O público e o privado, o oficial e o oficioso…, artigo de Nelson Batista Tembra
[EcoDebate] O Liberal de 20/12/2007 publicou matéria no caderno Poder, que o governo do Pará e a diretoria da Vale assinaram três protocolos de intenção anunciando ações de pesquisa tecnológica e formação de mão-de-obra local na área de mineração. A parceria pretende ‘conter o desmatamento no Estado do Pará a partir de 2008 e prevê a instalação do Fórum Paraense de Competitividade’ para viabilizar ações entre o governo e a iniciativa privada. O diretor executivo de Assuntos Corporativos e de Energia da Vale, Tito Martins, explicou que ‘a mineradora vai aumentar a amplitude do sistema de mapeamento de queimadas, dispondo dos softwares e hardwares da empresa para a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), que vai possibilitar ao governo prevenir focos de queimadas nas áreas monitoradas em todo o Pará’.
Para quem não possui intimidade com o assunto, a disponibilização do sistema de monitoramento por satélite da Vale poderia significar grande feito, caso o site da própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará já não disponibilizasse informações sobre os focos de queimadas e desmatamentos, por região e por municípios, bem como mapas e gráficos com quantitativos anuais e até diários. A Sema foi o primeiro órgão do governo do Estado a entrar na Internet e hoje, como provedora de informações, ocupa local de destaque na rede mundial. Quem lê a matéria publicada em ‘O Liberal’ sobre os protocolos onde a Vale se posiciona pode ter a interpretação que o Estado é incompetente, acéfalo, e que necessita da tutela da giga-mineradora para cumprir suas obrigações.
É necessária muita cautela nessa relação, até porque o público e o privado possuem interesses convergentes, mas atribuições e funções distintas, e até certo ponto antagônicas, e essas linhas divisórias devem ser mantidas para que as partes cumpram suas atribuições, sem subserviência do Estado, nem extrapolar atribuições do empreendedor. Podemos citar como exemplos recentes de promiscuidades nesse tipo de relação dois episódios envolvendo os licenciamentos ambientais de projetos de exploração mineral pertencentes a Vale, ambos no Pará, para avaliação do leitor sobre a repentina postura dos novos paladinos do meio ambiente do Estado, bem como, e principalmente, sobre a legitimidade, a legalidade e a ética da influência privada nas decisões envolvendo interesses públicos.
O primeiro exemplo é o do Projeto Bauxita de Paragominas, que apresenta irregularidades já atestadas no parecer do próprio Ministério Público do Estado do Pará (http://www.acordapara.com.br/casos/cvrd-para/imgs/parecer-ministerial.pdf), da lavra do Excelentíssimo Promotor de Meio Ambiente, Dr. Benedito Wilson Corrêa de Sá, a começar pela licença prévia, em cujo processo, apesar de cumpridos trâmites processuais do licenciamento se confundiu o público ao privado. Dentre as obras mencionadas, a construção e operação de uma estrada e a implantação e operação de uma linha de transmissão, apesar da possibilidade das concessões, são obras tipicamente de responsabilidade do poder público. Por outro lado, obras claramente de domínio privado da Vale, são a lavra, o beneficiamento e mineroduto, que deverão estar sob o controle direto da empresa. Este entendimento deriva do fato de que estas duas obras, sujeitas à avaliação específica de impactos ambientais, foram inseridas em um único EIA/RIMA, que envolve a abertura da lavra mineral e a construção da usina de beneficiamento.
Um outro EIA foi exigido para a implantação do mineroduto, mas não há elementos que permitam avaliar ou que justifiquem os motivos da dispensa do EIA/RIMA para as obras públicas, ou a inclusão das mesmas juntamente com as obras privadas da Vale. Já ficariam aí questões do passado recente relacionadas à liberação do licenciamento prévio do empreendimento que necessitariam de esclarecimentos, quem diria as irregularidades mais recentes praticadas na licença de instalação das obras, quando houve supressão e omissão de dados técnicos relevantes do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD original, e a utilização indevida de chancela profissional em planos modificados sem autorização expressa dos autores visando à obtenção da licença de instalação do Projeto Bauxita, e ao mesmo tempo eximir-se de obrigações legais com o Estado, e poder continuar agindo de forma ‘voluntária’ como faz até a atualidade.
O segundo episódio do mesmo tipo de promiscuidade a servir de alerta foi publicado no site da Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente, em 10/10/2007, sobre a construção da usina termelétrica (UTE) da Vale em Barcarena: Além da empresa não ter apresentado alternativas tecnológicas de fontes de energia que se confrontem ao uso do carvão mineral; a análise de todas as opções de tratamento e destinação final de rejeitos; as informações sobre a concessão necessária para o uso de recursos hídricos, havendo também a necessidade de revisão da lista de impactos sócio-ambientais incluindo impactos sobre as contas públicas, comunidades diretamente atingidas e o patrimônio arqueológico; a Vale incluiu no estudo e relatório de impacto ambiental o nome de pesquisadores ligados ao Museu, apresentando a instituição como co-autora das pesquisas da UTE. O fato foi questionado pelo MP à direção do Emilio Goeldi, cuja resposta afirma que em momento algum a instituição teve esse tipo de participação. (http://www.abrampa.org.br/novidades_noticias_detalhe.asp?idNoticia=2534).
Nelson Batista Tembra, Engenheiro Agrônomo e Consultor Ambiental, com 27 de experiência profissional, é colaborador e articulista do EcoDebate