Pará: Quase 100% do desmatamento é ilegal
Menos de 1% dos desmatamentos, feitos no Pará, em 2007, são legais. Mais de 99% das investidas contra as florestas não respeitam limite de derrubada de apenas 20% e de 80% de proteção da vegetação nativa, exigido por lei. A informação é do titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semma), Valmir Ortega, que concedeu entrevista coletiva ontem, por ocasião da divulgação do Pará como o segundo Estado com maior índice de desmatamento no Brasil. Como ação emergencial, o governo federal anunciou a aceleração das medidas de proteção em 36 municípios do País, 12 deles paraenses, 19 no Mato Grosso, quatro em Rondônia e um no Amazonas. Matéria do O Liberal, PA, 26/01/2008.
No Pará, as ações para coibir o avanço irracional à floresta serão intensificadas em Altamira, Brasil Novo, Dom Eliseu, Novo Progresso, Novo Repartimento, Paragominas, Rondon do Pará, Santa Maria das Barreiras, Santana do Araguaia, Ulianópolis, São Félix do Xingu e Cumaru do Norte. Os dois últimos com os maiores índices de desmatamento do Estado, atestado pela pesquisa do Institituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
O secretário afirma que as ações de monitoramento e fiscalização intensiva nessas áreas devem complementar o trabalho desenvolvido pela Semma. O esforço é para aumentar a capacidade de cobertura em um território de mais de 1,2 mil quilômetros quadrados. Um dos passos importantes é a elaboração do Plano Estadual de Prevenção ao Desmatamento Ilegal, o qual deve se agregar ao que está sendo feito pelo governo federal. Entre os dias 12 e 15 de fevereiro, será realizado em Belém o Seminário Nacional de Combate ao Desmatamento Ilegal, o qual reunirá representantes de todo o Brasil de órgãos estaduais e federais.
Ortega diz que uma das dificuldades mais prementes do Estado é a centralização da estrutura da Secretaria em Belém. Os municípios do interior estão cobertos pelo monitoramento a distância como, por exemplo, o feito através do Sistema de Controle de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais (Sisflora), o qual permite autuar e notificar ilícitos ambientais a distância. Mas a presença física da Secretaria reduziria mais a atuação de madeireiros, pecuaristas, grileiros, posseiros e toda sorte de atores sociais que contribuem com o desmatamento.
Em um ano, estima o secretário de Meio Ambiente, a Semma deve implantar unidades regionais em Marabá e Santarém. Em médio prazo, mais braços da Secretaria devem chegar em dois municípios ainda não definidos. Valmir Ortega acrescentou que, dos atuais 430 servidores, entre efetivos e temporários, cerca de 150 estão empenhados diretamente em ações de fiscalização para proteger a floresta. Mais de 40 novos funcionários concursados foram chamados recentemente para integrar o quadro e há um concurso público previsto para este ano, o qual deve abrir vagas para 250 cargos.
Ortega afirma que neste primeiro ano de governo a Semma duplicou o quadro de servidores com nível superior, o que melhora a qualidade do combate aos crimes ambientais. Ele contabiliza ainda as operações “Paz no Campo” e “Paz nos rios” como duas ações positivas que ajudaram a reduzir o desmatamento no Pará.
Pecuaristas e guseiras negam qualquer culpa
A despeito de o Ministério do Meio Ambiente ter apontado a expansão do cultivo da soja, o avanço do gado e a atividade siderúrgica de ferro-gusa como os principais vilões do ranking do desmatamento na Amazônia – como era de se esperar – a Federação das Indústrias negou ontem qualquer contribuição para o aumento desses índices.
Para a Federação de Agricultura do Pará (Faepa) os produtores de soja e de gado não podem ser responsabilizados pelo crescimento do desmatamento na Amazônia. “Para começar, ninguém derruba floresta para plantar soja, seria inviável, o custo é muito alto. Só se cultiva soja em áreas já antropizadas. E o avanço desta produção no ano passado foi pequeno por causa das moratórias, que vêm sendo respeitadas”, argumentou o presidente da Faepa, Carlos Xavier.
Ele disse ainda que a própria produção de gado deve ser relativizada quando o assunto é encontrar culpados para o desmatamento. “A produção de gado tem sido feita nas áreas já desmatadas, não houve grandes avanços para outras áreas”, afirmou Xavier, ressaltando que a categoria não compactua com o desmatamento ilegal e está empenhada, junto aos órgãos estaduais, na busca de alternativas mais sustentáveis para o meio ambiente.
O Sindicato das Indústrias de Ferro-Gusa do Estado do Pará (Sindiferpa) – representante das dez siderúrgicas instaladas em Marabá – também contesta as observações do Ministério do Meio Ambiente. “Não tivemos acesso ao estudo, apenas ao que foi divulgado na imprensa, mas o que podemos dizer é que o Pólo Siderúrgico do Pará continua consumindo carvão da mesma forma. E em algumas delas, muito pelo contrário, houve uma redução dessa produção por causa da normativa da Semma que obriga as siderurgias a comprovarem antecipadamente a origem do carvão”, argumentou o diretor executivo da Sindiferpa, Mauro Corrêa.
Soja e pecuária seriam os vilões
O diretor do Programa Amazônia da organização não-governamental Conservação Internacional, Adrian Garda, afirma que o aumento do desmatamento nos meses de novembro e dezembro, atestados nos estudos do instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) feitos na Amazônia, apontam para o avanço do soja e pecuária no Pará. Segundo ele, a desculpa dos representantes do setor agropecuário de que as atividades econômicas estão restritas a áreas já degradadas não convence. “Nestes dois meses, mais de 95% da devastação ocorreu dentro de áreas privadas, principalmente para expandir os pastos”, observa.
Adrian explica que o avanço da soja e do gado tem a ver com o aumento do valor de mercado desses dois ativos. Nos Estados Unidos, o uso do milho para produção de etanol pressionou a compra de grãos do mercado brasileiro. Na China, também aumentou o consumo desses produtos. Aliado a isso, o Brasil saltou de terceiro maior exportador de carne do mundo para a primeira colocação. “São Félix do Xingu, onde o INPE apontou a maior taxa de desmatamento, não por coincidência tem o maior rebanho do Estado”, diz.
O integrante da Conservação Internacional diz que uma das soluções para reduzir o desmatamento é investir na valorização econômica da floresta em pé. “Enquanto a floresta derubada for mais lucrativa, os índices continuarão subindo”, pontua. Adrian Garda afirma que há organismos e instituições financeiras e governos estrangeiros que estão incentivando a criação de sistemas de crédito de carbono, os quais podem ser vendidos no mercado de ações e gerar mais lucro do que uma árvore no chão. Outra estratégia do gênero é conseguir rentabilidade com serviços ambientais, experiência que já vem dando certo, por exemplo, no Rio de Janeiro. “A Amazônia presta um grande serviço ambiental ao Sul do País regulando as chuvas desta região. É preciso criar formas de capitalizar esse serviço”, comenta.