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Artigo

As mentiras do biodiesel, artigo de Ana Echevenguá

[EcoDebate] Já está em vigor, no Brasil, a obrigatoriedade da adição de biodiesel no diesel, mistura que foi batizada falaciosamente de ‘biodiesel’. Na Bahia, anunciaram que os trios elétricos vão rodar com biodiesel, reduzindo drasticamente a poluição durante o carnaval. Acho que vão chamar este de Carnaval Verde! O engenheiro Hernani de Sá, ao nos repassar essa notícia, disse que, “se o acréscimo de 2% de biodiesel ao diesel permite dizer que o veículo é movido a biodiesel, por analogia, pode-se dizer que os carros a álcool são movidos à água porque ao etanol é adicionado cerca de 4% de água”.

Bom, pra começar, esse tal de biodiesel é mais preto do que verde: é composto de 98% de óleo diesel + 2% de uma ‘sopa’ que contém óleos vegetais e outros componentes derivados de fósseis.

Os 2% requerem, para 2008, a produção de 840 milhões de litros do bioproduto (o Brasil consome 400 bilhões de litros de diesel por ano). Os números indicam que o biodiesel está sendo imposto ao consumidor para dar sobrevida ao petróleo.

Mas a farsa do biodiesel está com problemas! O atual preço da matéria-prima para a sua produção já permite um diagnóstico negativo: a inviabilidade da fabricação do biodiesel no Brasil nos moldes em que foi programado.

A soberania da soja

De que bio-matéria-prima estamos falando? Do óleo de soja, ora! Este é o biocombustível eleito pelo governo brasileiro por força do monopólio das petrolíferas e da corporação da soja, que está nas mãos de trades internacionais.

Ou o Brasil investiu em outra matéria-prima nesse meio tempo? Claro que não. Em 2007, mais de 80% do biodiesel produzido aqui foi à base de soja (o restante utilizou 15% de gordura animal e 5% de outras oleaginosas).

E parece que nada vai mudar em 2008. Por quê? Por que a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo, ao criarem barreiras legais aos produtores nacionais, em especial ao agricultor familiar, apostaram todas as fichas no óleo de soja. Tudo isso com a conivência dos nossos governantes.

Um pouco de estória

O Brasil, com a estória de reduzir a importação de petróleo, passou a investir no biodiesel. Na verdade, fez isso por imposição das regras dominantes das transnacionais da indústria petrolífera e da soja. Em 2005, editou a Lei 11.097/2005 que previu a mistura do biodiesel ao diesel fóssil.

O discurso era maravilhoso: alegavam que esta era a alternativa ideal para os projetos de agricultura familiar; que se tratava da produção de um combustível verde, ambientalmente sustentável, atrelada à inclusão social. A mamona foi eleita o carro-chefe na fase inicial do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel.

Recentemente, o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, em entrevista ao Valor Econômico, alegou que “houve um injusto preconceito contra a agricultura familiar e descrença quanto à eficiência dos produtores rurais em garantir matéria-prima para a produção do biodiesel”.

Preconceito, seu Ministro??? O Programa foi idealizado para seduzir empresários que hoje afirmam terem caído numa armadilha. Nivaldo Trama, presidente da ABIODIESEL – Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel disse que a “abundância de crédito e a relativa simplicidade da tecnologia empregada na obtenção do óleo para a fabricação do combustível levaram muitas empresas a entrar em um ramo ainda desconhecido no início do programa”. E que “Apostou-se na mamona como matéria-prima, mas as empresas mais fortes são as que trabalham com o complexo da soja”.

Manipulação dos valores da soja

Em 2005, o preço da soja permitia produzir 1 litro de biodiesel a R$1,80. Mas os Senhores da Soja quiseram ganhar mais com o negócio da agroenergia. Afinal, os lucros financeiros advindos da energia da biomassa são óbvios! O que fizeram? Elevaram os valores: hoje, a soja é negociada na bolsa de Chicago com o maior valor em 34 anos.

Em decorrência, o que aconteceu? A manipulação de valores elevou o atual custo de produção, provocando queda na margem de lucro das indústrias de biodiesel. O produto (biodiesel-papel já que a entrega não era feita na hora), que foi vendido, nos leilões de 2007, por R$1,807/litro, custa hoje R$2,59/litro (no Paraná) e R$2,42/litro (no sul de Mato Grosso). Isso, com certeza, vai comprometer a entrega futura do produto. Segundo Adriano Pires, diretor do CBIE – Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, “é mais barato para os produtores não produzir biodiesel”.

E agora, José?

Atualmente, o Brasil tem 18 usinas com capacidade instalada para 2 bilhões de litros. Na primeira semana de janeiro, elas deixaram de entregar mais de 20% do biodiesel contratado. E a ANP admitiu à Gazeta Mercantil que as usinas podem recorrer à Justiça para não cumprirem os contratos, alegando que os preços dos leilões estão abaixo do custo de produção.

Conclusão

Após a leitura da afirmativa do engenheiro agrônomo e pesquisador da EMBRAPA Amélio Dall’Agnol: “Mesmo que seja racional acreditar na redução da dependência da soja como principal matéria-prima do biodiesel brasileiro, a soja continuará sendo o carro chefe do biodiesel por muitos anos ainda, se é que algum dia ela será superada por outra planta produtora de óleo vegetal” – eu cheguei à seguinte conclusão: o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel só vai sobreviver à custa de benevolentes subsídios governamentais que, com certeza, não irão parar nas mãos do pessoal da agricultura familiar.

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, email: ana@ecoeacao.com.br