2008: Um ano decisivo para o meio ambiente
Dois eventos no primeiro trimestre já nos mostrarão a verdadeira disposição dos líderes mundiais em tornar viável e factível um acordo climático que possa dar seqüência ao Protocolo de Quioto, que expira em 2012. Matéria de Maurício Thuswohl, da Agência Carta Maior, 07/01/2008
Uma miríade de artigos publicados na grande imprensa ou em revistas acadêmicas no fim de 2007 repetiu que o ano que se encerrou “foi fundamental para o crescimento da consciência ambiental da humanidade”. De acordo com muitas e, em muitos casos, respeitáveis opiniões, as perspectivas catastróficas reveladas nos relatórios divulgados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) despertaram a opinião pública mundial e estabeleceram uma espécie de “marco zero” no enfrentamento ao aquecimento global provocado pelo homem.
O discurso coletivo é bonito e, eventualmente, pode até emprestar conteúdo a alguns projetos políticos e/ou empresariais que, na verdade, desprezam as causas ambientais. Mas, para que “a nova consciência ambiental da sociedade” não caia no vazio das marquetagens ou no ridículo dos oba-obas de ocasião, é preciso levar muito a sério 2008, este sim um ano determinante na definição dos caminhos que seguirá o combate ao aquecimento global e seus efeitos em curso.
Dois eventos no primeiro trimestre já nos mostrarão a verdadeira disposição dos líderes mundiais em tornar viável e factível um acordo climático que possa dar seqüência ao Protocolo de Quioto, que expira em 2012. Agora em janeiro, o governo dos Estados Unidos receberá em reunião de cúpula marcada para Honolulu, no Havaí, governantes dos 25 países considerados os maiores emissores de gases que provocam o aquecimento da atmosfera para “discutir ações comuns”.
Em março, num local ainda a ser definido, acontecerá a primeira reunião do Grupo de Trabalho que foi formado no mês passado, durante a Conferência sobre Mudanças Climáticas realizada em Bali, na Indonésia, para elaborar uma agenda que permita a apresentação, até 2009, de uma proposta comum de combate ao aquecimento. O ano que vem é o prazo derradeiro, segundo a ONU, para que possam ser mobilizados os governos nacionais e tomadas as medidas globais a tempo de que tudo esteja pronto para ser aplicado a partir de 2012.
Ninguém sabe exatamente quais são as verdadeiras intenções de George W. Bush ao convocar a reunião no Havaí. Com o coração pulsando dentro dos gabinetes da Exxon e da Halliburton, seu governo, mais preocupado em lucrar com as guerras preventivas e reconstruções infinitas, sempre desprezou o combate ao aquecimento global e, como se sabe, retirou-se do Protocolo de Quioto. Vivendo agora seu ocaso, parece que Bush se empenha em fazer um jogo de cena para ganhar tempo. Não se espera do encontro havaiano nada muito diferente de um encontro semelhante, realizado em Washington há três meses, que se resumiu a um imenso blá-blá-blá.
O “faz-de-conta” de Bush
Muitos saúdam a adesão de última hora dos EUA ao documento final de Bali, que estabelece o compromisso de se chegar a uma agenda comum. Isso, de fato, é melhor que nada, mas não podemos esquecer que a contrapartida para a inclusão do Tio Sam foi a retirada no texto principal de toda e qualquer menção a metas obrigatórias e quantificáveis de redução das emissões.
Depois de se ver jogado contra a parede por sua atuação perniciosa em Bali, onde tentou de todas as formas inviabilizar as negociações e exasperou os demais governos, o governo Bush parece ter decidido “fazer de conta” que aderiu aos esforços multilaterais. Assim, ao menos não se desgasta ainda mais com seu público interno até as eleições presidenciais previstas para o fim do ano.
Para a comunidade internacional, a esperança de que os EUA entrem de verdade na luta contra o aquecimento global reside nas eleições e na forte possibilidade de uma volta ao poder do Partido Democrata. Salvo mudanças de última hora, tanto Barack Obama quanto Hillary Clinton _ ambos “assombrados” pela dedicação às causas ambientais do ex-vice-presidente Al Gore _ são defensores da adesão dos EUA ao Protocolo de Quioto e seus desdobramentos.
Sabe-se que o governo norte-americano desenvolve em sigilo projetos de combate ao aquecimento da atmosfera a partir do uso da nanotecnologia e da bionanotecnologia, mas estes, em que pesem alguns testes animadores, não teriam ainda apresentado resultados conclusivos. Em todo caso, uma tecnologia ainda tão pouco dominada pelo homem e com tão grande poder intrínseco (inclusive de devastação) pode ser facilmente desvirtuada e utilizada para fins outros que não o bem da humanidade. Não seria a primeira vez que os EUA fariam isso…
Compromissos em jogo
A reunião do GT da ONU em março, por sua vez, nos dará a dimensão de como os demais países vão tratar na prática o que foi costurado em Bali. As atenções estarão voltadas para dois grupos. O primeiro é a União Européia que, impulsionada pela Alemanha, se declara disposta a assumir metas convincentes e traz a público a proposta de redução de 50% das emissões até 2050, com base nas emissões registradas em 1990.
O outro grupo decisivo é o G-77 (formado por países em desenvolvimento e liderado por Brasil, China, Índia e África do Sul), que já aceita assumir metas quantificáveis de redução, apesar de continuar defendendo que os maiores compromissos devem partir dos países ricos, que são os responsáveis históricos pelo aquecimento da atmosfera.
Os líderes dos países em desenvolvimento parecem ter percebido que, mesmo que tenham razão em não aceitar restringir seu desenvolvimento econômico por assumir metas severas de redução impostas por quem sempre poluiu, não podem manter o impasse indefinidamente, sob pena de jogar por terra tudo o que foi conquistado até aqui nas negociações multilaterais.
Nesse contexto, uma proposta apresentada pelo Brasil serve como divisor de águas, pois, ao contrário do estabelecido pelo Mercado de Créditos de Carbono, exige que os países ricos ajudem financeiramente os países mais pobres a reduzir suas emissões sem que isso implique na redução ou “compensação” de suas próprias metas.
Outro fato que denota a importância do Brasil nas próximas rodadas de discussões multilaterais sobre as mudanças climáticas é a indicação do diretor do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty, Luiz Alberto Figueiredo, para a presidência do Grupo de Trabalho que se reunirá em março. Para fortalecer e dar credibilidade à atuação do diplomata, e também à liderança internacional conquistada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é preciso, no entanto, que o governo brasileiro detenha a retomada do aumento do desmatamento no país até março.
Como se vê, muitas coisas estarão em jogo em 2008: uma possível mudança de orientação dos Estados Unidos, maior poluidor do planeta; a definição de metas obrigatórias e quantificáveis de redução das emissões para os ricos e de metas voluntárias e quantificáveis para os países em desenvolvimento; o futuro do Mercado de Carbono; a credibilidade do Brasil. Tudo isso faz com que, do ponto de vista prático, o ano que se inicia seja muito mais importante e decisivo para a definição do futuro ambiental do planeta do que foi 2007.