Pesquisador comenta matéria Com estímulo oficial, floresta vira capim
“O sustentável passa a ter uma conotação de interesses, de tão irreal que é. Ou seja, burla-se em nome de ocupação racional; alguns ganham. O provável é que, depois de uns 50 anos, as capoeiras decorrentes virem pastagem” . Leia o texto de Carlos R. Spehar, professor e pesquisador da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UnB:
“Quanto se refere à exploração da Amazônia o que se pode dizer de sustentável? Antes de descer a detalhes, vale a pena conceituar o que, aparentemente, é algo ainda bastante etéreo para muitos. Poder-se-ia dizer que produção sustentável é a que maximiza a relação retorno/insumo, com o menor impacto ambiental possível?
De um modo geral, a assertiva parece correta. Análise mais profunda indica ser muito mais do que essa relação sugere, com variáveis que extrapolam o sintetizado em uma simples fórmula.
Descendo a detalhes, o que significa exploração sustentável? Comecemos pela própria floresta, alvo de cobiça. Alguns propõem que sejam mantidas áreas imensas, manejadas em longo prazo, retirando-se apenas alguns espécimes.
Chegam até propor um número que não se sabe, ao certo, de onde foi tirado. E que, depois de um certo período, sem ser tocada de novo, a floresta se recompõe. Exemplo: algumas espécies valiosas pela sua madeira e ameaçadas de extinção, poderiam ser exploradas por esse método.
A proposta tem aval de alguns ambientalistas. Segundo eles, depois de um tempo estimado, a floresta se refaz do trauma e o ciclo reinicia, ad eternum.
Na realidade o conceito de sustentável por trás dessa proposta é ainda mais simplista do que o sintetizado na fórmula apresentada. Ainda que elegante, é sorrateiro nos propósitos.
O argumento, que ao menos avisado parece lógico, dissimula interesses. Na prática, há pouca explicação que sustente o ato. Primeira objeção: como se pode retirar da floresta apenas algumas árvores sem prejudicar o restante. Ou deixar de romper o equilíbrio atingido por milhões de anos de evolução? Talvez um potente helicóptero fizesse o trabalho, ajudando reduzir os danos!
A segunda, mesmo que apenas madeira seja retirada, alguns nutrientes minerais se vão com ela. No longo prazo, o balanço nutricional fica comprometido. Ou seja, ainda que fosse factível, não se sustenta.
A terceira, essa sim configura a intenção de quem propõe. Por esse método, a exportação de produtos da floresta, que hoje é ilegal, pode viabilizar-se.
Assim, o consumidor mundial de madeiras e madeireiras não se sentem culpados. Juntos, vão defender que não se devasta a Amazônia e o processo condenável torna-se ecológico.
O sustentável passa a ter uma conotação de interesses, de tão irreal que é. Ou seja, burla-se em nome de ocupação racional; alguns ganham. O provável é que, depois de uns 50 anos, as capoeiras decorrentes virem pastagem.
Esse é o espectro que persegue exploração de florestas no Brasil. Se, depois de muitos anos, no futuro, ficar evidente que era um malogro, a situação não se reverte. Aí completa-se o quadro, aproveitando-se o solo desses ambientes para a produção agropecuária, com o mesmo propósito sustentável.
Ora, mesmo nos ambientes onde a agropecuária se desenvolveu, seja no Cerrado ou nas áreas desmatadas, os sistemas ainda precisam evoluir. Se os abusos ambientais, praticados até então, tornam-se visíveis a todos, como se pode supor que será diferente?
Essa manipulação implica que, por sermos um país com baixos níveis de educação e formação técnica, sejamos todos tolos. Os interesses por trás são apoiados por falsos ambientalistas, alguns de renome. No quadro atual, vale o poder de barganha mais do que a lógica da exploração.
Daí, a importância de educar, formando massa crítica de pensantes, capazes de detectar problemas, denunciar abusos, além de buscar soluções racionais e isentas. O processo deve envolver a todos, principalmente, os usuários da terra. Isso antes que riquezas, passivos ambientais, se tornem ativos em contas bancárias, não importando as conseqüências.
Por esse processo burlesco, transfere-se riqueza da floresta com o sacrifício dela mesma. O que vem depois, são pastagens que se degradam em alguns anos, tomadas por insetos que antes viviam em equilíbrio, como os cupins. Ou seja, ganha-se com madeira e depois com carne, degradando os meios.
Aí, passa-se a uma segunda fase onde entra o esforço de recuperação para uso agropecuário. Isso demanda formação de equipes para contornar problemas criados por interesses privados. O custo adicional, para introduzir exploração diversificada e corrigir os equívocos, é algo que merece estudo.
Portanto, deve-se analisar os planos de desenvolvimento da Amazônia. O sustentável, na maioria deles, é apenas fachada.
A triste realidade é que, movidos por especulação, todos têm um propósito relativo à exploração privada de um bem comum, seja da floresta ou do solo. Resolver o problema de caixa individual. O resto é maquiagem absurda, como essa que apresentamos.
A solução atual que opta por restringir o uso, sem uma consciência ambiental, cria artifícios como o que apresentamos. Ou seja, o velho “dificultar para facilitar, auferindo vantagens”.
Sem uma abordagem séria, com a conscientização popular, que influencie a tomada de decisão política, o que se fizer não será sustentável. O resto é história escrita por antecipação, um fim anunciado, sem compensações.”
Comentário publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3431, de 16 de Janeiro de 2008.
Nota do EcoDebate – a matéria “Com estímulo oficial, floresta vira capim” está disponível in http://blog.ecodebate.com.br/2008/01/14/com-estimulo-oficial-floresta-vira-capim/