As CEBs e a construção do poder popular, por Delze dos Santos e Frei Gilvander Moreira
[EcoDebate] De 26 a 29 de julho de 2007, integramos a locomotiva do 5º Encontro Mineiro das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs –, em Uberlândia, Minas Gerais. Recebemos da Coordenação Estadual a difícil e gratificante tarefa de participar da assessoria do encontro(1) , que teve como tema “CEBs, ECOLOGIA E MISSÃO” e como lema “na construção de uma sociedade sustentável a serviço da vida.” Agora, é hora de arriscar acerca do papel e, principalmente, das possibilidades das CEBs, nos dias atuais, como construtoras do poder popular, uma vez que são um jeito tão antigo e tão atual de viver em comunidade sendo luz, sal e fermento na sociedade, unindo o que não pode ser separado: fé e vida.
O já consagrado método nos encontros de CEBs – VER, JULGAR, AGIR e CELEBRAR – é imprescindível, pois o Encontro não vale só pela reflexão e estudo dos assuntos abordados. O êxito está no conjunto de celebrações, na partilha de experiências, na convivência dos participantes entre si e com as famílias que acolhem graciosamente em suas casas e corações, na reflexão em pequenos grupos, nas tendas de troca de saberes, na fila do povo, nos plenarinhos e na Grande Plenária.
Os frutos colhidos são muitos, alguns já colocados na cesta durante o encontro. Dentre eles a alegria de todos os participantes, o prazer do reencontro, a criatividade na mística experimentada nas inesquecíveis celebrações e nas diversas expressões da arte e da cultura popular. Quanta Sabedoria! “Que sabedoria é essa que vem do meu povo…!”, irrompia com freqüência espontaneamente de nossos corações ao vermos a beleza e a profundidade de tantos testemunhos de vida doada e comprometida com a construção do Reino de Deus no nosso meio, o que passa por uma sociedade sustentável. Os pobres que participam das CEBs fazem milagres. Fazem muito com tão pouco, a partir da esperança que brota da solidariedade de tantas famílias, do trabalho voluntário dos cristãos/ãs na comunidade e na sociedade. Realmente, os participantes das CEBs são fermento e luz na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. “Deixe o povo trabalhar!”, deveria ser o slogan dos governantes.
Outros frutos somente serão reconhecidos com o tempo. Sementes férteis de um projeto libertador foram semeadas na terra adubada pelos 600 participantes do 5o Encontro Mineiro das CEBs, no Triângulo mineiro e nos corações das centenas de pessoas e famílias que, direta ou indiretamente, participaram do Encontro. Neste encontro, chamaram a nossa atenção vários pontos. Gostaríamos de destacar dois: a) a presença e participação marcante de tantos jovens; b) a dificuldade na análise atual da conjuntura.
Vimos jovens alegres, cheios de vida, responsáveis, engajados, conscientes do que foram fazer ali, marcaram presença e participaram ativamente. Aceitaram de peito aberto o desafio de ser vida nova em meio a tantas experiências. Não rotularam, não refutaram. Contrariamente, ouviram, alegraram todos os ambientes e colocaram-se à disposição. Aceitaram de bom coração a missão construída a muitas mãos em um rico mutirão na diversidade das cores, das percepções, dos desejos e dos desafios. “Deixa-me ser jovem, não me impeça de lutar…”, cantarolavam. Traziam no peito o que diz a música de Leon Gieco Raul Elwanger “Eu só peço a Deus / Que a injustiça não se seja indiferente … Que a guerra não se seja indiferente … Que a mentira não se seja indiferente … Que o futuro não se seja indiferente / Sem ter que fugir desenganado / Pra viver uma cultura diferente.” Tiraram como missão a continuidade do trabalho de base na articulação de novos jovens para serem protagonistas nas CEBs e nos movimentos sociais.
Também foi semente boa, mas desafiadora a percepção da dificuldade na análise da atual conjuntura. Vários militantes do Partido dos Trabalhadores, pessoas de trajetória histórica nas CEBs, participaram com entusiasmo do encontro. Ainda continuam acreditando que é possível resgatar Lula e o PT para retomar os princípios originais que levaram à organização do partido. Os pontos mais polêmicos foram as críticas à política econômica do governo e à política social. Se por um lado o Governo dá um pouquinho aos pobres, como é o caso da Bolsa Família ou do PRONAF (2) , que apóia a Agricultura Familiar, por outro, permite uma acumulação de riquezas absurda, principalmente para os banqueiros e para as multinacionais que nunca lucraram tanto dinheiro no Brasil como agora. Basta ver como aumentou o faturamento das mineradoras e das exportadoras de grãos, todas empresas exportadoras de produtos primários que perpetuam o país na condição de colônia.
Receberam críticas veementes também as políticas do PAC, na verdade um Plano de Aceleração do Crescimento das empresas, mas não do povo. Entre eles os projetos de Transposição das águas do Rio São Francisco e o da construção de novas barragens para a geração de energia. Todos eles mega projetos econômicos voltados para os interesses de uma minoria que se beneficia do progresso capitalista, mas que causam enormes e irreversíveis impactos ambientais, agride as raízes culturais e sociais de grandes populações.
A política dos chamados agrocombustíveis, o novo canto da sereia, foi denunciada como necrocombustíveis, isto é, combustíveis de morte. As imensas monoculturas de cana-de-açúcar e eucaliptos irão se somar às outras monoculturas que lembram a triste escravidão do Brasil colonial do século XVII. Além da indesejável concentração de terras em poucas mãos, impedem a política de reforma agrária, beneficiam os grandes capitalistas do ramo com os investimentos públicos, geram trabalho análogo ao trabalho escravo e causam enorme poluição e desertificação. Além disso, exercem pressão sobre áreas preservadas como a Amazônia, elevam o preço dos alimentos, vez que ocupam o território hoje destinados à produção de alimentos para o consumo interno. A política do etanol contribui no fortalecimento de um modelo de sociedade excludente que prioriza o transporte individual em detrimento de melhoria no transporte coletivo e na reforma das políticas urbanísticas brasileiras.
Além das denúncias, acima mencionadas, dentre outras, expressas em uma NOTA DE REPÚDIO a várias injustiças em curso no Brasil, assumimos os seguintes compromissos:
1 – Contribuir na formação coletiva de uma consciência crítica da realidade para a construção do projeto do povo de Deus. Ajudar na organização das Comunidades Eclesiais de Base vivenciando a dimensão econômico-política da fé cristã à luz de uma espiritualidade libertadora e da Palavra de Deus, lida e vivida, na Bíblia e na realidade, em perspectiva comunitária, popular, transformadora e militante;
2 – Transformar a realidade, contribuindo na mobilização popular para a definição das políticas públicas includentes, com respeito às diversidades culturais, à preservação e valorização da cultura e da arte popular, Patrimônio da Humanidade.
3 – Participar ativamente da Reforma Política, de modo a fortalecer a Soberania Popular e a Democracia Participativa, formando lideranças para os movimentos sociais;
4 – Defender a ética na política e lutar contra o populismo;
5 – Lutar contra a Transposição das águas do Rio São Francisco e apoiar as lutas por Reforma Agrária, contra as monoculturas, o latifúndio e em prol da Agricultura Familiar, resgatando as vivências das pequenas comunidades organizadas no âmbito da partilha, da produção agroecológica e da Economia Popular solidária;
6 – Defender as políticas econômicas que criem oportunidades de trabalho e renda para a maioria da população e com atenção especial aos jovens pobres;
7 – Apoiar o Plebiscito Popular pela Reestatização/Anulação do leilão de venda da Companhia Vale do Rio Doce.
8 – Continuar a luta para que o Projeto de Lei de Iniciativa Popular Dom Luciano Mendes seja aprovado na Assembléia Legislativa de Minas, projeto que visa à isenção de 100 quilowatts de energia para as famílias pobres e a redução do preço da tarifa de energia para as famílias;
9 – Valorizar, afirmar e lutar pelos Direitos Humanos, inclusive os sociais e ambientais.
10 – Viver de forma simples e em consonância com o projeto de uma sociedade sustentável, não caindo na tentação do império do consumismo. Separar nas casas o lixo seco para reciclagem e o molhado para compostagem, organizando nas paróquias ações de educação ambiental e reciclagem;
11 – Acompanhar as ações do Conselho de Desenvolvimento do Meio Ambiente – CODEMA – em cada município;
12 – Preservar as nossas identidades na luta pela democratização da comunicação sadia valorizando a comunicação alternativa e comunitária.
Por tudo isso, só podemos concluir que os desafios são muitos. Sabe-se que nas CEBs, e nos encontros de CEBs, são formadas as diversas lideranças capazes de continuar essa difícil caminhada que é a construção de uma efetiva soberania popular no Brasil. Construir o poder popular como saída para a falência e o enfraquecimento da democracia representativa e das instituições. Basta ver os últimos acontecimentos envolvendo parlamentares, juízes, administradores públicos.
As CEBs são por excelência o lócus onde encontram-se as lideranças cristãs dos diversos movimentos sociais. É espaço fraterno de reconhecimento das diferenças que, muito antes de serem empecilho, são valorizadas como riqueza de um povo. As CEBs, não apenas terão futuro, é a Igreja que não terá futuro sem a CEBs. Voltamos para as nossas comunidades para tocar pra frente os compromissos assumidos. Amém, aleluia, axé, auerê, uai!
(1)Ao lado de Padre Nelito, Marcelo Resende, José Martins e Neli de Almeida, dentre outros.
(2) Programa Nacional de Agricultura Familiar.
Delze participa da Rede Nacional dos Advogados Populares – RENAP, é professora de Direito Agrário e Constitucional na Escola Superior Dom Hélder Câmara, em Belo Horizonte. E-mail: delzesantos@hotmail.com
Gilvander é assessor de CEBs, mestre em Exegese Bíblica; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
publicado pelo EcoDebate.com.br – 05/08/2007