Resposta da Céleres ao artigo de Jean Marc Von Der Weid, Soja transgênica: tudo contra
Prezado Henrique Cortez,
Com respeito ao artigo do Sr. Jean Marc Von Der Weid “Soja transgênica: tudo contra”, publicado pelo Ecodebate no último dia 06, a Céleres gostaria de fazer algumas observações pontuais:
1. A Céleres é uma empresa de consultoria privada, independente, especializada no acompanhamento dos temas econômicos relacionados ao agronegócio brasileiro. Causa-nos profunda estranheza que o Sr. Jean Marc refira-se à nossa pesquisa “Benefícios econômicos e ambientais da biotecnologia no Brasil” de forma pejorativa, uma vez que a Céleres possui reputação ilibada e é hoje referência em seu setor.
2. Nos últimos anos, a Céleres pesquisou in loco a situação econômica e agronômica da produção da soja tolerante a herbicidas (TH), conhecida comercialmente como soja RR. Avaliamos não só os benefícios econômicos diretos da sua adoção – como a redução de custos – mas também os benefícios indiretos, como a melhora na gestão do tempo das práticas agrícolas.
3. Na safra 2004/05, após visitarmos os seis principais estados produtores, concluímos em campo o que já se especulava: os resultados econômicos da adoção da soja TH eram, ao contrário do que pensa o Sr. Jean Marc, positivos. E comprovamos também que o grau de benefício decrescia na medida em que variedades ilegais eram cultivadas em regiões não adaptadas; no caso, as zonas de produção do Centro-Oeste do País. Isso comprovou que a falta de variedades transgênicas adaptadas a certas regiões trazia, sim, perdas econômicas.
4. Vale ressaltar que, nessa pesquisa, era imperativo que o produtor entrevistado cultivasse tanto a soja convencional quanto a soja TH, para melhor avaliarmos a percepção dos benefícios indiretos. Assim, a Céleres foi pautada por metodologias científicas e críveis, como em todos os seus outros levantamentos.
5. Ao calcular o benefício econômico da adoção da soja TH no Brasil, a Céleres partiu de observações de campo sob as mais diferentes condições de produção que existem no Brasil. Destas observações, chegamos à estimativa de benefício de 2,1 bilhões de dólares acumulados desde a safra 1996/97, quando detectou-se os primeiros campos de soja TH no Brasil. Deste benefício, a maior parcela foi capturada pelo produtor rural (71%), fato que explica a crescente adoção da biotecnologia no Brasil, a despeito da propaganda em contrário.
6. Diante do padrão observado nos demais países que adotam a tecnologia, chegamos ao “potencial” de benefícios econômicos da ordem de US$ 4,6 bilhões. Ou seja, ao contrário do que disse o Sr. Jean Marc, o nosso estudo apontou que o Brasil perdeu por não regularizar com celeridade a adoção da soja TH. No mesmo período, nossa vizinha Argentina foi extremamente beneficiada com a mesma tecnologia.
7. O artigo do Sr. Jean Marc distorce o nosso estudo ao afirmar que consideramos níveis elevados de produtividade de maneira indiscriminada para todo o País. O estudo é claro em afirmar que, devido à ausência de variedades GM adaptadas às diferentes regiões produtoras do país, os níveis de produtividade são irregulares. A partir das nossas observações de campo, constatamos que na região Sul, onde a adaptação das sementes trazidas ilegalmente da Argentina é melhor, o nível de produtividade é equivalente ao das variedades convencionais, em particular o das sementes de “paiol”. Da mesma forma, o estudo mostra que no Centro-Oeste, onde os produtores também trouxeram sementes já replicadas no Sul do país, a produtividade da soja TH era menor do que a observada na cultura convencional: “Para os produtores do Centro-Oeste e Nordeste, o nível dos benefícios quantitativos e qualitativos da adoção da soja GM, foi comprometido pela não disponibilidade de sementes adaptadas, …, ao ponto que na maior parte dos casos observados, o resultado econômico direto com o uso da soja GM era inferior ao da soja convencional.”
8. O Sr. Jean Marc afirma ainda, de forma equivocada, que a Céleres não considerou nenhum ganho de produtividade no cálculo do benefício econômico da adoção da soja TH. Nosso estudo leva em conta, também com base nas nossas observações de campo, uma diferença média de 6,6% na produtividade obtida entre os dois tipos de soja.
9. O artigo também constrói uma intrincada linha de referências para desqualificar as fontes utilizadas no estudo da Céleres. Quanto ao cálculo da PG Economics que aponta uma redução de custos de 73 dólares por hectare com a adoção da soja TH no Brasil, nossas pesquisas de campo constataram que os números da consultoria inglesa são compatíveis com a realidade. Constatamos que, só com a redução no custo com herbicidas, produtores do Paraná e do Rio Grande do Sul reduziram os gastos em mais de 60 dólares por hectare.
10. O Sr. Jean Marc critica também o estudo da Arcádia International, feito entre 2001 e 2002 e publicado em 2003, que aponta uma redução média de US$ 35 por hectare no custo comparativo entre a soja TH e a soja convencional. A Céleres participou desta pesquisa, levantando dados para a Arcádia International no Brasil. O nosso estudo de 2004/05 mais do que validou as observações da entidade belga, apontando uma redução média de 43 dólares por hectare no gasto com herbicida.
11. O ataque às fontes diretas e indiretas de nosso estudo culmina com a crítica à metodologia de um relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), órgão que, de tão preciso e bem-conceituado, é a mais importante referência na formação de preços das commodities agrícolas em todo o mundo.
12. O texto também diz que a Céleres não incluiu nos cálculos o pagamento de royalty à detentora da tecnologia. No nosso estudo de 2004/05, levantamos que a diferença entre o custo direto total do plantio da soja convencional comparado com a soja TH foi de US$ 50,1 por hectare, aí incluso o pagamento dos direitos aos detentores da tecnologia.
13. Por fim, é essencial deixar claro que a Céleres em nenhum momento propõe às autoridades competentes “atropelar” os procedimentos legais existentes no Brasil que tratam da liberação de organismos geneticamente modificados. Entendemos, inclusive, que o Brasil possui uma legislação moderna no tema e que deve ser respeitada a atuação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – que é o órgão científico (e não religioso) responsável pelas avaliações sobre OGMs.
Ademais, as críticas do Sr. Jean Marc às conclusões da Céleres soam fora de lugar e de espaço, considerando que hoje a prova mais contundente dos benefícios econômicos da soja TH está na própria adoção, cada vez maior, dessas variedades pelos agricultores do Brasil e do mundo. De volta ao campo na safra 2006/07, visitamos os mesmos produtores da pesquisa de 2004/05 e observamos que, em vários casos, agricultores que há três anos cultivavam os dois tipos de soja passaram a plantar apenas a soja TH, após comprovarem as vantagens da sua adoção.
Tendo em vista o caráter democrático que sempre caracterizou este veículo de comunicação, contamos com sua compreensão para que esta resposta tenha o mesmo destaque que mereceu o artigo do Sr. Jean Marc.
Atenciosamente,
Anderson Galvão
Sócio diretor da Céleres, empresa de consultoria especializada em agronegócios, baseada em Uberlândia, Minas Gerais. Sócio da Arcádia International (www.arcadia-international.net), empresa especializada em cadeias agroalimentares baseada em Bruxelas, Bélgica.
Engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduado em administração de empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. Atua na área de análise setorial agrícola desde 1996. Implementou e coordenou a área de consultoria agrícola da FNP Consultoria & Comércio de São Paulo.
Ao longo desse período, desenvolveu e coordenou diversos trabalhos relacionados à análise econômica e setorial do Complexo Soja Brasileiro. Teve também, destacada atuação na área de administração de riscos com o uso dos mercados futuros da BM&F e da Chicago Board of Trade.
É membro do board do ISAAA – International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications (www.isaaa.org), atuando na área de biotecnologia.
publicado no EcoDebate.com.br – 18/09/2007