Angra 3: Energia polêmica, artigo de Míriam Leitão
[O Globo] Existem algumas razões para se pensar em terminar Angra 3, mas não é certamente a que afirmou o ministro interino de Minas e Energia: “A alternativa mais barata.” Usina nuclear é sempre cara, mas o Brasil conseguiu se meter numa situação com Angra 3 em que não há saída sem custo: não fazer a usina custa dinheiro, fazê-la também.
A obra de Angra 3 começou no meio de grande controvérsia, já no fim do governo militar, quando uma CPI mostrou os vários erros do processo, dos acordos e da opção nuclear. Mesmo assim, foi feito o buraco de início da construção e alguns equipamentos foram comprados. Depois tudo foi paralisado, e o país tem tido, desde então, um custo interminável com a manutenção dos equipamentos. Aí existem dois caminhos: lançar tudo no prejuízo, ou ir em frente. O governo decidiu agora concluir a obra.
Há grandes sonhos nucleares por trás desse primeiro passo. No governo, existem defensores de se voltar ao sonho geiselista de ter dez usinas dessas. Menos de 24 horas depois de anunciada a retomada de Angra 3, a Empresa de Pesquisa Energética, no Plano Nacional de Energia para 2030, considerou a construção de outras 4 usinas nucleares de 1.000MW.
A maior das vilãs dos ambientalistas voltou a conquistar alguns verdes pela descoberta de que, em sua operação, não há emissão de CO. Ótimo para esta época de aquecimento global. Por outro lado, nunca foi resolvido o que fazer com o lixo que não seja a injusta idéia de deixar o problema para as próximas gerações. No Brasil, a mudança climática levanta outra dúvida: será que uma usina nuclear à beira-mar plantada é a alternativa em época de elevação do nível do mar? Os estudiosos terão que pôr mais esse detalhe nas considerações finais antes de reiniciar a obra.
Questão importante neste momento em que está sendo renegociado o acordo nuclear com a Alemanha, como mostrei aqui, é a natureza da relação entre os dois países nesta área. Pelo acordo original, ainda não alterado no rascunho do novo e nas notas técnicas, há uma excessiva dependência da Alemanha. Ela controla detalhes-chaves que eternizam a dependência. Se isso já era ruim nos anos 70, pior agora quando a Alemanha já está implementando o plano de sair da energia nuclear: vendeu empresas de tecnologia e de equipamentos e programa o fim lento das atuais usinas. Hoje o poder foi para a França.
Defensores da energia nuclear alegam que os 1.300MW são energia firme, já que não dependem de vazão do rio, safra da cana ou temporada de ventos. Pode-se aceitar como verdade se a gente esquecer as inúmeras vezes em que o funcionamento das outras usinas foi interrompido pelos mais variados problemas. É fato que Angra 1 tem uma tecnologia diferente da de Angra 2 e da que terá Angra 3, se for construída, mas a experiência brasileira mostra que ela não é tão firme assim.
O Conselho Nacional de Política Energética está seguindo um diagnóstico errado feito pelo governo de que, se há algum problema com as hidrelétricas do Rio Madeira, as únicas saídas são térmicas a carvão ou nuclear. Há várias opções. Na segunda-feira, o “Valor” publicou uma reportagem mostrando que o uso do bagaço da cana pode produzir de 7 mil a 8 mil MW, o que equivale de 5 a 6 Angra 3, ou duas usinas do Rio Madeira. Segundo a reportagem, as novas usinas que estão sendo construídas já embutem em seu planejamento a caldeira de maior pressão para transformar o bagaço no terceiro negócio da usina, além do açúcar e do álcool.
Não há energia sem controvérsia, mas a nuclear, pelo poder destruidor que tem qualquer vazamento, merece ser retomada depois de uma discussão mais ampla do que a feita apenas com dez pessoas do CNPE. Pode ser uma boa opção, vai na direção da diversidade de fontes que reduzam o risco de escassez, mas é tão polêmica que exige que se ouçam os especialistas no assunto.
Tudo tem sido feito de forma pouco clara. A negociação com a Alemanha precisa de mais transparência, até porque uma das cláusulas estabelece que o acordo entre em vigor tão logo seja assinado; afinal é renegociação de acordo antigo.
O que o setor de energia do Brasil precisa é de: primeiro, acabar com as interinidades, as vacâncias na direção do ministério e das estatais; segundo, que essa ocupação não seja política e, sim, de conhecedores do tema que ajudem a pensar o longo prazo; terceiro, que se abandone de vez a estreiteza das análises e o reducionismo das opções que favorecem os lobbies e prejudicam o país.
A equação energética mudou e vai continuar mudando. Mudou tanto que pode até estar reabilitando a opção nuclear, mas é preciso não ter a afoiteza que um dia tiveram os militares naquele programa que deu com os burros n”água.
Há vários pontos desta complexa questão a serem revisitados. É preciso lembrar que, para implementar as usinas nucleares, ainda faltam recursos e meios de fiscalização adequados. Há também uma incompatibilidade regulatória: a Comissão Nacional de Energia Nuclear tem poder de gestão e, ao mesmo tempo, de regulação. São questões que têm que estar separadas. Há até uma dúvida preliminar: vai ser feita outra licitação ou vale a mesma feita há mais de duas décadas para a construção da usina? A decisão de Angra 3 foi tomada numa reunião rápida, mas implementá-la não é trivial.
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado no O Globo, Painel Econômico – 27/06/2007