É o meio ambiente!, por Míriam Leitão
[O Globo] Uma repórter me perguntou se eu achava que a economia vai salvar o meio ambiente e respondi que não: é o meio ambiente que vai salvar a economia. Tratada como assunto lateral, a ecologia assumiu tal proporção que mudou a maneira de fazer negócios: empresas que vivem do combustível fóssil são as primeiras a anunciar uma nova era de baixo carbono, porque sabem que morrerão se não o fizerem.
Empresas petrolíferas são as primeiras a iniciar o esforço para lavar a imagem. Não querem mais ser conhecidas como empresas de petróleo e, por isso, reciclam sua imagem como companhias de energia. Anúncios ligando-as à energia limpa multiplicam-se em publicações internacionais.
Empresas, justamente as que sofrem mais risco de dano à imagem pela área em que atuam, unem-se em associações que reúnem dezenas de grandes corporações internacionais em iniciativas ambientais. Querem primeiro salvar a si mesmas, e a boa conseqüência é que é mais um passo na direção de um planeta mais limpo.
Energia mais limpa, biocombustível, novas tecnologias de redução das emissões de carbono estão movimentando bilhões no mundo inteiro. Segundo a revista “The Economist”, de 2005 para 2006, subiu de US$28 bilhões para US$71 bilhões o total de investimentos em tecnologias menos poluentes. O que parecia tempos atrás um custo – a redução das emissões – virou fonte de negócios, impulso para investimentos, movimento econômico.
O meio ambiente salva também a economia brasileira ao introduzir novos parâmetros de negócios e um grande produto para oferecer à economia local e internacional: os biocombustíveis. Como o mercado, para eles, surge a partir da necessidade de redução de emissão de carbono, evidentemente, a maneira de produzir está sob escrutínio do consumidor. Não haverá espaço internacionalmente para o biocombustível brasileiro se ele for produzido em processos que representem a destruição do meio ambiente. Os produtores não podem invadir áreas da Floresta Amazônica; não podem expulsar para a Amazônia pecuaristas e outros produtores, transformando o Sudeste numa monocultura; não podem expandir projetos para o Pantanal. Se for para o Pantanal, a agroenergia estará dando dois tiros no pé: vai dar errado a produção e vai manchar a reputação do produto nacional.
As necessidades ambientais hoje são um importante disciplinador da economia brasileira: servem de estímulo para a atuação correta, e podem ajudar a superar velhos desvios. Empresa que direta ou indiretamente incentiva a destruição da Floresta Amazônica perderá reputação e, em seguida, clientes. Terá um enorme custo de limpar a imagem através de uma reestruturação da sua maneira de fazer negócios.
Antes o meio ambiente era visto como um modo de fazer o bem para proteger espécies animais e vegetais em extinção. Era como se estivéssemos protegidos dos efeitos da destruição. Quando finalmente se compreendeu que a desordem climática ameaça, em última instância, os seres humanos, tudo mudou de figura. A economia feita do modo antigo – que ainda é dominante – tem um poder destruidor tão forte que, para salvar a economia, o meio ambiente impõe novas regras, novas formas de produção, novos valores. Assim a questão ambiental começa a desenhar o plano de salvação da economia. Ela será salva dos efeitos dos seus próprios erros se levar a sério a vasta gama de soluções ofertadas pela evolução dos estudos climáticos e ambientais.
A agropecuária brasileira expandiu-se e expande-se de forma deletéria ao meio ambiente – a não ser raras exceções representadas por pioneiros que buscam uma conciliação com a terra, o insumo insubstituível. Tem invadido cada vez mais áreas amazônicas, tem posto abaixo o cerrado, ameaça o pantanal, fez terra arrasada da caatinga e deixou fiapos de mata atlântica. Hoje ainda, em vez de procurar áreas degradadas para recuperá-las e convertê-las à atividade agrícola e à pecuária, prefere fingir que não vê que está comprando terras recentemente desmatadas por grileiros. Continuar assim é a marcha da insensatez. A agropecuária brasileira pode ser salva dos seus erros adotando toda uma série de métodos de produção amigável ao meio ambiente. Terá, por compensação, mais espaço no mercado internacional.
No país, quem escraviza, quem utiliza de forma degradante o trabalho humano, é porque também não tem o menor respeito ao meio ambiente. Tem sido assim desde o princípio. Portanto uma nova atitude ambientalmente correta não poderá conviver com irresponsabilidade social. Temos, de novo, os novos valores ambientais salvando a economia das suas piores perversidades.
O Brasil, sede da maior parte da maior e mais diversa floresta do planeta, tem muito a ganhar se firmar em sua marca a impressão de país verde. Isso agregará valor à marca e a todos os produtos oferecidos no mercado internacional.
É um equívoco – por tudo dito acima – achar que a economia salvará o meio ambiente. Quem está em apuros é a economia, pela maneira como ela é feita, por sua falta de visão estratégica, pelos custos que está impondo ao planeta por suas escolhas. A nova consciência de que o planeta não nos suporta mais desta forma é a deixa, é a saída, é a chance para que a economia se reorganize de forma mais rentável e sustentável.
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo O Globo, Panorama Econômico – 06/06/2007