EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Angra 3: Decisão polêmica, artigo de Heitor Scalambrini Costa

[EcoDebate] Em toda a discussão atual sobre energia no Brasil, se fala sempre na ameaça dos apagões frente ao crescimento econômico anunciado. Nem o governo, nem as autoridades do setor energético, nem os responsáveis pela administração do setor elétrico brasileiro, nem os distribuidores falam uma só palavra sobre economia de energia, racionalização do gasto de energia, eficiência, manutenção, modernização.

Somente obras novas parecem interessar e serem capazes de gerar energia. Cada vez é mais comum ouvir declarações governamentais e de “técnicos” de empresas estatais e privadas demonstrando desprezo pelas energias renováveis e mesmo uma certa dose de ignorância sobre o debate energético contemporâneo. Apesar destas declarações preconceituosas, as energias renováveis podem contribuir para a solução do problema energético do Brasil, isto é, elas podem sim atender a uma boa parcela das necessidades e demandas futuras por energia, diversificando e complementando a matriz elétrica. Ao estabilizar em torno de 70% de energia hídrica, os outros 30% podem ser perfeitamente adicionados por fontes renováveis, especialmente biomassa, PCH´s (Pequenas Centrais Hidrelétricas), eólica e solar – que nem foi incluída no PROINFA (Programa de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia). Programa este criado para estimular as fontes alternativas de energia e que em cinco anos não realizou nem 40% das suas metas originais – relativamente banais, diga-se de passagem – de conseguir gerar 3.300 MW de eletricidade a partir de biomassa, eólica e hídrica (PCH´s).

Mas apesar das vantagens comparativas destas fontes renováveis de energia, o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) aprovou, na reunião do dia 25/06 último, a construção da usina nuclear de Angra 3, com capacidade para gerar 1.350 MW (megawatts). A decisão prevê o reinício desta obra – paralisada desde 1986 – ainda este ano. Esta construção demandará investimentos da ordem de R$ 7,2 bilhões em cinco anos e meio.

De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2006-2015, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), o objetivo é que a nova usina entre em operação já a partir de 2012. Além disso, outros estudos do MME prevêem a construção de mais quatro usinas nucleares no país até 2030. Enquanto vários paises do mundo avançam com políticas no sentido de abandonar a energia nuclear como fonte energética, o Brasil marcha na direção contrária.

As justificativas para a construção de novas centrais núcleoelétricas dizem respeito a aumentar a participação da energia nuclear como fonte de energia elétrica, diversificando assim a matriz energética nacional, passando dos atuais 2,4% para 5% em 2030. Fala-se também na necessidade de atender a demanda projetada de energia para os próximos anos, com base no crescimento econômico indicado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Na verdade, o que predominou esta decisão foi à lógica dos grandes grupos econômicos e uma parte do executivo federal, todos favoráveis à retomada deste tipo de geração no país. Ou seja, são favoráveis a estas medidas os militares, fascinados pelo poder que a energia nuclear lhes traz; uma parcela dos cientistas, orientados pelo prestígio e pelas novas oportunidades de pesquisa e de participação no processo de gestão; os fornecedores de equipamentos e as empreiteiras, por motivos óbvios; parte da população de Angra, seduzida em audiências públicas pela perspectiva de criação de novos empregos e pelos acenos de pagamento de royalties ao município; além de governos estrangeiros.

O povo, como se vê, não opinou diretamente, nem conseguiu demonstrar força como um grupo de interesse importante. Não se fez um referendo popular sequer. Nada. O Congresso não foi consultado. Nenhum candidato à presidência colocou a questão nuclear em sua plataforma eleitoral. Uma parcela da população de Angra entra na história como um grupo de interesse específico e reduzido, e não como amostragem de uma opinião pública nacional. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) se opôs em nome dos “interesses difusos” do povo, mas quem garante que o MMA representa e defende alguma opinião pública autônoma sendo parte integrante do governo?

Nada disso é novidade. Os programas nucleares foram sempre implantados em segredo de Estado. Portanto não se deixe enganar por falsos argumentos e programas não transparentes.

Heitor Scalambrini Costa, Professor da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, é colaborador e articulista do EcoDebate

in www.EcoDebate.com.br – 30/06/2007