Dom Cappio: Vida pelo Rio São Francisco e por 44 milhões de nordestinos, artigo de Frei Gilvander Moreira
[EcoDebate] O posicionamento da CNBB, de 12/12/2007, expresso na Nota do CONSEP – Conselho de Pastoral da CNBB, integrado pelo Presidente da CNBB, pelo Vice-presidente, pelo Secretário Geral e por outros 10 bispos presidentes de Comissões, expressa a posição mais dura da CNBB em relação ao Governo Lula dos últimos anos. Dá grande apoio a Dom Cappio e à sua causa: a luta contra a Transposição e em defesa da Revitalização do Velho Chico e de um Projeto de Convivência com o semi-árido; revela que a atitude de Dom Cappio desmascara o modelo de desenvolvimento seguido pela elite e pelo governo Lula; justifica a atitude de Dom Cappio como respaldada pelo Documento de Aparecida (A 5o Assembléia dos Bispos da América Latina); ecoa o clamor de Dom Cappio contra a Transposição. E diz, em alto e bom som: “O Governo democrático tem a responsabilidade de interpretar as aspirações da sociedade civil, em vista do bem comum, de oferecer aos cidadãos a possibilidade efetiva de participar nas decisões, de acatar e de respeitar as determinações judiciais, em clima pacífico”. E finalmente, conclama: “Convidamos as comunidades cristãs e pessoas de boa vontade a se unirem em jejum e oração a Dom Luiz Cappio, por sua vida, sua saúde e em solidariedade à causa por ele defendida”.
No livro-Cd: “Maria do Matué: uma estória do rio São Francisco”, de Tavinho Moura, entre tantas reflexões, encontramos: “Existe outro rio, que vive dentro do rio, que não navega, não passa, que mora dentro da gente (…) Sou um braço desse rio, segui minha vida misturada com a dele. É como me arrebata, me carrega na água macia. Sou feita da mesma natureza, acaba que fiquei com temperamento igual, sempre mansa, mas, quase sempre às vezes atrevida que nem ele. Na cheia se derrama na impueira, deixa a terra pronta pra meu uso, se casa com as lagoas, encharca os brejos pra de noite a saparia cantar. As chuvas me remexem, me regem, não consigo ficar indiferente…” (pp. 15-16). “No escuro da noite, em minutos que não se percebe, a gente tem que ter prudência se for beber da água do rio. Tem que espiar o movimento, se ela está na corredeira normal; porque, se estiver tudo parado, o rio está dormindo. Quem sabe logo percebe. É uma folha que cai, um ramo de graveto que pousa, não sai do lugar. Nessa hora, a água não serve para ser bebida. Enquanto dorme, dormem os remansos, cachoeiras, corredeiras, olhos d´água, em sono leve, pequeno. Tudo
pára. Quem acorda o rio fica louco. Esse é o castigo…” (p. 51).
Dom Tomás Balduino, bispo emérito da cidade de Goiás, conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra – CPT – , afirmou: “Há uma belíssima união, que se vai criando e crescendo como uma bola de neve a partir daquelas margens ventiladas do São Francisco. Trata-se da população pobre e devota que se está dirigindo, pressurosa, à capela de São Francisco a fim de tomar a bênção de frei Luís Cappio. Juntamente com esta religiosidade natural daqueles herdeiros do padre Cícero e do Conselheiro está nascendo uma nova consciência por meio de falas, de caminhadas, de atos públicos e de romarias em torno daquele santuário. Ali ouvi reflexões ligando a transposição à maldição. Lembrei-me da reflexão de Leonardo Boff, coirmão de frei Luís: “Transposição da maldição, feita à custa da vida de um bispo santo e evangélico” (JB, 26/6). É dispensável, finalmente, que o presidente Lula dê preferência a 12 milhões, em lugar de atender individualmente ao bispo, como vem declarando, pois o bispo já fez o dom de sua vida pelos 44 milhões de nordestinos e pela vida do Velho Chico. (cf. Jornal Estado de São Paulo, 15/12/2007).
Dom Cappio é um outro profeta Daniel no nosso meio. Com uma pedrinha (jejum e oração permanentes – doação de vida) faz tremer o gigante de pés de barro tocado pelo presidente Lula: projeto neoliberal com assistencialismo social e a maior devastação ambiental da história do Brasil.
Os poderosos têm muito poder, mas não tem a força e a energia espiritual profética de um Dom Cappio, nem a força e a luz divina infinita do amor extremado de frei Luis e do povo que o acompanha. Dá com os burros n’água quem menosprezar esta força da fraqueza.
Dom Cappio, assim como a Ester da Bíblia, pela doação da própria vida, clama: “Lula, concede a vida do meu povo e do rio São Francisco pelo qual te peço” (cf. Ester 7,3). O apóstolo Pedro tentou fazer Jesus desistir de marchar rumo a Jerusalém, onde enfrentaria os poderes religioso, econômico e político, que já vociferavam ameaçando-o de morte (e de ressurreição). Jesus, indignado, pegou Pedro pelo colarinho e, olho no olho, disparou: “Pedro, satanás, afasta-te de mim. Ninguém vai me desviar do caminho da doação da vida para que todos tenham vida e liberdade em abundância.” “Venha para a luta! Não queiram desanimar quem já está na luta!”, teria dito Jesus.
Marta, com lágrimas nos olhos, desabafou para Jesus: “se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11,21). Oxalá não tenhamos que ouvir isso dos familiares de Dom Cappio, que estão carinhosamente o acompanhando lá em Sobradinho: “Se você povo brasileiro tivesse se levantado e se rebelado contra o Governo Federal na defesa do rio São Francisco, do povo e de nosso irmão Dom Cappio, ele não teria morrido. Vocês teriam tido o Natal mais sublime dos últimos 507 anos.”
Frei Gilvander Moreira, Frei Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBs, SAB, CEBI e Via Campesina, colaborador e articulista do EcoDebate. E-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br