SC: Operação Canadá e o tubarão martelo, artigo de Samantha Buglione
[A Notícia] Qual a relação possível entre a destruição da mata atlântica para plantação de pínus e a morte cruel de uma fêmea de tubarão martelo? Ambos são crimes ambientais e expressam interesses egoístas. O primeiro é crime contra a flora, artigos 38 e 39 da lei 9605/98; o segundo viola os artigos 29 e 32 da mesma lei, que se referem a morte, maus tratos e crueldade com animais.
A morte da fêmea de tubarão mostra a nossa truculência. Mas será que apenas alguns pescadores são truculentos, violentos e insensíveis? Certamente que não. A diferença é que enquanto os criminosos da crueldade testemunhada por muitos cúmplices silenciosos sujam suas mãos, os outros, os criminosos do desmatamento, apenas dão ordens dos seus gabinetes.
O desmatamento da mata atlântica localizado, até agora, em 30 áreas pela Operação Canadá 2 na Serra Catarinense, equivale a 1,2 mil campos de futebol. O dano que isso causa é irreversível. São árvores centenárias que resguardam um ecossistema com uma biodiversidade e riqueza incalculáveis. Talvez seja esse um dos problemas: a dificuldade de alguns em observar valor em algo que não seja passível de ter preço.
São dois os problemas básicos que essas duas histórias da nossa ética do egoísmo moderno evidenciam. O primeiro é a idéia de que o proprietário tem direitos absolutos sobre o que ele considera coisa. A partir do uso retórico de argumentos como desenvolvimento, crescimento, geração de riquezas e empregos, tudo parece se justificar. Ledo engano: o ato é criminoso e a única coisa gerada é dano ambiental. A idéia de que é possível dispor de como e quanto se quer da vida para benefício próprio intoxica, aliena e é um grande equívoco. O problema é que o valor dado ao meio ambiente é estritamente instrumental, ou seja, só vale à medida que beneficia o ser humano, no caso, o proprietário.
É urgente a necessidade de mudança de paradigma. É preciso trocar a ética do egoísmo por uma ética biocêntrica, que reconheça o meio ambiente com um valor em si mesmo, independentemente dos benefícios que trazem ao ser humano. Sei que isso é difícil, afinal, somos antropocêntricos e narcisistas. Mas ou alteramos nossos pressupostos ou não teremos muita chance de repensar a nossa prática no futuro será tarde demais.
No segundo caso, o que se evidencia é o tradicional “marmanjão corajoso”, uma expressão caricata para demonstrar que o ato violento só ocorre contra quem não tem capacidade de se defender. É o mesmo com a farra do boi, com a violência doméstica e por aí vai. Por que o valentão não encaminha suas insatisfações pelas vias corretas? Será por que preferimos a violência à organização e por que essa última dá mais trabalho? Talvez a preguiça explique muita coisa, mas não justifica a crueldade.
Por certo, os pescadores têm suas razões; a situação não é fácil, o pobre peixe estava na hora errada e no lugar errado foi a desforra da violência que os próprios pescadores sofrem. Afinal, são pouco valorizados e estão cada vez mais achatados entre grandes empresas pesqueiras e o fim dos recursos naturais o que decorre da poluição e do aumento das construções. Mas matar um animal em risco de extinção, dando cria, não vai resolver problema algum. Isso é óbvio, todos sabem. Mas aí fica uma outra pergunta: por que ninguém fez nada na hora? Marc Twain (1835 1910), pseudônimo do escritor americano Samuel Longhorne Clemens, disse certa vez que o ser humano é o mais detestável dos animais, por ser o único capaz de causar dor por diversão, com consciência de estar causando dor.
Ambos os crimes evidenciam condutas humanas conscientes marcadas ou pela ganância ou pela crueldade. E ambos geram a morte. Os criminosos, por certo, provocam danos diferentes, mas suas ações, igualmente, geram prejuízo para todos, sejam humanos ou não.
Aquele que, sorrateiramente, achando se muito esperto, destrói florestas, está no nível daquele que mata a pauladas a fêmea de tubarão. E aquele que mata cruelmente um ser vivo autoconsciente e senciente em nada se diferencia do ganancioso, a não ser, talvez, pela conta bancária.
Samantha Buglione
Jurista e professora/buglione@antigona.org.br
(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo A Notícia, SC – 23/10/2007