Entrevista com Peter Bosch, cientista membro do IPCC: Alguns países terão de pôr a mão no bolso
Entrevista
Peter Bosch: cientista, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)
Produtores de petróleo não evitaram referência a fontes limpas de energia e financiamento para países pobres ficou fora do texto
Andrei Netto, Valência
[O Estado de S.Paulo] O maior esforço científico da história da humanidade para delimitar a amplitude da destruição ambiental causada pelo homem chegou ao fim, ontem, em Valência, na Espanha. Reunidos para selecionar em 23 páginas as informações que, julgam, não podem faltar na mesa de políticos no momento em que tomam decisões, cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) conseguiram fazer mais do que uma compilação: fizeram uma pauta.
É com base nesse documento que serão discutidos, em Bali, na Indonésia, em dezembro, os esforços que governos de países desenvolvidos ou emergentes estão dispostos, ou não, a fazer pela preservação da vida na Terra. Na entrevista a seguir, concedida ao Estado no Auditório Santiago Grisolía, do Museu de Ciências Príncipe Felipe, em Valência, Espanha, Peter Bosch, cientista, membro do IPCC e um dos executivos seniores do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), faz um balanço das discussões, não apenas de Valência, mas também de Paris, Bruxelas e Bangcoc.
A Amazônia foi muito citada nos discursos do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, mas não pelo relatório-síntese do IPCC. Por quê?
O relatório é fruto de interesses oriundos de todo o mundo. É muito difícil priorizarmos áreas específicas de impacto do aquecimento global. O que repetimos no relatório-síntese é o número de áreas que, estimamos, serão impactadas, ou já estão sendo. Tentamos estimular um mapa genérico do que pode acontecer – embora ainda tenhamos esperanças de que esses efeitos não se concretizem.
Por que em Valência os discursos das autoridades, como do secretário-geral da ONU, tiveram um tom político muito mais forte?
Cientistas do IPCC trabalharam para que obtivéssemos um relatório capaz de sustentar novas posições políticas na Conferência do Clima de Bali. As discussões que veremos em Bali se intensificarão até chegarmos a novos mecanismos políticos que nos permitam reduzir os efeitos do aquecimento global. O Protocolo de Kyoto será rediscutido. Será o momento no qual seremos mais específicos quanto aos papéis que cada país, ou grupo de países, vai desempenhar. Nações desenvolvidas, por exemplo, terão de estabelecer metas, mecanismos políticos e econômicos de contenção das emissões de CO2. É isso que estamos vendo Ban Ki-moon dizer ao mundo: o debate fica mais sério.
Como foram as negociações em torno do relatório nesta semana?
Os debates foram mais calmos porque não havia dados novos na mesa. EUA, China, Arábia Saudita e Índia se mostraram mais ativos e enfrentaram o contrapeso dos países da União Européia, que foram os mais progressistas.
Delegados dos EUA voltaram a ser os mais contestadores, não?
As delegações dos EUA estiveram muito focadas em não permitir que os cientistas desenhassem, como direi, um panorama com conclusões avançadas.
Qual é sua avaliação sobre as intervenções da delegação brasileira?
A delegação brasileira se envolveu em várias discussões, algumas relativas a questões mais regionais, mas também no corpo do relatório. O mundo sabe que conter o desmatamento é muito importante para reduzirmos as emissões de gases-estufa. Se de uma maneira ou outra conseguirmos incluir o desmatamento nas discussões políticas, teremos dado um passo.
O jogo de pressões políticas foi um dos temas recorrentes nas reuniões do IPCC. Qual seu balanço geral, após Paris, Bruxelas, Bangcoc e Valência?
Todo o processo é baseado em negociar a fundo as mensagens políticas mais relevantes, porque cientistas escrevem sobre suas constatações, mas não necessariamente destacam os pontos políticos mais importantes. No meu entender, chegamos a um termo muito bom. Claro que houve pontos de grandes debates, quando os países produtores de petróleo se mostravam reticentes em adotar constatações que implicarão em investimentos em fontes de energia mais eficientes. Alguns terão de pôr a mão no bolso. Toda negociação impõe derrotas e talvez eles tenham sido os derrotados nesse ponto. Por outro lado, conseguimos fugir do discurso “Ei, somos países pobres. O que vocês podem fazer por nós?”. Também houve negociações acaloradas quando alguns países insistiram em ressaltar as novas fontes de energia. Mas essa pressão também demonstrava interesses econômicos.
Quem é:
Peter Bosch
Executivo sênior da Unidade de Suporte Técnico do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês)
É membro da Agência Européia do Ambiente (EEA), onde atua no Programa de Análise e Avaliação Integrada, em Copenhagen, Dinamarca
Participou de todas as reuniões do IPCC
(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo O Estado de S.Paulo – 18/11/2007