave no sul da Ásia e da África.
“A maior parte do 1 bilhão de pobres no mundo depende da agricultura para sobrevivência. Mas, infelizmente, a agricultura é a atividade humana mais vulnerável a mudanças no clima”, disse David Lobell, do Instituto Woods para o Meio Ambiente de Stanford e principal autor do artigo.
Segundo Lobell, o desafio será conhecer onde o que ele chama de “ameaças climáticas” serão mais sentidas, em quais lavouras e em que períodos. “Isso será fundamental para os esforços de combate à fome e à pobreza nas próximas décadas”, disse. Os pesquisadores esperam que o estudo possa ajudar no planejamento futuro nessas regiões em relação a onde e o que plantar.
Na análise, os autores enfocaram 12 regiões em que atualmente reside a maioria das populações mais carentes, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês). Entre elas a África subsaariana, o Caribe, as Américas Central e do Sul e boa parte da Ásia.
Dois fatores que afetam grandemente a agricultura são temperatura e quantidade de chuvas. Para determinar o impacto do aquecimento global na agricultura nas regiões analisadas, os pesquisadores combinaram dados de 20 modelos de mudanças climáticas produzidos anteriormente.
A conclusão foi que, por volta de 2030, a temperatura média na maioria das áreas poderá se elevar em cerca de 1ºC, enquanto a precipitação em algumas delas – incluindo as partes meridionais da Ásia e da África, mais América Central e Brasil – poderá diminuir.
“Para identificar quais plantações de quais regiões estarão mais ameaçadas em 2030, combinamos projeções de alterações climáticas com dados a respeito dos principais alimentos dessas populações, bem como relações anteriores entre colheitas e variabilidade climática”, explicou Lobell.
As análises revelaram dois “hotspots” da fome, onde o impacto climático na agricultura tende a ser mais sentido: no sul da África e da Ásia. “Ficamos surpresos pelo quanto e quão cedo essas regiões poderão sofrer se não se adaptarem”, disse Marshall Burke, outro autor do estudo.
“Por exemplo, nosso estudo indica que a África meridional poderá perder mais de 30% de seu principal produto agrícola, o milho, nas próximas duas décadas, o que teria implicações devastadoras para a região”, destacou.
No sul da Ásia as perdas potenciais também são altamente significativas, com prejuízo projetado de mais de 10% em muitas lavouras, como arroz, milho e milheto (erva da família das gramíneas encontrada na região). “Para uma agricultura praticamente de subsistência tais perdas serão devastadoras”, disse Burke.
O estudo também identificou o contrário, ou seja, regiões que poderão se beneficiar das mudanças climáticas, como áreas temperadas de plantio de trigo na China.
O artigo Prioritizing climate change adaptation needs for food security in 2030, de David Lobell e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.