A Era do Óleo Vegetal Combustível, por Ana Echevenguá
[EcoDebate] O IPCC (Intergovernamental Panel on Climate Change, ou Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), criado pela ONU, apresentou dados sobre as conseqüências nefastas do aquecimento global aos seres vivos. E os combustíveis fósseis são apontados como os grandes responsáveis pelas tragédias que já vivenciamos: seca, temperaturas altas em alguns pontos do planeta, degelo, ciclones…
No documento “Visão para 2030”, a União Européia pretende contar, daqui a 23 anos, com um quarto de seu sistema de transporte circulando com combustíveis não-fósseis. Os 27 países objetivam reduzir em até 20% as suas emissões de gases de efeito estufa, com o auxílio dos biocombustíveis. Inicialmente, estabeleceram uma meta de uso de 5,75% de etanol na frota de veículos até 2010.
O presidente George W. Bush, ao visitar o Brasil, deu início a negociações para importar, em grande escala, etanol e biodiesel aqui produzidos.
No Brasil, fala-se que mais de US$ 20 bilhões serão investidos, até 2010, na produção brasileira de cana, de etanol e de biodiesel. Governo e empresas privadas sonham em garantir a demanda crescente e o suprimento dos biocombustíveis nos mercados nacional e internacional.
Dados do Banco Central mostram que, em 2006, o setor de agroenergia recebeu US$ 3,5 bilhões, o que o qualifica como o setor mais importante e dinâmico da economia brasileira.
A mídia brasileira só fala sobre as benesses do biodiesel. E do etanol, um produto essencialmente brasileiro, produzido aqui com a melhor (e mais barata) tecnologia do mundo. Não se fala em trabalho escravo, em queimadas e em outras ilegalidades praticadas no cultivo da cana.
Como se não existissem outros biocombustíveis no mercado!
Gente, no Brasil, desde 1997, está em vigor a Lei no. 9.478 que dispõe sobre a política energética nacional. E um de seus objetivos é “incrementar, em bases econômicas, sociais e ambientais, a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional” – art. 1º., inciso XII. Leram? A Lei fala em “biocombustíveis” e não somente biodiesel ou etanol, que são alguns dos biocombustíveis existentes no mercado.
Mas, já que moramos num país tropical, “abençoado por Deus e bonito por natureza”, nem tudo está perdido! Tem muita gente boa querendo incrementar a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional. Hernani Sá, por exemplo, um engenheiro químico que mora na Bahia, ‘Terra da Felicidade’; ele é enfático ao afirmar que “os óleos e gorduras podem substituir todos os derivados do petróleo e não apenas o óleo diesel”. Por quê? Porque, segundo ele, “essas substâncias – de origem vegetal e animal – têm semelhança com o petróleo líquido (mas são mais puras), e podem ser produzidas indefinidamente, ao contrário do petróleo fóssil, que foi formado entre 20 e 200 milhões de anos, e não se faz mais. Acabou”. Até mesmo o óleo deteriorado pode ser usado como substituto do óleo diesel.
Hernani é o autor do trabalho publicado em 1979 na revista do INT –‘Diagnóstico da utilização dos Óleos Vegetais como combustíveis e lubrificantes’ e responsável pela demonstração prática da sua utilização em motores estacionários e veiculares de 1979 a 1980. Este Pró-óleo apresentou experiências bem sucedidas em frotas de ônibus e de caminhões. Porém o projeto foi abortado em meados de 1982. Provavelmente porque afetou os interesses dos que enriqueceram com o petróleo. Este fato levou nosso Hernani a partir para a Bahia, articular com diversas instituições e lançar, em 1984, o projeto revolucionário denominado ‘Dendiesel’, com grande repercussão na imprensa. (Novamente, sem grandes explicações técnicas, o governo federal deu um basta a esta iniciativa pioneira porque – de igual sorte – contrariava interesses dos sustentados pelo consumo dos combustíveis fósseis).
“A nossa arma secreta é o dendiesel, porque a tendência de preço é aumentar conforme as dificuldades que o mundo vai atravessar. É uma pena não termos interesse em expandir a plantação de dendê. Felizmente temos área agricultável, e muita; precisamos de cerca de 25 milhões de hectares para substituir todo o petróleo, e dispomos de mais de 100 milhões”. Hernani não desistiu da luta!
Iniciativas como esta nos levam a crer que, em breve, ingressaremos na Era do Óleo Vegetal!!! Se há cada vez mais adeptos do uso desse produto, chegou a hora de todos os projetos que envolvem esse produto saírem das gavetas. E de serem adaptados ao Brasil do Século XXI, num trabalho multidisciplinar, com especial envolvimento da agricultura e da pesquisa tecnológica.
Basta vontade política para tanto! O governo precisa parar de falar (e investir) tanto em biodiesel e começar a promover a substituição de óleos combustíveis fósseis pelos demais biocombustíveis previstos na nossa matriz energética. Para tanto, deve envolver alguns segmentos da sociedade:
1. o produtor rural deve ser incentivado a, em sua propriedade:
– plantar oleoginosas,
– extrair o óleo dessa plantação
– e usá-lo como combustível em seus motores. Para isso, bastam apenas algumas adaptações, simples e baratas.
2. a indústria automobilística precisa produzir veículos com motores que utilizem outras energias renováveis como o óleo vegetal e o biogás. O motor Elsbett é um bom exemplo: o modelo alemão funciona com óleo in natura e óleo diesel também. O motor Diesel convencional permite o acréscimo de 20% de óleo vegetal ao óleo diesel sem maiores complicações. E, se adaptado, pode circular com 100% de óleo vegetal. Exatamente igual ao conceito da transformação do motor a gasolina para motor a álcool.
3. o Brasil precisa de um centro de referência – sério – em biomassa. As informações a respeito do potencial do dendê, do pinhão manso, do girassol, da canola, da mamona… ainda são precárias. A energia que uma oleoginosa produz pode gerar até mesmo energia elétrica. Mas poucas pessoas sabem disso ainda.
O governo não sabe ao certo a quantidade de área plantada com oleoginosas para atender às carências brasileiras? Especula-se que, para substituir todo o consumo de óleo diesel, seria necessário cultivo de 5 milhões hectares com dendê, ou plantio de 50 milhões de hectares de soja… Este cultivo pode gerar cerca de 15 milhões de oportunidades de trabalho, emprego, diretos e indiretos. E renda. Mas é especulação!
Hernani de Sá, quando fala do assunto, ainda nos lembra que esse plantio pode atender a outras demandas como produção de margarina, óleo comestível, óleo lubrificante, cosméticos, alimentação animal… enfim, nada se perde! Especialmente quanto ao plantio de dendê, Hernani fala da viabilidade de, por exemplo, produzir “chocolate com dendê; o cacau entra como aditivo deste chocolate, pois tem preço muito mais alto”.
Felizmente, nem tudo está perdido! O consumidor está ficando esperto, buscando informações seguras sobre o assunto e, em decorrência, está exigindo investimento das indústrias automobilísticas em motores que usem energias alternativas. O engenheiro mecânico Thomas Fendel nos contou que “a Scania, a John Deere e outros, estão finalmente se interessando pelo óleo vegetal natural, em resposta aos clientes interessados e devido ao sucesso dos usuários satisfeitos, que lutam contra o rolo compressor enganador dos adeptos do ‘porcotróleo’. Não é a toa que todos os modernos motores Diesel, são quase semelhantes ao velho e pioneiro e ridicularizado motor Elsbett, com mais de 30 anos”.
* – colaboração do engenheiro químico Hernani Sá e do engenheiro mecânico Thomas Renatus Fendel.
Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa televisivo Eco&Ação, email: ana@ecoeacao.com.br
Nota do EcoDebate
Ana Echevenguá é colaboradora e articulista do EcoDebate. O Eco&Ação – Ecologia e Responsabilidade [ http://www.ecoeacao.com.br/ ] e o EcoDebate são parceiros estratégicos, somando esforços na socialização da informação sócio-ambiental, compartilhando conteúdos e divulgado informações de suma importância para a defesa e preservação do meio ambiente.