Lula diz que houve alarde no anúncio do desmatamento
Presidente admitiu explicitamente que os números do desmatamento estão ‘sob investigação’
BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não acredita que o país esteja passando por um novo surto de desmatamento e acha mesmo que houve “alarde” na divulgação dos números do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais), na semana passada. Sem citar a ministra Marina Silva, Lula criticou o Ministério do Meio Ambiente e as organizações não-governamentais, e disse que não se pode culpar a agropecuária, os produtores de soja e os sem-terra assentados pelo aumento do desmatamento na Amazônia. “Não dá para culpar ninguém”, afirmou. Por Rui Nogueira, de O Estado de S. Paulo, publicado pelo Estadao.com.br, quarta-feira, 30 de janeiro de 2008, 17:50 (leiam, também, nota do EcoDebate)
Ao criticar o Ministério do Meio Ambiente, que divulgou na quarta-feira da semana passada os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o presidente admitiu explicitamente que os números do desmatamento estão “sob investigação” e anunciou que pediu à ministra Marina Silva para convidar os governadores para uma reunião em Brasília, mas que ainda não tem data definida.
Lula comparou a divulgação dos dados do Inpe a um procedimento médico que, “sem fazer a biópsia, encara um sinal na pele como se fosse câncer”. Para o presidente, o fato de que houve um aumento do desmatamento no último trimestre do ano passado, comparado ao último trimestre de 2006, não quer dizer que na conta do ano inteiro o desmatamento de 2007 cresça em relação ao ano anterior. “A questão é que a Amazônia não permite descuido”, disse. Ao fazer a analogia médica, ele disse: ” Você vai no médico, você está com um tumorzinho e, ao invés de fazer biópsia e saber como vai se tratar, você já sai dizendo que tem câncer!”
A ministra Marina anunciou na semana passada que o Inpe havia detectado uma expansão nos últimos cinco meses do ano passado. Pelos cálculos dela, o desmatamento pode ter atingido cerca de 7 mil quilômetros quadrados no período. Essa área foi projetada a partir dos dados do Inpe, recolhidos pelo Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), que registrou 3.233 quilômetros quadrados de mata derrubada entre agosto e dezembro, sendo 1.922 quilômetros só nos meses de novembro e dezembro.
Em entrevista concedida ao final do almoço solene oferecido no Itamaraty ao presidente do Timor-Leste, o prêmio Nobel Ramos Horta, o presidente Lula rejeitou a associação direta entre ampliação da fronteira agrícola e desmatamento. “É preciso investigar. Mas todos que promoveram queimadas ilegais devem receber um duro processo, perder inclusive a propriedade”. Ele disse que “vai comprar briga” com as ONGs se elas insistirem em ligar o crescimento da agricultura ao desmatamento. Para ele, os dados do IBGE mostram que a soja cresce “sem precisar derrubar árvores”.
Nota do EcoDebate
As falhas nas avaliações dos sistemas de monitoramento de queimadas foram relativas ao período em que ocorreram, mas estão corretas na identificação dos desmatamentos. Ou seja, esta é uma polêmica batalha de Itararé que apenas atende aos interesses dos desmatadores.
O desmatamento é real, como demonstra reportagem da Folha de S.Paulo desta quarta-feira, o que explica que nos 36 municípios que mais desmataram na Amazônia e que vão concentrar as ações de combate ao desmatamento do governo, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) aplicou R$ 601 milhões em multas no ano passado, correspondendo a 41% das multas aplicadas por desmatamento ilegal em 2007. Essas operações apreenderam 202 motosserras, 665 caminhões e 54 tratores.
Quanto aos comentários do presidente Luiz Inácio da Silva, destacamos que estão coerentes com seu histórico de reclamar dos ambientalistas, dos índios, dos quilombolas, dos ribeirinhos, do ministério público, do poder judiciário, dos movimentos sociais e de todos os que não concordam com esta opção pseudo-desenvolvimentista. E reclama com razão, porque estes segmentos da sociedade não aceitam este modelo de desenvolvimento a qualquer custo.
O presidente apenas reitera seu incondicional apoio ao agronegócio e sua crônica incapacidade de conviver com a crítica e a diversidade de opiniões e projetos de país.
Sugerimos uma leitura do texto “O desenvolvimentismo insustentável do Governo Lula: desmatamento e mudanças climáticas (enxugando gelo em tempos de aquecimento global)“, artigo de João Alfredo Telles Melo, publicado em 30/1/2008.
Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate