Para apressar as redes de esgotos, por Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Há poucos dias, quando foram divulgados os novos números sobre o programa Bolsa-Família (Estado, 22/8), com 11,1 milhões de famílias e 45,9 milhões de pessoas beneficiadas, mostrou-se também que pouco mais de um terço (36,4%) delas dispõe, em suas casas, de redes coletoras de esgotos; 16% têm fossas sépticas. Ou seja, quase metade não dispõe de meios minimamente adequados para a disposição desses dejetos. E nada menos que 15,7% deles correm a céu aberto nas ruas das cidades.
É espantosa e assustadora essa parcela do quadro total, que mostra (IBGE, 2002) quase 50% dos brasileiros não dispondo de redes coletoras. Mesmo que deles se subtraiam 23,3% que contam com fossas sépticas, ainda se terá um quarto da população do País (cerca de 47,5 milhões de pessoas) sem destinação minimamente adequada para seus esgotos. Quando se passa ao tratamento dos esgotos, o panorama é ainda mais desolador. Apenas um terço dos esgotos coletados passa por alguma forma de tratamento, o que quer dizer que despejamos diariamente nos cursos d’água e no mar quase 9,5 milhões de metros cúbicos, 9,5 bilhões de litros de esgotos sem nenhum tratamento. O governo federal tem dito que a meta é eliminar esse déficit até 2024. Tem sido dito também que serão necessários R$ 180 bilhões – cerca de R$ 10 bilhões por ano. Mas os investimentos governamentais têm ficado muito abaixo – porque não há recursos orçamentários nem financiamentos suficientes.
E, nesse quadro, é paradoxal que se tenha recorrido em tão pequena escala a um formato que tem permitido implantar redes coletoras e estações de tratamento de esgotos com uma redução média de 35% nos custos, mas que pode chegar a 50% dependendo do lugar e das condições. Trata-se do chamado sistema condominial de coleta de esgotos, criado pelo engenheiro sanitarista pernambucano José Carlos Mello Rodrigues e que começou a ser implantado há uns 20 anos em Natal (RN). Hoje já atende a residências de uns 5 milhões de pessoas no País, aí incluídos os Estados da Bahia (Salvador e outras cidades), Pernambuco (Recife, Petrolina) e Pará (Belém).
O Distrito Federal (DF) é o caso mais bem-sucedido. Implantado ali a partir de 1991, por proposta da Secretaria de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, o sistema condominial responde hoje por 48% das ligações domiciliares e 2.362 quilômetros de redes. E 100% dos esgotos dos 93% de domicílios servidos por redes coletoras passam por tratamento, inclusive em lagoas, como mostrou na semana passada uma exposição da empresa local, a Caesb, ao Ministério das Cidades e ao Banco Mundial. Para comparar: na cidade de São Paulo, segundo o ex-superintendente da área na Sabesp, Geraldo Julião dos Santos, há coleta de esgotos em 82,4% dos domicílios e são tratados os que provêm de 58% deles, ou 47,8% do total.
O condominial é uma espécie de ovo de Colombo. No sistema tradicional, a empresa de saneamento implanta a alguns metros de profundidade, sob as vias públicas, as redes coletoras, com manilhas de concreto de largas dimensões cercando cada quadra; em seguida, promove a ligação de cada residência à rede. Um sistema caro e que exige obras de vulto. No condominial, a rede é levada a uma área, mas não cerca cada quadra. Nas quadras, examina-se com os moradores qual a melhor alternativa: passar uma rede localizada de pequenas dimensões pelo fundo dos lotes e aí promover a ligação com cada casa, assim como a ligação da rede local com a geral; ou cercar a quadra pela frente dos lotes apenas com a rede de menor dimensão e ligá-la em um único ponto à rede geral. O condômino paga juntamente com a tarifa do consumo a parte do custo de implantação referente à rede de sua quadra e a ligação de sua casa a ela (o que significa cerca de R$ 8 por mês durante dois a três anos). Amortizado o financiamento, passa a pagar apenas pelo consumo acima de 10 metros cúbicos mensais. Há lugares onde o custo é menor ainda (elimina inclusive a taxa de ligação), em áreas de menor renda, quando os moradores decidem executar, eles mesmos, as obras em sua quadra, supervisionados por técnicos da empresa. E as decisões dos condôminos são soberanas em sua parte do sistema. Das 120 áreas em que foram implantadas novas redes de esgotos no DF, apenas 25 – praticamente todas de renda mais alta – preferiram o sistema convencional, mais caro para a empresa e para eles. Mais impressionante é que a inadimplência é praticamente zero nas áreas de esgoto condominial.
Há resistências ao sistema, da parte de técnicos que temem perda de qualidade (ainda não observada), recebem como críticas a eles as restrições ao sistema tradicional ou acham que o novo caminho exige das pessoas que façam uma parte que caberia aos governos. Também há quem entenda não existirem no País estruturas e técnicos capacitados para gerir o novo sistema. Mas as resistências têm diminuído.
Talvez a questão mais complexa seja a da implantação nas áreas metropolitanas, que concentram 60% da demanda por novas redes coletoras. Aí, onde as redes de muitos municípios são interligadas, é mais complexa a divisão de tarefas e de receitas. Mas têm sido encontradas saídas em alguns locais. Mas em quase todos os lugares é um formato que pode ser aplicado. E que ajudaria muito a viabilizar o enfrentamento do déficit de redes coletoras e estações de tratamento. É difícil aceitar que se continue pensando em levar duas décadas para eliminá-lo. Afinal, as estatísticas, embora precárias, continuam dizendo que 70% das internações de crianças na rede hospitalar pública se devem a doenças veiculadas pela água, assim como 80% das consultas na área pediátrica. Quem contabiliza esse custo e o compara com a ampliação das redes coletoras?
Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo O Estado de S.Paulo – 31/08/2007