Trabalhadores rurais são pulverizados por aviões agrícolas que lançam agrotóxicos nas plantações do Vale do Ribeira
Cultivo de banana tem trabalho degradante
Blitz de procuradores e auditores do trabalho no interior de SP também identifica informalidade e riscos ambientais
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
ENVIADAS ESPECIAIS AO VALE DO RIBEIRA
[Folha de S.Paulo] Trabalhadores da maior região produtora de banana do país, o Vale do Ribeira (SP), não têm registro em carteira, não usam equipamentos de proteção, têm de arcar com os custos de suas ferramentas e são até pulverizados por agrotóxicos.
É o que constataram procuradores e auditores fiscais do Trabalho em blitz feita na última quarta-feira em sítios da região de Miracatu (SP), acompanhada pela Folha.
Em outras diligências feitas neste ano na região se verificou ainda que produtores pagam trabalhadores com vales -descontados em mercadinhos da cidade- e os alojam em sítios em condições precárias.
As blitze que ocorreram neste ano e resultaram em 38 autuações por falta de cumprimento da legislação trabalhista são conseqüência de denúncia feita por um trabalhador ao Ministério Público do Trabalho da 15ª Região (Campinas).
“Com as diligências, pudemos verificar que a situação de trabalho na região é mais degradante do que imaginávamos. Além de a informalidade predominar, não há orientação para manipulação de agrotóxicos. Trata-se de dumping social. Como não há perspectivas de trabalho na região, eles se submetem a condições degradantes”, afirma Cláudia Marques de Oliveira, procuradora do Trabalho de Campinas.
Na última quarta-feira, procuradores e fiscais, com o apoio de policiais ambientais de Registro (SP), visitaram dois sítios na região de Miracatu.
A plantação do sítio Taquaruçu, no bairro Barra Funda, de propriedade de Paulo Candido da Silva, foi pulverizada por volta das 10h por um pequeno avião. De perto, parecia um show aéreo, com vôos rasantes, em que o piloto colocava o avião a poucos metros do chão.
Dois empregados do sítio estavam no local, sem se incomodarem com o avião e o “chuvisco químico” que vinha do céu. “Já estou acostumado com isso”, disse Geraldo dos Reis, 40, que trabalha e reside no local há um ano e dois meses.
A poucos quilômetros dali, no sítio Auribe, de propriedade de Alfeu Ribeiro, a fiscalização encontrou trabalhadores sem registro e outros com salário abaixo do piso mínimo no Estado de São Paulo -R$ 410. “Há sonegação de informações. As carteiras de trabalho dos funcionários não espelham o contrato que eles dizem ter feito”, afirma Dimas Moreira da Silva, procurador do Trabalho.
Procedimentos
O MPT informa que abriu procedimento administrativo para avaliar a situação do Vale do Ribeira e orientar produtores e trabalhadores. Uma audiência pública está marcada para dezembro para conscientizar a população e produtores na tentativa de melhorar condições de trabalho e do ambiente. Relatórios serão encaminhados a Cetesb e Ministério Público (estadual e federal).
“Na região, também existem falsas parcerias entre produtor e trabalhador. Os produtores alojam as pessoas, dizem que são parceiros e pagam o que querem. Isso ocorre na maioria dos sítios da região”, diz Silva.
No Vale do Ribeira há cerca de 4.000 pequenos produtores de banana espalhados em 17 municípios, onde trabalham ao menos 28 mil pessoas.
A produção chega a 1 milhão de toneladas, o que equivale a aproximadamente R$ 400 milhões anuais. A área plantada está próxima de 40 mil hectares, segundo dados do Instituto de Economia Agrícola, da secretaria paulista da Agricultura. No Estado, o cultivo da banana só perde para o de cana-de-açúcar e o de laranja.
“É inconcebível que o trabalhador na plantação de banana fique exposto a essa situação irregular”, diz o procurador. “É de longe uma das situações mais degradantes que já presenciamos”, afirma Lucíola Rodrigues Jaime, delegada do Trabalho de São Paulo.
Trabalhador pulverizado
Ao pulverizarem plantações na tentativa de conter doenças que atacam as bananeiras, aviões de empresas agrícolas espalham fungicidas não só sobre trabalhadores e moradores mas também em áreas próximas a córregos e minas de água que abastecem a população.
“Esse veneno vai para as casas. E essa é uma região de nascentes. Precisamos fazer um trabalho conjunto com outros órgãos para verificar se há danos causados ao ambiente. Não sou técnico e ainda não há laudos concluídos, mas a banana que sai daqui pode até estar contaminada”, diz Dimas.
É dessa região que vem a banana vendida em supermercados de São Paulo, Paraná, Rio e Espírito Santo. Pequena parte da produção vai para Paraguai, Uruguai e Argentina.
Um dia após a blitz, os proprietários dos dois sítios -Paulo Candido da Silva e Alfeu Ribeiro- assinaram TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público do Trabalho. Eles se comprometeram a regularizar a situação dos trabalhadores.
Paulo Rogério Moreira de Oliveira, auditor do trabalho da subdelegacia em Santos, que acompanhou a blitz, diz que o Ministério do Trabalho tem de intensificar a fiscalização no local, o que significa manter um fiscal fixo no Vale do Ribeira.
Empregador defende sistema de trabalho
DAS ENVIADAS AO VALE DO RIBEIRA
Um dos donos dos sítios visitados pela fiscalização e pela Folha na última quarta-feira afirma que os trabalhadores preferem receber por comissão do que ter registro em carteira. “Essa é uma forma de eles não terem prejuízo, nem eu. Quem trabalha por comissão nem olho, pois quem faz corpo mole não ganha”, diz Alfeu Ribeiro, dono do sítio Auribe. Se o trabalhador ficar doente ou não puder trabalhar por causa das chuvas, “eu pago e, se se machucar, também pago”.
Ao ser questionado pelos procuradores e fiscais sobre o fato de pagar para parte dos trabalhadores menos do que o salário mínimo paulista (R$ 410), disse: “Não fui ver o piso da categoria”.
Ribeiro afirma que “está difícil” manter os empregados e arcar com os custos do sítio, com 200 mil pés de banana, porque o preço da fruta caiu. Diz que vende a caixa (de 22 quilos) a R$ 4 hoje no mercado, preço muito baixo para manter as despesas de seus sítios -além do Auribe, ele é proprietário de dois sítios na mesma região.
Sobre a pulverização feita com avião sobre a plantação e o trabalhador, disse: “Se fizesse mal, já tinha morrido todo mundo. Todos os sítios fazem isso, senão a bananeira seca e, se secar, não produz. Agrônomos acompanham os produtos usados na pulverização, que faço quatro vezes por ano”.
” Gustavo de Souza Ferreira, engenheiro agrônomo e assistente técnico do gabinete da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, informa que, em setembro (período de entressafra da fruta), o preço médio da caixa da banana nanica era R$ 11,10. Em janeiro, no pico da safra da fruta, o preço médio era R$ 7,20.
“R$ 11,10 por caixa é quanto estava sendo pago aos produtores maiores. Só que os pequenos produtores não têm estrutura. Por essa razão, os atravessadores entram no mercado deles e pagam a metade do preço da caixa, que, algumas vezes, passa a ter até 32 quilos.”
Paulo Candido da Silva, dono do sítio Taquaruçu, diz que não houve tempo hábil para avisar os trabalhadores da pulverização da última quarta-feira. “A empresa não nos avisou a tempo. Estava a dez quilômetros do sítio e não cheguei a tempo de retirar os dois trabalhadores.”
Silva diz que está regularizando a contratação dos trabalhadores do sítio e de uma fábrica de blocos que possui na região. “Abri minha firma há um ano e aos poucos estou me regularizando. A situação dos bananeiros está muito difícil, os encargos, os produtos, tudo encarece.”
Joaquim Fernandes Branco, presidente do sindicato dos produtores rurais de Miracatu, afirma que a entidade está orientando os empregadores a retirar os trabalhadores durante a pulverização, ajudando no treinamento dos que aplicam agrotóxicos na plantação e pedindo que cumpram as normas trabalhistas. “Temos que solucionar o problema. A ordem é para sair da propriedade. Quando ocorre a pulverização, o funcionário tem de se afastar.” (FF e CR)
Agrônomos divergem sobre riscos para os consumidores
DAS ENVIADAS AO VALE DO RIBEIRA
O consumidor pode ou não correr risco ao consumir a banana produzida no Vale do Ribeira? Três agrônomos consultados pela Folha divergem em suas opiniões, mas são unânimes em afirmar que a pulverização tem de seguir regras em relação a sua aplicação, para não causar riscos ao trabalhador e ao ambiente.
Antonio Carlos Avancini, engenheiro agrônomo e subcoordenador do grupo móvel de fiscalização rural da Delegacia Regional do Trabalho em SP, diz estar “chocado” com a forma como a pulverização é feita na região do Vale do Ribeira. “Corre risco o trabalhador, corre risco o ambiente e pode até correr risco o consumidor.”
Avancini afirma que a intoxicação pode não ser “aguda”, mas pode haver risco. “Vamos comunicar a Secretaria da Agricultura e encaminhar nossos relatórios para a Vigilância Sanitária. É preciso avaliar se há resíduos nas frutas e saber qual o nível de contaminação.”
Ele afirma que um dos produtos usados -o inseticida Furadan líquido- deveria ser aplicado nas mudas para combater a praga que atinge a raiz da planta. “Mas encontramos trabalhadores aplicando esse inseticida em plantas com frutos, o que não deveria ocorrer. O tempo de ação desse produto é de cerca de 120 dias.”
Avancini diz que as pulverizações não são proibidas, mas têm restrições. “O receituário agronômico, que determina a quantidade e o tipo de fungicida, informa que não pode haver pulverização em área de 500 metros em torno de moradias e em áreas de manancial.”
Agnaldo José de Oliveira, engenheiro agrônomo da Cati (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, órgão da Secretaria da Agricultura), produtor e presidente da Associação dos Bananicultores do Vale, diz que as plantações da região são pulverizadas de sete a oito vezes por ano, enquanto na Costa Rica e no México são de 40 a 60 aplicações anuais.
“Os EUA, um dos países mais rigorosos com a análise dos alimentos, compram desses países, onde as pulverizações são muito mais freqüentes do que no Brasil”, diz o engenheiro.
Oliveira afirma que a secretaria acompanha os produtos aplicados e que os frutos não oferecem risco. “A pulverização é feita com a mistura de óleo mineral, fungicida e água para conter a sigatoka negra [doença que atinge as folhas]. Toda plantação usa agrotóxicos para conter doenças. Os produtos usados nos bananais são controlados e testados pelos órgãos competentes.”
O que ocorre em parte dos sítios, segundo ele, é o descumprimento da NR-31, norma que estabelece regras para a pulverização -como a que determina que o trabalhador tem de ser avisado com 48 horas de antecedência e retirado das plantações. “A região tem pequenos produtores, que carecem de informação. É preciso orientação para depois haver fiscalização.”
Para o engenheiro agrônomo Roberto Kobori, consultor técnico, o correto é adubar a planta, fazer drenagem e irrigação adequadas para conter o uso de agrotóxicos. “A pulverização é a última fase para conter a sigatoka negra, que, desde 2004, atinge a região.” Diz que é preciso ter avisos e placas com dias e horários da pulverização. “As empresas têm usado defensivos em níveis permitidos. Pode haver abuso com o óleo usado, no afã de economizar, mas não no defensivo.” (CR e FF)
(www.ecodebate.com.br) reportagem especial da Folha de S.Paulo – 04/11/2007