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Zoneamento para inglês ver, artigo de Carlos Tautz

[Blog do Noblat] É boa a decisão governamental de realizar, até 2008, um zoneamento agrícola de todo o território nacional, para impedir a plantação da cana de açúcar no pantanal e na amazônia. Porém, apesar de acertada, a decisão é amplamente insuficiente.

Primeiro, porque não é apenas a monocultura da cana que ameaça biomas importantes. O eucalipto para produção de celulose de exportação é outra dor de cabeça, dos pampas do Rio Grande do Sul aos resquícios de Mata Atlântica no Espírito Santo e sul da Bahia. Tudo com o vasto apoio governamental a esta monocultura, desde as pesquisas da Embrapa à disponibilidade de crédito a taxas amigas no Banco do Brasil e no BNDES.

Além disso, não basta, apenas, proibir o plantio da cana. A produção em escala industrial de soja, de milho e de gado avança sem controle sobre o cerrado, o pantanal e a região amazônica porque as terras mais próximas dos grandes centros de consumo, no sudeste, já foram tomadas pela cana, em um nítido retorno da economia brasileira à época dos grandes canaviais concentradores de renda e grandes produtores de mão de obra precarizada nas suas relações de trabalho.

Também preocupam as motivações para a realização do zoneamento. Como admitiu o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, o governo deseja evitar que o álcool brasileiro receba a pecha de destruidor de ecossistemas importantes – como, aliás, já vêm fazendo importadores europeus. Alguns deles chegam a disseminar na mídia o termo “necrocombustíveis”, em alusão ao simpático prefixo bio (vida) aplicado pelos brasileiros aos biocombustíveis.

Preocupa a prioridade que o governo dá ao aspecto comercial do álcool, sem ter demonstrado tamanha dedicação em solucionar o rol de problemas que a produção em larguíssima escala do álcool está causando no Brasil. Tudo indica que o zoneamento será, literalmente, para inglês ver. Aqui no mundo real os problemas sociais causados pela monocultura da cana se refinaram e se disfarçaram, mas se mantêm, em essência, os mesmos do século 17, quando começou o ciclo da cana de açúcar.

Como denunciam entidades ambientalistas, sindicais e até o Fundacentro, o centro de pesquisas em medicina e segurança do Ministério do Trabalho, a disparada da demanda pelo álcool no mercado internacional tem sido atendida às custas de uma maior exploração da mão de obra, que ainda se relaciona com os canavieiros de forma semelhante à quatro séculos.

Mesmo uma hipotética a formalização de todo esse mercado, onde a ampla maioria dos empregos é precária, não seria suficiente para fazer justiça com as centenas de milhares de trabalhadores que têm vida útil para o trabalho diminuída sensivelmente.

A rentabilidade do álcool está tão alta que vale à pena para os empregadores arcarem com os custos da formalização. Sinal dessa valorização do etanol é o interesse massivo que o negócio da produção de álcool no Brasil está despertando até em capitais hoje investidos em setores de altíssima taxa de retorno. É isso que explica o interesse de empresas como a Microsoft e do megaespeculador internacional George Soros, que já anunciaram a decisão de aplicar várias centenas de milhões de dólares no setor de agrocombustíveis.

Certamente a chegada desses capitais dará um ar de modernidade à monocultura, mas espanta que o governo não apresente soluções complexas e custosas, como o zoneamento, para o fato de que na maioria das vezes os cortadores de cana trabalham por produção – o que os leva aos limites do esforço físico para conseguir remuneração maior.

A situação é muito grave mas pode piorar. Já está em estudo a utilização de cana transgênica, mais leve do que a convencional porque consome menos água, que exigirá mais esforço dos cortadores para alcançar suas cotas diárias. E tudo – anotem aí! – será justificado pelo discursos do marketing verde, que atribuirá à cana geneticamente modificada maravilhas tecnoecologógicas que esconderão as relações de trabalho escravagistas do setor.

Carlos Tautz é jornalista
Enviado por Carlos Tautz – 24.7.2007| 0h24m

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Blog do Noblat – 24/07/2007