Angra 3 pode abrir caminho para novas usinas atômicas no país
Concebida inicialmente em 1970, a construção da terceira usina nuclear brasileira volta à tona na condição de prioridade do governo Lula. Angra 3 é apenas o primeiro passo de um ambicioso projeto de expansão nuclear. Por André Campos, da Agência de Notícias Repórter Brasil.
Simulação indica local previsto para construção de Angra 3 (Fonte: Eletronuclear) |
No dia 25 de junho, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) – órgão que assessora a Presidência da República em questões relativas ao tema – reuniu-se para deliberar sobre um assunto sempre polêmico: energia nuclear. Na pauta do encontro, a retomada da construção da usina de Angra 3, projeto concebido originalmente na década de 1970, no auge da ditadura militar, e desde então ressuscitado ou engavetado ciclicamente ao sabor dos ventos políticos. Desta vez, a proposta foi aprovada de forma acachapante. Dos oito ministérios com assento no órgão, apenas um se posicionou contra a obra. Marina Silva, titular da pasta do Meio Ambiente e notória opositora da expansão nuclear no país, foi o voto vencido.
Dias antes, durante a inauguração de uma plataforma petrolífera, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já encampava publicamente a construção da terceira usina atômica brasileira. “Para crescermos acima de 5%, vamos ter de dizer aos investidores que não vai faltar energia a partir de 2012”, disse. “A tecnologia do Brasil é perfeita. Nunca acontecerá aqui o que ocorreu em Chernobyl [localidade que fazia parte da União Soviética – hoje Ucrânia – que se tornou célebre por causa de um desastroso acidente em usina nuclear em maio de 1986].”
A aprovação no CNPE e o apoio presidencial catapultaram Angra 3 à categoria de prioridade na agenda do governo federal. O Planalto espera inicialmente que a usina esteja funcionando já em 2013 – meta que supõe início urgente das obras. Para que isso ocorra, no entanto, ainda é preciso conseguir o licenciamento ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Esperamos obter a licença prévia para a instalação da usina até o final deste ano”, diz Leonam Guimarães, assistente da presidência da Eletronuclear – estatal que detém o monopólio da construção e operação de usinas atômicas no Brasil.
E mais: longe de ser idéia isolada, Angra 3 pode ser o primeiro passo rumo a uma expansão vertiginosa do parque nuclear brasileiro, com a construção de até oito outras unidades nas próximas duas décadas.
Persistem, no entanto, grandes questionamentos relacionados ao projeto, que incluem desde dúvidas quanto à racionalidade econômica do investimento nesse tipo de energia até às conhecidas críticas sobre seus problemas ambientais – ainda que alguns dos principais defensores da energia atômica da atualidade tenham “berço” ambiental. Além disso, a própria estrutura do programa nuclear nacional desperta freqüentes suspeitas em relação à falta de transparência e fiscalização.
Planejamento energético
Originalmente, a concepção de Angra 3 remonta a 1975, quando foi assinado um acordo de cooperação nuclear entre Brasil e Alemanha, que previa a construção de oito usinas. Seis anos antes, o governo militar já havia adquirido da americana Westinghouse o reator que daria origem à Angra 1, inaugurada em 1985. A recessão da década de 1980, contudo, aliada a decisões políticas da época, emperrou a implantação das duas outras unidades previstas para o complexo de Angra dos Reis (RJ). A segunda delas, Angra 2, começou a sair do papel em 1976, mas só entrou em operação em 2000.
Para presidente Lula, tecnologia atômica brasileira é “perfeita” (Foto: Ricardo Stuckert/PR) |
O projeto de Angra 3 é praticamente uma réplica do de Angra 2. Desenhada para gerar o equivalente a 34% do consumo atual do estado do Rio de Janeiro, ela elevará, caso concretizada, para mais de 80% a participação da energia nuclear na matriz energética fluminense. O valor a ser despendido em sua construção é estimado em R$ 7,2 bilhões, descontando-se todos os gastos com equipamentos já adquiridos e também com sua manutenção – algo que, de acordo com a estatal, consome hoje cerca de US$ 20 milhões anuais.
Para angariar apoio, defensores de Angra 3 tentam mudar a idéia de que a energia atômica é cara e pouco competitiva. A Eletronuclear afirma que a tarifa a ser cobrada pela produção da usina ficará em torno de R$ 140 por megawatt/hora, um valor compatível, segundo a empresa, com os preços internacionais desse tipo de energia – e que desvia muito pouco da média de R$ 137,44 por megawatt/hora alcançada pelas usinas térmicas vencedoras dos leilões governamentais para contratos a partir de 2011.
Numa perspectiva mais ampla, contudo, essa competitividade sofre contestações. Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil – que objetiva viabilizar o empreendedorismo privado no setor elétrico brasileiro -, faz um comparativo entre a Hidrelétrica de Estreito, atualmente em construção, e dados da produção média de Angra 2. E conclui que, sem atrasos ou estouros de orçamento, a energia da nova usina nuclear será 25% mais cara que a de Estreito.
Leonam Guimarães, da Eletronuclear, questiona esse tipo de comparação. “A oposição entre Angra 3 e hidrelétricas não faz sentido, são projetos complementares. No planejamento, o governo considerou todas as fontes de energia disponíveis, e a usina nuclear aparece como uma necessidade já antes de 2015”, argumenta. Ele afirma ainda que, caso não se invista em Angra 3, será preciso implantar termelétricas movidas a carvão – decisão desvantajosa devido à grande emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa.
Estudos como a “Agenda Elétrica Sustentável 2020”, desenvolvida por especialistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para a ONG WWF-Brasil e lançada em setembro do ano passado, tentam mostrar que o planejamento poderia seguir outros caminhos. Segundo o documento, investimentos em formas alternativas de energia, como a eólica e a proveniente de biomassa, somados a medidas de eficiência – visando, por exemplo, diminuir as perdas nos sistemas de transmissão existentes – podem reduzir a demanda esperada de eletricidade para 2020 em até 38%. “Isso corresponde à geração de 60 usinas nucleares como a de Angra 3”, exemplifica o estudo.
Armazenar equipamentos de Angra 3 já adquiridos custa US$ 20 milhões anuais aos cofres públicos (Foto:Eletronuclear) |
Em resposta a essa posição, defensores da matriz atômica argumentam que os custos desses empreendimentos ainda são um obstáculo para sua competitividade no cenário nacional. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizou, em julho deste ano, o 1º leilão nacional para compra de energia proveniente de fontes alternativas, mas nenhum projeto eólico participou. O setor considerou baixo o preço-teto de R$ 140 por megawatt/hora estabelecido pelo governo – valor correspondente ao que a Eletronuclear encampa para as tarifas de Angra 3. Num resultado ainda tímido, os contratos provenientes do leilão, que envolveram apenas termelétricas movidas a biomassa e pequenas centrais hidrelétricas, resultarão num aumento de 638,6 megawatts para o parque energético brasileiro. Esse montante representa um pouco menos da metade da geração de energia prevista para Angra 3.
Rede de interesses
Além das grandes construtoras, também aguardam ansiosamente pela liberação de Angra 3 setores da área atômica que esperam alcançar a auto-suficiência nacional na produção de combustível nuclear. Apesar de o Brasil já dominar essa tecnologia, parte do ciclo de processamento do urânio ainda é feita no exterior, pois não há escala para justificar economicamente tais atividades – realidade que tende a mudar com a construção de novas usinas.
A cobiça para o desenvolvimento da exploração e o enriquecimento do urânio é grande. O território nacional abriga a sexta maior reserva internacional desse minério, fator que incentiva tais interesses. Segundo Alfredo Tranjan Filho, presidente das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) – empresa de economia mista responsável pela exploração e beneficiamento de combustível atômico no país -, Angra 3 e as demais unidades previstas trazem a necessidade de aumentar a produção da mina de Caetité (BA), além da lavra de uma nova jazida em solo nacional. “A INB está em busca de um parceiro para explorar a mina de Santa Quitéria (CE)”, revela.
Entre os que estão de olho nesse mercado destaca-se a Vale, que abandonou o nome comercial Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e declara publicamente ter interesse em parcerias com o governo para explorar o minério. A mineradora já explora o minério na Austrália. A Constituição brasileira, porém, determina ser a lavra do urânio monopólio da União.
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* Esta reportagem foi publicada em parceria com a revista Problemas Brasileiros