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Governo dispensa registro para trabalho rural de curta duração

Proposta apoiada pela Contag torna facultativa a assinatura de carteira para serviços de até 2 meses. Para entidades, medida pode precarizar as condições de trabalho e colocar graves empecilhos ao combate à escravidão. Por Maurício Hashizume, da Agência de Notícias Repórter Brasil.

Leia a repercussão da decisão do governo em 2008 em:
MP que legaliza temporários sem carteira assinada divide opiniões

O governo federal editou medida provisória (MP), publicada em edição extra do Diário Oficial no dia 29 de dezembro, que acaba com a exigência do registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) de trabalhadores rurais em contratações para períodos de até dois meses. A MP 410/2007 acrescenta artigo à Lei no 5.889, de 8 de junho de 1973, criando o contrato de trabalhador rural por pequeno prazo, e incide sobre os chamados “safristas”, que atuam em empreitadas temporárias na agricultura e pecuária.

A proposta resultou de uma negociação intergovernamental que contou com representantes do Ministério da Previdência Social (MPS) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A reivindicação partiu da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Para contratar um trabalhador rural por até dois meses, a MP exige apenas que o contratante assine um documento com dados básicos do serviço e inclua o nome e a inscrição do trabalhador na Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), ficando assim dispensado do registro no livro ou ficha de registro de empregados e na carteira de trabalho.

De acordo com Manoel dos Santos, presidente da Contag, a medida pode facilitar a formalização dos mais de 60% de trabalhadores rurais não registrados. “Exigir simplesmente a obrigatoriedade da assinatura da carteira não está resolvendo”, defende. “Nenhum safrista que trabalha até dois meses tem carteira assinada. Não estamos abrindo mão de direitos. Somos apenas a favor da legalização da maioria sem registro”, justifica Manoel.

A dispensa do registro na CTPS, para Jonas Ratier Moreno, da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT), ao contrário do proposto, estimulará ainda mais a precarização e sonegação de direitos, pois o empregador sempre ficará tentando a não formalizar o contrato de trabalho, inclusive podendo alegar que a contratação é recente. Na concepção do procurador, a medida provisória pode, portanto, prejudicar o esforço de regularização das relações trabalhistas, afetando diretamente o combate ao trabalho escravo e degradante.

O contrato de trabalho legalizado pela MP e defendido pela Contag prevê o pagamento de direitos trabalhistas proporcionais – férias, adicional de férias, décimo terceiro salário, horas extras. A contribuição previdenciária devida pelo trabalhador, sob a alíquota de 8%, será deduzida pelo tomador dos serviços e recolhida ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no prazo normal, assim como ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que será recolhido na forma da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.

Não há consenso dentro do governo sobre a medida. Segmentos importantes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) são contra a proposta e condenam a ausência de debates internos mais intensos antes do encaminhamento da minuta ao Palácio do Planalto. “O MTE acha a carteira de trabalho imprescindível. Imprescindível é a regularização dos que não tem nenhuma garantia e recebem quanto e como os contratadores quiserem”, rebate Manoel.

De forma polêmica, o presidente da Contag afirma que o próprio trabalhador rural não quer carteira de trabalho. “As relações de curtíssimo prazo são uma realidade. Muitas pessoas trabalham há anos de empreitada em empreitada, sem carteira e sem contrato. Não podemos ficar apenas na filosofia do direito do trabalho”, coloca. “Não tem como piorar. Nenhum trabalhador assalariado que trabalha por mais de dois meses será submetido a essa nova regra. Entre essa nova modalidade de contrato e nada – como é hoje -, preferimos o contrato”. O esforço para a legalização dos contratos dos safristas, adiciona Manoel, precisa vir acompanhada do aumento da fiscalização.

A Repórter Brasil entrou em contato com as assessorias do MPS e do MTE para apurar a posição dos órgãos com relação à proposta. Os representantes do Ministério da Previdência que participaram da elaboração da minuta da MP não foram localizados em virtude do recesso de final de ano. A assessoria informou, no entanto, que o conteúdo foi acertado em negociação com a Contag e que as reuniões contaram com a participação de secretários do MTE.

“Atendemos a uma reivindicação das próprias entidades dos trabalhadores, como a Contag. Essa não é uma proposta do ministério”, justifica o secretário de Relações do Trabalho, Luiz Antonio de Medeiros. Segundo o dirigente governamental, as contratações por um período curto de tempo “sujam” a carteira de trabalho e são repelidas pelos próprios trabalhadores. “Boa carteira é aquela com anos e anos de registro.”

O secretário ressalta ainda que a MP não se estende para empresas e se restringe a contratações de pessoa física – que tendem a ser de menor porte – e que a assinatura de carteira não assegura qualidade do trabalho. “Há muitos casos de escravidão com assinatura de carteira”, observa.

Luiz Antonio confirma a existëncia de divergências dentro da pasta, mas não acredita que a fiscalização será prejuducada com a medida. O trabalho dos fiscais, na visão dele, poderá inclusive ser facilitado e aumentado, pois haverá a possibilidade de recolhimento da Previdëncia por contratações por períodos mais curtos. “Mas temos que ver como isso funcionará na prática.”

Antes da MP, já existia um regime especial para trabalhadores rurais chamado de “contrato de safra” que facilita a contratação por períodos curtos. A abrangëncia da fiscalização do trabalho na agricultura vem aumentando nos últimos anos. Em 1997, apenas 11,15% (35.865) dos 321.609 trabalhadores registrados nas fiscalizações do MTE eram do campo. Até novembro de 2007, a participação dos trabalhadores rurais na mesma estatística subiu para 19,67%, alcançando 135.732 de um total de 689.982.

Críticas
“Embora nobre o intento de estimular a inserção de maior número de trabalhadores rurais na proteção previdenciária, as medidas sugeridas trarão mais prejuízos do que benefícios, razão pela qual devem ser rejeitadas”, manifestou-se a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), em nota pública divulgada nesta sexta-feira (28). “A dispensa de anotação dos contratos de trabalho rural estimulará ainda mais a informalidade (leia-se ilegalidade) no meio rural, dificultando – se não impossibilitando – a atuação da fiscalização trabalhista”, completa o comunicado assinado pelo presidente da ANPT, Sebastião Caixeta. Ele ressalta ainda que existe um projeto de lei – PL número 1.367/2007, que tramita na Câmara dos Deputados – com conteúdo muito similar às proposições contidas na minuta.

Outro ponto criticado pela entidade é a norma que determina o cálculo dia-a-dia e o pagamento imediato ao trabalhador de outros direitos trabalhistas, como férias e 13º salário. “Na prática, ter-se-á a diluição desses direitos ou mesmo seu conglobamento no valor que seria, na verdade, apenas para pagamento do salário mensal, o que é vedado pela legislação trabalhista (Súmula n. 91 do Tribunal Superior do Trabalho)”, adiciona a nota da ANPT.

“Aliás, essa era uma das finalidades do Projeto de Lei n. 5.483/2001, que possibilitaria tal flexibilização mediante negociação coletiva. Não é demais lembrar que foi este governo que, em boa hora, retirou o projeto do Senado, após já ter sido aprovado pela Câmara. Contraditório, portanto, que ele mesmo pretenda agora instituir tal regra flexibilizante e precarizante, agravada pela imperatividade da medida provisória”, destaca Sebastião Caixeta.

A simplificação do contrato de curto prazo e a facilitação do acesso à Previdência rural não precisam excluir a carteira de trabalho, opina frei Xavier Plassat, da coordenação da Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da CPT e membro na Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). A carteira de trabalho, adiciona Xavier, embora rara nos rincões do país, simboliza o trabalho decente e é uma arma na mão do trabalhador.

Para a presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosa Maria Campos Jorge, a proposta aparenta ser uma “bondade”, mas pode não trazer soluções. “O objeto que corre o risco de ser prejudicado, no caso o contrato de trabalho no meio rural, pode ser precarizado, tornando a informalidade, que hoje campeia nesse meio, institucionalizada”.

“Ao nosso ver a medida prejudica o combate ao trabalho escravo, além de potencialmente desencadear a demissão daqueles que hoje estão contratados. Imagine a produção do etanol só com trabalhadores autônomos?”, indaga Rosa. Além da questão trabalhista, ela pontua a necessidade de se considerar também os prejuízos à saúde e segurança para os trabalhadores rurais. “O efeito que vislumbramos, em termos de precarização das relações de trabalho no Brasil se assemelha ao que poderia ter acontecido caso a Emenda 3 fosse aprovada pelo Presidente da República. Essas são algumas das razões que nos levam a nos posicionar totalmente contrários a essa proposição”.

Leia a íntegra da Medida Provisória nº 410, de 28 de dezembro de 2007
Leia a íntegra da nota pública divulgada pela ANPT