Especial Carajás: Desafios para a sustentabilidade cobram maior atuação do Estado
Como desfecho da série especial sobre Carajás – que engloba o Sudeste do Pará, o Oeste do Maranhão e o Norte de Tocantins -, Repórter Brasil apresenta um painel com os sete principais desafios para o futuro da região
Por Maurício Hashizume, da Agência de Notícias Repórter Brasil
Os Desafios
Pequenos produtores pedem mais apoio do governo para cultivar frutas como o açaí (Foto: IAC) |
Redução da desigualdade social
A distribuição irregular de rendas e oportunidades é causa onipresente no exame dos problemas da região. O cenário tradicional de pobreza rural pode ser aferido pelas estatísticas das vítimas de trabalho escravo. Da lista dos 20 municípios de origem dos trabalhadores libertados, 10 são de Carajás.
Para completar o quadro, viceja o inchaço das cidades. As populações de alguns municípios dobraram nos últimos anos. Em Açailândia (MA), 72,6% da população de cerca de 100 mil habitantes vive na cidade. No Maranhão, este mesmo índice é de 59,53%. Segundo dados de 2003 do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade infantil em Açailândia supera a casa dos 30 óbitos a cada mil crianças nascidas vidas. As médias do Maranhão estão mais próximas dos 20 mortes a cada mil nascimentos.
A isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as exportações (Lei Kandir) e o volume de royalties da exploração mineral também ajudam a entender a disparidade. A atual alíquota da Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) retém 2% sobre o faturamento líquido da extração de ferro. Há uma proposta da Secretaria da Fazenda do Pará (Sefaz) que propõe um aumento para 4%. O presidente da Associação dos Municípios Mineradores do Pará (Ammepa) e prefeito de Marabá, Sebastião Miranda (PTB), já observou em eventos públicos que os royalties do petróleo variam de 5% a 10% do faturamento bruto e que, se os 2% do CFEM incidissem sobre a receita bruta do ferro, a arrecadação dos municípios triplicaria.
No último dia 2 de novembro, o Congresso norte-americano aprovou uma nova lei de mineração que estabelece uma cobrança de 4% de royalties para a exploração de minas já existentes e eleva para 8% o percentual de extração de futuras minas em terras públicas. A lógica que permeou a decisão dos representantes dos EUA foi a de que o usufruto das áreas do Estado precisa beneficiar o conjunto da sociedade.
A contribuição do Estado para a consolidação da disparidade econômica, política e social não se restringe ao campo tributário. A concentração fundiária e de renda – que desaloja os camponeses e favorece a concentração urbana – é permeada por uma combinação entre as principais cadeias produtivas e o financiamento do Estado. As novas siderúrgicas que estão sendo instaladas em Marabá (PA) são exemplos disso: uma delas (a Da Terra Siderúrgica Ltda.) pertence a um grande grupo pecuário e a Marabá Gusa Siderúrgica Ltda. (Maragusa) é de uma rede de lojas de varejo de móveis e eletrodomésticos.
“Fizemos um diagnóstico e o enquadramento [das ilegalidades, que implicou, por exemplo, na multa de mais de R$ 500 milhões às siderúrgicas do Pólo Carajás por causa do déficit entre demanda e consumo declarado de carvão vegetal]. Nunca estivemos naquela região como agora, mas o ordenamento do conjunto da produção ainda não foi feito”, confirma Antônio Carlos Hummel, diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Floresta do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Assentados do MST ocupam a Estrada de Ferro Carajás (EFC) em Parauapebas (PA) (Foto: David Alves/Ag Pa) |
Qualificação dos assentamentos
O diretor do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Tasso Azevedo, relatou à Repórter Brasil que o governo federal suspendeu o cronograma inicial do Distrito Florestal Sustentável (DFS) de Carajás – que deve mudar de nome para DFS do Araguaia Tocantins – e dará prioridade a investimentos voltados aos assentamentos. “Não podemos dar início porque não queremos passar por cima de ninguém”, explica o dirigente. Os 478 assentamentos instalados na região ocupam uma área de três milhões de hectares.
A mudança vai ao encontro dos apelos do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco (MIQCB), que pede a qualificação dos créditos oferecidos pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), uma assistência técnica mais eficiente e a instalação de escolas agrícolas voltadas para a produção diversificada de alimentos. “Muita gente que trabalha com babaçu está endividada”, conta de Maria Querubina da Silva, do MIQCB. Ela condena o retalhamento da estrutura e das ações do Estado nos projetos de reforma agrária. “É preciso dar uma atenção especial aos jovens”, indica a moradora do assentamento Vila Conceição, em Imperatriz (MA).
Como salienta Raimundo Gomes da Cruz Neto, do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), não existe uma unidade econômica, social e política com base no agroextrativismo e na produção de alimentos para incorporar os pequenos produtores rurais. Segundo ele, há assentamentos que já desenvolvem esse tipo de atividade, mas “o custo desse tipo de produção ainda é muito alto para a competição com o capital”. “[Projetos extrativistas] São ilhas que sobrevivem a duras penas cercados pela competição. Em geral, bancos não apóiam esse tipo de iniciativa e impõe a pecuária”, conta o agrônomo.
“O fato do governo federal apresentar uma proposta como a do Distrito Pseudo-Florestal mostra que apesar de toda a luta de resistência camponesa nessa região e da conquista de muita terra na forma de assentamentos, os movimentos sociais do campo ainda não conquistaram de fato o seu território”, avalia a carta do seminário Estado e Campesinato na Amazônia: o debate sobre o Distrito Florestal de Carajás. Para eles, essa conquista não virá de “projetos mais uma vez construídos nos gabinetes de Brasília” nem de “escritórios das siderúrgicas da região”, mas sim “com o protagonismo dos sujeitos do campo e da cidade, organizados em seus movimentos e participando ativamente da formulação dos projetos” para Carajás.
Clique na imagem acima para abrir o mapa do DFS com pontos em destaque |
Valorização da floresta
Produzir ou preservar? A necessidade de superação do “falso dilema” que reduz a relação entre preservação da Amazônia e agricultura à Reserva Legal de 80% (proporção da área para a manutenção de florestas primárias) faz parte da análise de Fernando Michelotti e Francisca Nívea Rodrigues, autores do estudo Desafios para a sustentabilidade ecológica integrada a trajetórias de estabilização da agricultura familiar na região de Marabá.
Ambos argumentam que a sustentabilidade pode ser sinônimo de intocabilidade. A floresta deve ser vista, segundo eles, como o resultado da dinâmica entre a interação entre os povos e a biodiversidade da região. “Buscando a máxima eficiência econômica baseada em uma racionalidade industrial, a agropecuária tem privilegiado a homogeneização dos sistemas de produção ao invés de sua diversificação. Essa extrema simplificação tem fragilizado ecologicamente a própria agropecuária e o meio biofísico no qual está inserida”, realçam.
A agricultura sustentável passa, na perspectiva da dupla, pela “interação entre a floresta tropical (de máxima complexidade) com a produção agroflorestal e pecuária”. Essa interação depende de alterações nos mecanismos de financiamentos públicos que exigem apenas o cumprimento do Código Florestal. Os pesquisadores avaliam que a exigência de áreas de compensação mantém a lógica da “intocabilidade”, mas os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) têm capacidade de incentivar projetos na linha de interação.
A preocupação maior do Sistema Florestal Brasileiro (SFB) deveria ser a construção de centenas de pequenos viveiros de mudas de árvores da Amazônia, destaca Marcelo Calazans, da Rede Alerta contra o Deserto Verde e integrante da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) no Espírito Santo. “Carajás precisa de um Distrito Florestal Sustentável voltado para os múltiplos fins e costumes do povo que habita a região”.
“Por que não podemos conceber a idéia de que plantar um consórcio de espécies nativas diversificadas como andiroba, cupuaçu, açaí, tachi, etc. – que podem produzir madeira para lenha, frutas, fibras e óleos – não pode dar dinheiro?”, indaga Valmir Ortega, titular da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará (Sema). A administração estadual estuda a possibilidade de incluir a remuneração de serviços ambientais para propriedades com 100% do seu limite recomposto por floresta nativa.
A Sema avalia também a inclusão de propriedades em programas de seqüestro de carbono – calculável no caso de florestas plantadas – por dentro dos mecanismos já previstos no Protocolo de Kyoto (acordo internacional que estabelece limites de emissão de gases poluentes). “Temos que criar uma cesta de instrumentos financeiros para atingir a escala necessária. Se conseguirmos redirecionar uma parte do Pronaf e deslocar os recursos da expansão da pecuária para a restauração de serviços florestais, teremos um instrumento poderosíssimo para remunerar as famílias mais pobres e ao mesmo tempo recompor a floresta”, projeta o secretário.
Valmir Ortega, da Sema: governo do Pará busca formas de compensar serviços ambientais (Eunice Pinto/Ag Pa) |
Reflorestamento com espécies nativas
Antes de lançar a proposta do DFS de Carajás, o SFB, ligado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), manteve uma agenda de preparação em conjunto com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para a estruturação do Centro de Desenvolvimento e Difusão da Silvicultura de Espécies Nativas (Cedesa), uma das promessas para a cidade de Marabá (PA).
Segundo Tasso Azevedo, diretor do SFB, pesquisadores da Embrapa desenvolveram oito modelos com técnicas de plantio e cultivo de espécies nativas. Quatro deles estão passando por uma nova fase de estudos, entre elas o tachi, que permite o corte em apenas cinco anos. Também está sendo acertada uma linha de crédito especial para reflorestamento com mata nativa, com apoio do Banco da Amazônia (Basa), por meio do Pronaf Floresta e do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO). “Existem muitos estudos e conhecimento acumulado sobre o desmatamento, tanto das causas quanto das formas de contenção. Mas as fórmulas para o reflorestamento ainda são incipientes”, observa Adalberto Veríssimo, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Os sinais dados pelos movimentos locais durante as consultas preliminares do DFS Carajás mostraram que existe uma aversão a projetos ligados ao eucalipto. “Compreendemos essa posição por causa de seu fundo histórico”, relata Tasso Azevedo. Para viabilizar o projeto Celmar, na área entre Imperatriz (MA) e Açailândia (MA), a Vale – que abandonou recentemente a marca Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – fez um intenso trabalho de convencimento da população local de que o empreendimento na área de papel e celulose seria uma boa para todos. O negócio não vingou e as árvores estão sendo utilizadas hoje para abastecer os altos-fornos da Ferro Gusa Carajás, siderúrgica que pertence à mineradora.
Tasso enfatiza que a introdução de um novo modelo com base na plantação e no manejo de árvores nativas sempre foi o objetivo maior do DFS. Apenas como elemento de transição, o governo declara admitir o incentivo limitado à monocultura de espécies exóticas economicamente mais atraentes. “Com esse quadro que aí está, a expansão do eucalipto encontra terreno fértil. Nada impede que as guseiras plantem. Os passivos ambientais vão continuar sendo encaminhados para a Justiça, assim como os recursos das empresas. Não muda nada no modelo”.
“Diferentemente do Amazonas – que tem como foco a diminuição do desmatamento dentro das Unidades de Conservação (UCs) com esta fase inicial do Bolsa Floresta [que remunera famílias que deixam de desmatar] -, nós estamos buscando um mecanismo de remuneração para os serviços ambientais associados à restauração de floresta nativa. Aí, sim, estaremos falando na escala de bilhões de reais, de milhões de hectares e nas de centenas de milhares de pessoas”, coloca Valmir Ortega, da Sema.
Obras de expansão da Hidrelétrica de Tucuruí, exemplo de grande projeto em Carajás (David Alves/Ag Pa) |
Alternativas a grandes obras
A “mão” do Estado na região de Carajás tem se baseado historicamente em obras de grande porte como a Usina Hidrelétrica de Tucuruí e o Projeto Grande Carajás (PGC). Essas intervenções não incorporaram de forma adequada os impactos sociais e ambientais – como já deixava claro há muito tempo o geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Aziz Ab`Saber.
“Não há dúvida sobre um ponto: a demagogia dos planejadores tem sido tão grande quanto a demagogia dos políticos. Por vaidade pessoal e arroubos de megalomania, chegou-se ao extremo de botar a perder excelentes idéias. Agride-se planos de impossível abrangência, sob as mais diversas críticas, para logo mais elaborar planos tão abrangentes quanto, tentando incorporar duas ou três iniciativas válidas, no interior de um enorme espaço territorial, mal conhecido em suas variáveis físicas, ecológicas e sociais”, previu Aziz no artigo Gênese de uma nova região siderúrgica: acentos e distorções de origem na faixa Carajás/São Luís, escrito a pedido da Vale em 1987.
Na ponta do processo, a sensação de quem trabalha com pequenos produtores é de asfixia. “A pressão vem de todos os lados: da monocultura do eucalipto, das lavouras de grãos do agronegócio e dos grandes projetos do governo federal, como a Usina Hidrelétrica de Marabá”, testemunha João Palmeira Jr., da Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO).
De acordo com dados divulgados em audiência pública realizada em setembro, a obra citada por João afetará cerca de 40 mil pessoas no Pará, em Tocantins e no Maranhão. A sede de São João do Araguaia (PA) deve ser inundada, assim como parte da Terra Indígena Mãe Maria e cerca de 60% de Esperantina (TO), forrada de assentamentos.
O custo estimado da hidrelétrica (com capacidade de geração de 2.160 MW) é de US$ 2 bilhões. Até o momento, não há previsão de construção de eclusas, trauma que ficou da construção de Tucuruí (que gera 8.400 MW). Sem elas, impede-se a navegação fluvial e a circulação de peixes. Nunca é demais lembrar que muitos ribeirinhos atingidos pela construção de hidrelétricas até hoje não foram indenizados.
O tema das grandes obras para geração de energia elétrica na região envolve em grande medida a Vale. A empresa faz parte do consórcio da hidrelétrica de Estreito (1.087 MW), na divisa do Tocantins com o Maranhão. Povos Krahô e Apinajé, de TO, e Gavião e Krikati, do MA, reclamam das consultas e não aprovam a obra turbinada por R$ 2,5 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Além de Estreito, a companhia tem outras sete hidrelétricas e decidiu construir a usina térmica a carvão mineral (coque) importado em Barcarena (PA), que aguarda o licenciamento ambiental prévio.
O incremento do uso de coque importado, tanto para a produção de eletricidade como para suprir siderúrgicas, é concebido como “o pior dos cenários” por Tasso Azevedo, diretor do SFB. “A emissão de gases poluentes do carvão mineral é tão absurda que deveria ser proibida”, dispara. Além disso, os recursos reservados para a importação do insumo acabam movimentando mercados fora do país, descartando um potencial relevante de incentivo à economia nacional.
“Os grandes projetos de infra-estrutura na região acabam reduzindo a idéia de desenvolvimento à geração de energia e ao setor mínero-metalúrgico”, frisa Edmilson Pinheiro, do Fórum Carajás. Os empregos temporários gerados no início desses empreendimentos de grande porte não se sustentam. “Mas o discurso da injeção de investimentos funciona muito em regiões empobrecidas”, completa.
Iniciativas buscam agregar valor à cadeia siderúrgica; Maurílio Monteiro sugere acearias (Eunice Pinto/Ag Pa) |
Investimento para qualificar produção
A dependência de produtos primários de baixo valor agregado limita a economia do país e é ainda mais desastrosa para a Região Norte. São US$ 5,5 bilhões/ano de minérios que deixam o país e correspondem a 83% da pauta de exportações do Pará.
Para incentivar a qualificação do setor produtivo, a governadora Ana Júlia Carepa anunciou a liberação de R$ 3,7 milhões do orçamento de 2008 para a construção da Escola de Trabalho e Produção (ETP) em Marabá (PA). Protocolos assinados pelo governo paraense com a Vale, no último dia 19 de dezembro, prevêem a instalação de um instituto tecnológico voltada para inovação e pesquisa dirigidas à mineração em Marabá e a formação de recursos humanos especializados, por meio de um programa de cooperação que envolva também a Universidade Federal do Pará (UFPA).
O secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Maurílio Monteiro, tem indicado ainda a importância da adoção, por parte das guseiras do Pólo Carajás, de mini-acearias para a produção do aço que utilizam fornos de arco elétrico. Segundo ele, essas estruturas são mais flexíveis e de menor investimento e já estão sendo utilizadas na Simara.
Da parte do governo federal, Tasso Azevedo, do SFB, não vê grandes vantagens no que se refere à democratização de ganhos com o investimento para a verticalização do setor siderúrgico. “Provavelmente isso concentraria ainda mais riqueza. Não resolve o problema dos pequenos produtores e da maioria absoluta da população que não tem qualificação”, pondera.
A Vale repassa apenas 2% (6 milhões de toneladas) do que extrai de ferro no período de um ano para as guseiras de Carajás. Para Tasso, isso seria uma prova de que o investimento em tecnologia não se refletiria na cadeia primária. “É preciso agregar valor à floresta e incentivar os usos múltiplos da mata. Pode-se agregar valor na cadeia de culturas tradicionais e sustentáveis como o babaçu”, recomenda.
Outra ação efetiva, na opinião do diretor do SFB, seria o estímulo ao plantio de árvores no pasto extensivo, que não afeta a criação de gado. O investimento para que a pecuária “possa utilizar menos área, com uma produção mais intensiva” é medida fundamental, acrescenta Valmir Ortega, da Sema.
População fecha rodovia em protesto por aututações na Reserva Biológica de Gurupi, no MA (Foto: Diego Janatã) |
Combate à grilagem de terras
A exposição do coordenador da Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara), Manoel Pinto Santos, do motivo pelo qual o governo não convenceu as organizações da sociedade civil sobre o mérito do projeto do DFS de Carajás vai direto ao ponto: “Não existem elementos concretos que possam garantir que o Estado assumirá o seu papel de submeter os detentores do capital às normas de respeito aos direitos sociais e ambientais”.
A dificuldade para evitar a grilagem de terras públicas e a lentidão para concluir a regularização fundiária não sai da cabeça de pequenos produtores quando qualquer proposta de política estatal é oferecida. A estrutura frágil para a fiscalização de Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs), como a Reserva Biológica (Rebio) de Gurupi, é um desalento para quem vive em Carajás.
Tasso Azevedo, do SFB, sublinha que a ampliação de estrutura estatal (de recursos humanos, equipamentos de repressão, etc.) está prevista no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Brasileira (PPCDAM), que conta com a participação da vários órgãos governamentais. “É difícil dar conta de tudo. Não dá para estancar [os problemas] apenas com ações de comando e controle. O ponto-chave é acabar com o estímulo que alimenta o ciclo da grilagem e do desmatamento. Se houver estímulo para fazer o certo, as pessoas não correrão os riscos de fazer o errado”, aposta.
Para o secretário de meio ambiente do Pará, Valmir Ortega, “sem a regularização fundiária é praticamente impossível combater o desmatamento e reduzir a pobreza”. “As populações mais pobres acabam sendo empurradas para novas frentes de expansão da pecuária, da soja e de outras atividades produtivas. Assegurar o direito fundiário e ter maior controle sobre a propriedade da terra são fatores vitais. E isso repercute na região de Carajás face à tensão social instalada e aos conflitos sociais freqüentes”.
O Ministério Público Federal (MPF) mantém esforço especial no sentido de coibir a grilagem de terras. Procuradores conseguiram que o Tribunal de Justiça do Pará bloqueasse os imóveis em 83 municípios do Pará que pertenceram a “Carlos Medeiros”, nome de um personagem fictício utilizado por esquema fraudulento que “grilou” extensas terras devolutas (pertencentes ao Estado).
Desde meados da década de 70 até os anos 90, dois ditos portugueses (Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Souza), dos quais não se têm comprovação de existência, conseguiram registrar centenas de imóveis rurais que foram transmitidos como herança a “Carlos Medeiros”. As terras públicas (do Estado ou da União) que guardavam relação com a figura totalizavam 9 milhões de hectares, algo em torno de 8% do Pará e 1% de todo o território nacional. O esquema incluía o repasse das propriedades de Medeiros a terceiros, alguns deles também fictícios, conforme a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Grilagem de Terras na Amazônia, concluída em 2002 no Congresso Nacional e o MPF apuraram.
Uma das maiores terras griladas pelo fantasma Carlos Medeiros foi a Gleba Carajás, com mais de 942 mil hectares. Próxima ao Rio Gelado e à Floresta Nacional (Flona) de Carajás, a área foi arrecadada pelo Incra em 1973 para fins de reforma agrária e registrada como patrimônio da União no Cartório de Ofício da Comarca de Marabá. Segundo o procurador-chefe do Ministério Público Federal (MPF) em Belém (PA), Felício Pontes Jr., um dos responsáveis pela interdição de terras de “Carlos Medeiros”, a profissionalização dos cartórios nos últimos 20 anos tem sido um fator importante na contenção da grilagem. A atuação do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), que busca aliar políticas fundiárias com ações sociais, também mereceu elogios do procurador.
Para Felício, um dos pontos de deficiência estatal mais críticos está no Incra. Houve intervenção na superintendência do instituto em Santarém, uma das três do estado do Pará. O nível de capacidade operativa do Incra, avalia, não acompanha o crescimento das demandas direcionadas ao órgão.
Especial – Carajás:
O Retrato
Parte 1 – O Ferro
Parte 2 – As Cadeias (Ferro-gusa, Carvão, Gado e Madeira)
As Propostas
Os Desafios