Diversificação de Sistemas Agrícolas: O que pode ser feito?, artigo de Carlos R. Spehar
“Mais do que integrar as melhores práticas agrícolas, devem-se integrar os cientistas das diversas áreas biológicas”. Carlos R. Spehar é prof. colaborador da Universidade de Brasília. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:
Fala-se muito da importância de diversificar sistemas agrícolas, por razões amplamente reportadas. Não é fato novo, pois, desde o Egito Antigo, há 5.000 anos, já se observavam as vantagens.
Agricultura tropical imitando a natureza, com práticas que aumentem as possibilidades de rotação, sucessão e cultivos associados é uma questão de sobrevivência.
O que acontece na prática? O predomínio de poucas espécies, para as quais há uma complexa cadeia produtiva, como soja, milho, arroz, feijão, trigo, somente para mencionar algumas produtoras de grãos.
Os agricultores, reféns de mercado e com necessidades de garantias, optam por conveniências, reduzindo as chances de mudar o rumo das coisas.
Uma prática recente, produto da pesquisa e demonstrada aos agricultores é a integração lavoura-pecuária. Consiste em realizar cultivos associados de espécies forrageiras e outras produtoras de grãos.
Com ajustes de tecnologia, colhem-se os grãos, deixando-se uma pastagem pronta para a pecuária. Tudo isso em uma mesma estação chuvosa. Um sistema para ser imitado.
Esta é uma prática que promete melhorar o desempenho da agricultura no Cerrado. Nesta região encontram-se vastas áreas de pastagens degradadas, produto de um sistema arcaico de garimpagem ambiental.
Os nutrientes tão escassos nos solos de Cerrado, juntamente com calcário, foram adicionados há muito tempo, em sistemas integrados de arroz com braquiária. Depois de colhido o arroz e estabelecida a pastagem, foi só aproveitar o que sobrou, anos a fio. Isto é, o garimpo de nutrientes, num processo de declínio permanente! Esse sistema rudimentar foi a condição factível para a época em que se introduziu.
Imaginem-se as dificuldades de 30-40 anos atrás em uma região desoladora, por tanta falta de recursos e infra-estrutura. Entretanto, inspirando a agricultura moderna e aperfeiçoado para os dias atuais, promete, com alternância e sucessão, projetar melhores dias para a produção de grãos e de carne ou leite.
Isto porque houve aprendizagem durante o processo de ocupação regional. Hoje, a informação sobre repor o que se retira, tem se sedimentado na percepção dos agricultores. Eles são o foco do conhecimento e do desenvolvimento de habilidades.
O produto da pesquisa tem que chegar até eles, para que ganhem confiança na tomada de decisões. Pois, mesmo diante de evidências sobre vantagens de sistemas diversificados, pouco tem acontecido em termos reais.
Coloquemos-nos no seu lugar, imaginando o que fazer. Primeiro, temos de desmistificar o conceito de que seja simples praticar agricultura. Existe uma ciência por detrás de lançar uma semente ao solo.
Segundo, devido a riscos inerentes (clima, pragas, mercado), a atividade é conservadora. Ou seja, não se alteram regras durante o jogo e este é contínuo.
Terceiro, qualquer nova tecnologia precisa ser aprendida e, mais importante, praticada. É na prática que se fazem os ajustes estratégicos.
Estas são as principais fontes de incertezas, a impedir ou cercear mudanças. Portanto, não é fácil adotar novas técnicas, ainda que sejam elas benéficas para o ambiente e para o agricultor. Elas têm que ser visualizadas, palpadas, medidas, constatadas.
Diante desse desafio, nos resta a sensação deprimente de que pouco muda no curto prazo. No médio, alguma mudança substancial ocorre, ainda que precise consolidação para contornar riscos.
Porém, diante das evidências de alterações climáticas, de que agricultura nos trópicos deva incorporar os ensinamentos da natureza tão diversa, esforços devem ser concentrados. Até mesmo por uma questão de racionalidade.
Aqui vale uma consideração importante: sem integração entre as ciências ficamos à deriva. Mais do que integrar as melhores práticas agrícolas, devem-se integrar os cientistas das diversas áreas biológicas.
Assim, ecologistas, agrônomos, zootecnistas, biólogos, sem desmerecer outros não citados, devem unir esforços para, cada qual em sua especialidade integrar o todo. Afinal, agronomia é biologia aplicada aos interesses do ser humano. Estes se resumem em produzir alimentos, fibras e energia, matérias-primas que afetam os destinos de todos. O que pode ser feito em harmonia com a natureza.
Mais ainda, economistas, sociólogos e outros profissionais devem aliar-se a esse esforço e, de forma uníssona, influenciar decisões políticas. Tudo isso, com a participação do ator principal: o agricultor.
Só assim, se reverterá o marasmo, a inércia que permeiam instituições de pesquisa e ensino, deixando o agricultor à própria sorte. Quando se tem um rumo uma perspectiva no horizonte, percebe-se que muito pode ser feito. Daí em diante, é só arregaçar as mangas e agir.
Não se pode, entretanto, esperar por evidências catastróficas. Elas ocorrerão, com ou sem efeito estufa, se não evoluirmos em nossos sistemas de biologia aplicada à sobrevivência em base sustentável.
(EcoDebate) artigo originalmente publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3419, de 27 de Dezembro de 2007.