Geladeiras e carvoarias, artigo de Sônia Hess
Simplesmente, não há lei que impeça que uma indústria utilize, diariamente, milhares de toneladas de insumos provenientes da destruição de matas nativas
Sônia Hess é professora da UFMS. Artigo enviado pela autora ao “JC e-mail”:
Quem compra uma geladeira, um carro, um fogão, ou qualquer outro item contendo ferro em sua composição, não sabe que, provavelmente, está contribuindo para a destruição das árvores do Pantanal, do Cerrado ou da Amazônia.
Sim, por incrível que possa parecer para a maioria das pessoas, um grande número de indústrias siderúrgicas instaladas em MS, MG e Carajás (Pará), no processo em que o minério de ferro é convertido em ferro-gusa ou aço, utiliza como insumo o carvão vegetal proveniente da devastação de matas nativas na proporção de, pelo menos, 01 tonelada de árvores para cada tonelada de ferro produzida.
Nos últimos três anos, o mercado mundial de aço se aqueceu muito devido ao repentino e extraordinário crescimento dos mercados chinês e indiano, principalmente.
Portanto, mais do que nunca, as indústrias siderúrgicas estão investindo na expansão da produção, atuando como promotores do desmatamento em áreas que ainda têm matas nativas.
Por exemplo, em abril de 2007 foi inaugurada em Campo Grande/MS, uma siderúrgica (Sideruna) que, de acordo com dados fornecidos no EIA/Rima, consome mais de 1.000 toneladas ao dia de árvores nativas na forma de carvão.
Em entrevista concedida recentemente a um jornal local, o diretor desta empresa declarou que a indústria migrou de MG para o MS para baratear os custos ao se instalar na região próxima de onde, há anos, tem obtido a matéria-prima de que necessita.
Ele só não declarou que o insumo de que estava falando é o carvão vegetal proveniente das carvoarias que consomem árvores do cerrado e do pantanal de MS, Estado que tradicionalmente tem exportado 2/3 da produção total deste insumo para manter siderúrgicas de MG.
Além da Sideruna, em MS há outras duas grandes siderúrgicas em funcionamento (uma em Aquidauana e outra em Ribas do Rio Pardo (Vetorial)), além da siderúrgica MMX, que em breve deverá ser inaugurada em Corumbá, coração do Pantanal.
Todas estas indústrias utilizam carvão de matas nativas na proporção de centenas ou milhares de toneladas ao dia, e foram licenciadas pelo órgão ambiental de MS para funcionarem desta forma.
Simplesmente, não há lei que impeça que uma indústria utilize, diariamente, milhares de toneladas de insumos provenientes da destruição de matas nativas.
O código florestal brasileiro, lei 4.771, de 1965, no artigo 21 estabelece que “as empresas siderúrgicas, de transporte e outras, à base de carvão vegetal, lenha ou outra matéria-prima vegetal, são obrigadas a manter florestas próprias para exploração racional ou formar, diretamente ou por intermédio de empreendimentos dos quais participem, florestas destinadas ao seu suprimento. Parágrafo Único. A autoridade competente fixará para cada empresa o prazo que lhe é facultado para atender ao disposto neste artigo, dentro dos limites de 5 a 10 anos”.
Ou seja, pela legislação ainda vigente, somente depois de 10 anos de funcionamento, a indústria poderá ser punida por consumir carvão de matas nativas, como foi o caso da Sideruna e das siderúrgicas de Carajás, que em janeiro de 2006 foram multadas, respectivamente, em 23 milhões e 500 milhões de reais.
Os fatos descritos acima podem explicar, em grande parte, por que o Brasil é o quarto emissor de carbono do mundo, sendo que 75% deste provém de desmatamentos. Se nada for feito, em breve não estaremos mais figurando nesta vergonhosa posição, meramente, porque as florestas terão acabado.
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Jornal da Ciência, SBPC, JC e-mail 3322, de 07 de Agosto de 2007.
boa sonia, usarei no meu trabalho
Usei seu artigo em uma aula.