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Editorial

Nota do EcoDebate sobre a notícia Rejeitos nucleares não preocupam nos próximos 500 anos

Rejeitos nucleares não preocupam nos próximos 500 anos, diz Eletronuclear

O presidente da Eletronuclear defende a segurança dos rejeitos nucleares. É compreensível que assim seja. Ele já falou diversas vezes que não há preocupações com os rejeitos e defendeu a expansão do programa nuclear, inclusive com usinas no Nordeste do Brasil. De nossa parte, sempre fazemos os mesmos questionamentos, que continuam sem resposta.

A expansão do programa nuclear brasileiro não foi discutida com a sociedade, não foi debatido e não pode ser iniciado pela simples vontade imperial do governo de plantão. Um governo é transitório e passageiro, mas pode cometer erros que perdurem por muito tempo. Centenas de anos no caso da energia nuclear.

Uma usina nuclear no Nordeste é uma bobagem por definição. O nordeste é caracterizado pelo déficit hídrico (evaporação três vezes maior do que a precipitação) e cada gota de água é essencial para a convivência com o semi-árido.

Uma usina nuclear é uma usina termelétrica, que produz energia elétrica em turbinas a vapor, do mesmo modo que uma termelétrica a gás, carvão ou biomassa. E, por incrível que possa parecer à Eletronuclear, demanda muita água para produção do vapor. Uma usina termelétrica nuclear de 1,3 mil MW consome, por dia, o equivalente a uma cidade com 100 mil habitantes. Será que ninguém percebeu que a bacia do São Francisco é uma bacia sob intenso stress hídrico e diante de um cenário de crise crescente em razão de sua impensável degradação?

Ou será que na Eletronuclear ninguém ouviu falar de coisas simples como balanço hídrico, licenciamento ambiental ou outorga? Não há a menor possibilidade de obter a outorga para o consumo de água exigido por uma usina nuclear e até a Eletronuclear deve saber disto. Ou será que é apenas mais uma, dentre inúmeras bravatas anteriores?

O argumento que não precisamos nos preocupar com os rejeitos nucleares pelos próximos 500 anos também é discutível.

Mesmo se consideramos o tal prazo de apenas 500 anos, teríamos que supor que a Eletronuclear continuasse a existir ao longo deste “curto” prazo, que gerenciasse o risco, fizesse a manutenção, etc. Ou seja, cuidasse do resíduo por mais de 4 séculos após o descomissionamento das usinas. Aliás, como é que a Eletronuclear pode garantir o pagamento de royalties, aos municípios a aceitarem os depósitos de resíduos nucleares, séculos após o descomissionamento de uma usina? Ou melhor, quem garante a existência da Eletronuclear por séculos?

Se considerarmos o ciclo de vida do produto (e seus rejeitos) a energia nuclear é “impagável”, porque deveria levar em conta o custo de gerenciamento dos resíduos por milênios após o descomissionamento de uma usina. Ou ninguém pensou nisso?

Aliás, se não existem riscos de acidentes radioativos, por que a sede da Eletronuclear (com toda a sua administração e direção) é no Rio de Janeiro e não em Angra dos Reis, ao lado das usinas, ao alcance dos efeitos de um acidente e submetida ao mesmo procedimento de evacuação que a “simples” população da cidade? É uma questão sem resposta, assim como os resíduos radioativos.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br
coordenador do EcoDebate