Onda de incentivos ao uso de aquecedor solar anima empresas
Desde a época do apagão, em 2001, o ambiente na Tuma Industrial não era tão favorável. Naquele período, Frederico Dantas, diretor-comercial da empresa, investiu e contratou funcionários, pois o país precisava poupar energia e em suas mãos estava uma das soluções, os aquecedores solares, sistema que substitui o chuveiro elétrico. No entanto, depois do boom de pedidos, o mercado recuou, voltando à normalidade e deixando muitos fabricantes de aquecedores com cerca de 50% de ociosidade na produção, segundo cálculo da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava). Por Samantha Maia e Guilherme Manechini , do Valor Econômico, 09/01/2008
Sete anos se passaram e a euforia retornou. Dantas e outros fabricantes de aquecedores vêem em 2008 um ano de retomada da produção. A movimentação de pelo menos 45 cidades, entre elas capitais, na formulação de leis de incentivo ao uso do aquecedor solar tem dado segurança para o mercado voltar a investir. “Estamos próximos do limite de capacidade, mas se a demanda superar a expectativa dobramos o turno da fábrica imediatamente”, informa Dantas.
No começo deste ano, umas das principais leis de obrigatoriedade de uso de aquecedores em novos imóveis entrará em vigor, a da cidade de São Paulo. A favor dessa onda de incentivos está a preocupação com a segurança energética do país. O governo federal calcula que o chuveiro elétrico seja responsável por 47% da demanda de energia residencial no horário de pico, segundo levantamento do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel).
Em âmbito nacional, existe um grupo de discussão formado pelos ministérios de Minas e Energia (MME), Cidades, Meio Ambiente, e pela Caixa Econômica Federal que, desde 2005, discute formas de incentivar energias renováveis, entre elas o aquecimento solar. “Chuveiro elétrico é a pior de todas as opções. É simples para o construtor, sua instalação é barata, mas tem um impacto muito grande sobre o setor elétrico e sobre os gastos do consumidor”, diz Paulo de Tarso, coordenador-geral de eficiência energética do MME. Com potência 20 vezes maior que a de uma geladeira, o chuveiro elétrico é o item que mais pesa no consumo doméstico, podendo representar até 60% da conta de luz de uma família. “Isso dá uma dimensão de quanto a busca por alternativas pode impactar no sistema energético do país”, acrescenta Tarso.
A atenção dada pelo governo, aliada às articulações dos municípios, faz com que a Abrava estime que o país passará a contar com cerca de 25 mil novos sistemas de aquecimento solar em 2008, o que representa mais de 100 mil m2 de coletores (placas instaladas no alto das residências para captar a energia solar) . Em megawatt equivalente, porém, o crescimento não é tão expressivo, uma economia de 0,02 MW de energia elétrica nos horários de pico. “A expectativa para o ano que vem é bastante otimista em função dessas leis”, afirma Edson Pereira, presidente da Transsen Aquecedor Solar, ao estimar crescimento de 30% na produção, hoje em 10 mil m2 por mês.
Outra fabricante, a e2solar, pretende aumentar a produção em 50% em 2008. “Com ou sem legislação, creio que chegaremos a produzir 4,5 mil m2 de coletores por mês”, imagina José Reinaldo Michel, diretor da empresa. Até a fabricante de chuveiros Bosch admite interesse em trazer sua produção de aquecedores solares, hoje existente só no exterior, para o Brasil, caso o aumento de demanda se confirme. Hoje, existem no país cerca de 140 empresas fabricantes e uma cadeia de distribuição formada por 2,5 mil revendedores. O setor emprega 19 mil pessoas e projeta que poderá contratar mais 5 mil em 2008, notícia que já gera procura por qualificação
Na opinião de Carlos Felipe Faria, diretor da Abrava, o setor possui capacidade ociosa de 500 mil m2 de coletores por ano, ainda resquício da época do apagão energético. “Temos condições de dobrar a produção sem maiores investimentos”, diz. O aquecedor solar hoje é considerado um item de luxo, principalmente por seu custo, em torno de R$ 4 mil reais, inclusos os gastos com instalação. Os fabricantes dizem. porém, que o investimento pode ser pago em até cinco anos, com a economia na conta de luz.
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) pretende conseguir um preço menor na compra de 15 mil aquecedores para os conjuntos habitacionais que serão construídos em cerca de 400 cidades nesse ano. O valor, em torno de R$ 1.800 por aquecedor, será perseguido por meio de pregão, em que ganha o menor preço. O edital está sendo finalizado, e deve ser lançado ainda este mês.
“Além de um programa de eficiência energética, também é de recuperação de renda”, diz Raphael Pileggi, secretário executivo do Programa Qualihab, da CDHU. A intenção é que a economia nos gastos com eletricidade facilite o pagamento do financiamento das casas. O projeto-piloto implementado há três anos no município de Cafelândia (SP), em 50 residências, demonstrou que a conta de luz pode ser reduzida em R$ 70 a R$ 80. “É um item pesado no orçamento das famílias e essa economia ajuda o morador a pagar em dias as prestações”, diz Pileggi.
Um ponto contra a energia solar é o risco de aumento do consumo de água. Na experiência da CDHU, a companhia precisou fazer uma campanha de conscientização contra o desperdício. Pileggi diz que as contas de água subiram cerca de 8% devido à facilidade do uso da água quente sem o custo da energia elétrica. “A população foi alertada para o problema e hoje a situação já foi normalizada”, diz.
Uma das alternativas, além da conscientização, seria limitar a vazão dos chuveiros por meio de regulamentação, já que é o morador que faz a opção pelo chuveiro mais potente. E isso, segundo o vice-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil de São Paulo (SindusconSP), Francisco Vasconcellos, não é exclusivo do aquecimento solar. “Nos prédios de alto padrão, mesmo com chuveiro elétrico, existe uma série de equipamentos com vazão muito maior do que o colocado nos projetos, o que impacta no cálculo hidráulico do edifício.”
A legislação paulistana está servindo de modelo para outras cidades. Antes dela, a maioria das leis já aprovadas era de incentivo, como em Porto Alegre, que no fim do ano passado aprovou uma lei cuja regulamentação, em andamento, deve estabelecer uma campanha de divulgação da energia solar, capacitação de profissionais, além de colocar o aquecimento solar como a principal compensação ambiental para grandes obras.
Em Belo Horizonte, cidade que mais tem residências com aquecedor solar no país – cerca de 2 mil -, apenas em 2007 foi cancelada a cobrança de um adicional no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) desses imóveis. Resultado de uma expansão antiga, dada na década de 70, o aquecedor solar era tido com item de luxo. Salvador (BA) possui uma comissão formada por representantes de governo, de empresas e da sociedade civil, que tem desenvolvido ações de apoio à energia solar. Entre elas, uma lei que poderá liberar um andar a mais nos edifícios – o limite é de oito andares – para as construtoras que instalarem sistemas de captação da energia. Em São Paulo, o incentivo concedido foi de não contar a área ocupada pelo aquecedor solar como área construída.
“A tendência agora é seguirem o exemplo de São Paulo. Tem cidades que devem utilizar o mesmo texto da lei paulistana, como Maceió, mas é preciso não perder de vista as particularidade de cada local”, diz Délcio Rodrigues, coordenador do programa Cidades Solares, que visita municípios para explicar as vantagens do uso da energia solar. Hoje, oito cidades têm lei de incentivo. Entre as que trabalham nesse sentido estão capitais como Recife, Rio, Campo Grande, Curitiba, Florianópolis e Vitória. Dois Estados assinaram leis que obrigam o uso de aquecimento solar em prédios públicos: Rio e São Paulo. Santa Catarina e Paraná fazem projetos semelhantes.