Flagelados são os outros!, artigo de Ana Echevenguá
[EcoDebate] Extraí do editorial ‘Inconsciência ambiental’ do periódico catarinense ‘A Notícia’, que tratava dos resultados da Cúpula de Bali1, algumas frases interessantes e aplicáveis à situação caótica que experimentamos em Santa Catarina quando o assunto é defesa e proteção do meio ambiente.
“Repetiu-se o que tem ocorrido nos últimos anos: os maiores poluidores são os que mais resistem em corrigir os rumos.”
Sabem o que aconteceu aqui no final de 2007? Pois bem: o projeto da USITESC – Usina Termelétrica Sul Catarinense, de propriedade de duas empresas carboníferas, recebeu sua licença ambiental prévia. Trata-se de mais um ato politiqueiro do nosso governo estadual: numa das visitas do governador ao sul, o presidente da CELESC anunciou a boa nova. Agora, os donos do negócio vão correr atrás da licença de instalação para que a usina comece a funcionar em 2012.
Este empreendimento vai queimar 2,3 milhões de toneladas de carvão mineral por ano. Energia suja! Pergunta-se: qual o cálculo do débito de Carbono gerado com a queima deste combustível fóssil?
Puxa vida! O combustível eleito é o carvão quando o mundo está adotando novas energias. Até a China, aonde a queima do carvão é o principal vilão, já está implantando medidas redutoras desta poluição. A Academia de Planejamento Ambiental da China comprovou que os custos causados à saúde humana pela poluição do ar somam 3% do PIB nacional e chegarão a 13% deste em 2020, se nada mudar.
“Não teria sido realista supor que a complexidade das questões envolvidas desembocasse num mutirão em que o mundo se juntaria na defesa do mundo. Tal é apenas o sonho dos ambientalistas e, talvez, a necessidade mais profunda imposta pela urgência do aquecimento global.”
“Pior que não ter um caminho definido é não ter a consciência da gravidade do desafio e dos riscos econômicos e sociais que uma omissão pode desencadear”.
Se o mundo não se junta num mutirão na defesa do mundo, Santa Catarina está no mesmo barco. O procurador da República Darlan Airton Dias afirmou que o EIA/RIMA “foi elaborado rigorosamente como determina a lei…”. Ora, o papel tudo aceita!
Quem vai fiscalizar o funcionamento da usina? A falta de fiscalização dos órgãos competentes é vergonhosa: o IBAMA nem aparece na região; a FATMA – órgão ambiental estadual – apresenta fiscalização zero.
As entidades ambientalistas entendem que o EIA/RIMA apresenta várias ilegalidades. A alternativa locacional, por exemplo, é a pior possível. A região já é degradada pelos efluentes da Termelétrica Jorge Lacerda, cujos impactos negativos são provocados com a conivência do descontrole ambiental reinante no nosso Estado.
É público e notório que raras atividades são tão nocivas à sadia qualidade de vida quanto as termoelétricas a carvão mineral. Trata-se de uma das indústrias mais poluentes do planeta, devido à brutal emissão de efluentes. É impossível, portanto, o funcionamento de outra termelétrica naquela região.
“O que até bem pouco soava como catastrofismo, agora integra os relatórios mais respeitáveis”.
Para quem não sabe, a região sul de Santa Catarina convive, desde a década de 50, com o passivo ambiental produzido pela atividade mineraria; em 1980 o Governo Federal a enquadrou como uma das 14 áreas brasileiras críticas de poluição. Segundo o Desembargador Federal do TRF/4ª Região, Dr. Paulo Afonso Brum Vaz, “O processo de lavra do carvão a céu aberto, revolvendo a camada produtiva do solo para extrair a de carvão, abandonando as áreas de extração sem qualquer recuperação, foi catastrófico!”
“Milhões de pessoas poderão ser forçadas a sair de suas terras, formando um exército de meio bilhão de flagelados ambientais. Inevitavelmente, os mais pobres serão as primeiras vítimas”.
Os catarinenses que moram no entorno desses monstrengos já formam um exército de flagelados ambientais. Os flagelados do carvão! Muitos não têm para onde ir. Mas isso não importa aos detentores do poder de decisão. Agem como “se o problema não fosse com eles”. Afinal, este ‘exército’ só é lembrado às vésperas das eleições.
“Maiores responsáveis pela emissão de poluentes, os Estados Unidos e a China comportam-se como se o problema não fosse com eles”.
Somente EUA e China? E nós aqui? Estamos fazendo a lição de casa? Exercendo o tão propalado ‘agir localmente’? Cadê o nosso compromisso com a redução da emissão de poluentes? A gente também continua agindo como se o problema fosse dos outros…
1 – Fonte: http://www.an.com.br/2007/dez/16/0opi.jsp
Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, e-mail: ana@ecoeacao.com.br