CEMIG: 67 mortos em acidentes em 8 anos, por Frei Gilvander Moreira
A CEMIG é hoje líder em acidentes graves e fatais no setor elétrico brasileiro.
[EcoDebate] Dia 31/05/2007, sob a liderança do Sindicato Intermunicipal dos Eletricitários do Estado de Minas Gerais – Sindieletro – fizemos um culto ecumênico em frente à sede da CEMIG, em Belo Horizonte. Clamamos por respeito à vida dos trabalhadores. Por que e para quê?
Sob a coordenação do pastor Rodrigo (cemigueiro da Igreja Presbiteriana) e de frei Gilvander, celebramos o sétimo dia de falecimento de Hamilton Garcia Leal, 44 anos, funcionário da empreiteira Montec, empresa que terceirizou serviço da CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais -, “a maior empresa de energia elétrica da América Latina”. Hamilton é o sexto trabalhador terceirizado da CEMIG vítima de acidente fatal em 2007. O culto ecumênico objetivou chamar a atenção da diretoria da CEMIG e de toda a sociedade para a situação de calamidade que se encontram os trabalhadores das empreiteiras prestadoras de serviço da CEMIG.
De 1999 – ano em que a terceirização foi intensificada na Cemig – até maio deste ano, 67 trabalhadores, enquanto tentavam ganhar o sustento para suas famílias, morreram prestando serviço para a empresa. A média é de um óbito a cada 38 dias. Dentre as vítimas, 19 trabalhadores eram do quadro próprio da CEMIG e 47 eram trabalhadores terceirizados. Judicialmente a CEMIG é co-responsável pelos acidentes.
Os terceirizados estão mais expostos porque não recebem o treinamento necessário para lidar com energia elétrica. Enquanto um trabalhador da Cemig realiza um curso de quatro meses e fica outros seis meses acompanhando um profissional experiente, o terceirizado recebe um treinado de, no máximo, 15 dias. Geralmente são trabalhadores da construção civil, com baixa escolaridade, que ingressam no setor por falta de oportunidade no mercado de trabalho. Outro aspecto importante na análise dos acidentes é a sobrecarga de trabalho. Como recebem um salário fixo – geralmente muito baixo, cerca de 25% do que recebe um cemigueiro – mais um adicional por produção, os terceirizados cumprem uma carga horária que pode chegar a 14 horas diárias.
Dados fornecidos pela Cemig à Fundação Comitê de Gestão Empresarial (Fundação Coge) e ao Sindieletro revelam que a Cemig é hoje líder em acidentes graves e fatais no setor elétrico brasileiro. Diante dessa situação, o Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais impetrou uma Ação Civil Pública pedindo o fim da terceirização da atividade-fim na empresa. Ontem, dia 31/05/2007, a 4ª Vara do Trabalho de Minas Gerais, deu sentença favorável à ação, estipulando a abertura de concurso público para todos os cargos de atividade-fim que hoje estão ocupados por trabalhadores terceirizados. A Cemig terá um prazo de nove meses para o cumprimento da sentença. Terá que abrir concurso para contratar mais de 10 mil funcionários e acabar com a terceirização.
Para a diretoria do Sindieletro, o resultado financeiro da Cemig – R$1,7 bilhão de lucro líquido em 2006 – prova que a empresa é capaz de cumprir o que determina a Justiça e gerar empregos de qualidade para a sociedade mineira.
Foi comovente ouvir o depoimento de trabalhadores vítimas de acidentes na CEMIG. Como centenas de outros mutilados que as empreiteiras da CEMIG produzem ano a ano com a conivência da Empresa, Nilton Alves Maia, 28 anos, sofreu um acidente que lhe tirou as duas pernas e deixou seu braço e mão esquerda paralisados. Por diversos motivos podemos afirmar que a CEMIG é uma empresa que não tem compromisso social e atua de forma a favorecer os seus investidores internacionais.
Uma pesquisa realizada nas contas da CEMIG verificou que enquanto as famílias pagam até R$600,00 o megawatt (1000 Kw) de energia, as empresas pagam menos de R$ 126,00 (ou seja, as famílias pagam seis vezes mais que as empresas); enquanto o ICMs pago pelas famílias em MG é de 30% (o mais caro do Brasil), o das empresas consumidoras é de 18%; Além do ICMs as famílias pagam também PASEP, COFINS e taxa de iluminação pública, o que resulta em 42,5% de imposto sobre o preço da energia. Enquanto as famílias consomem apenas 16,9% da energia vendida pela CEMIG em MG, as empresas consomem até 58%; enquanto o total pago pelas famílias chega a 36%, o total pago pelas empresas somam à receita da CEMIG 32,87%; enquanto a inflação de 1997 a 2005 foi de 82,08%, a tarifa de energia subiu 246,61%.
No dia 02/05 último, com 137 mil assinaturas, os Movimentos Sociais de MG, no nome da CNBB Leste II, apresentaram na Assembléia Legislativa um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, projeto Dom Luciano Mendes, exigindo que os deputados aprovem a isenção de 100 kilowatts de energia por mês para as famílias de baixa renda e que haja uma redução na tarifa de energia de forma que as famílias passem a pagar o equivalente ao que pagam as empresas.
Dia 31/03 último, ao comentar a mortandade de peixes provocada pela CEMIG na barragem de Três Marias/MG, o sr. Norberto Antônio dos Santos, pescador há 48 anos no rio São Francisco, chorando, disse: “Nunca vi uma desolação dessa. Da barragem até a barra do rio Abaeté, uns 30 quilômetros, há milhares de peixes mortos e apodrecendo. A catinga é enorme. Há um mau cheiro insuportável por causa dos milhares, senão milhões de peixes mortos apodrecendo. Cinco barcos da CEMIG estão recolhendo os peixes mortos. Já foram retirados inúmeros caminhões lotados de peixes mortos para serem enterrados. Dói muito no coração ver um crime ambiental tão bárbaro como esse nos dias em que estamos vivendo. A próxima safra de peixes está seriamente comprometida. Milhares de comunidades ribeirinhas vão passar fome, pois não terão mais peixes a partir desta desova. Uma safra promissora foi abortada. Não tinha necessidade de fechar o vertedouro, pois o lago está com 95% da sua capacidade.”
À luz de textos bíblicos, tais como Êxodo 3,7-10 e Tiago 5,1-7, percebemos que o Deus da Vida fica indignado com todo e qualquer tipo de opressão. O Deus da vida, juntamente conosco, está ouvindo os clamores dos 67 mortos. Conta conosco para cobrar justiça. O salário não pago aos trabalhadores clama aos céus por justiça. Maldito é o lucro e a riqueza conseguida às custas da destruição da vida em todas as suas formas: do sofrimento das pessoas que não podem pagar pelo serviço essencial de energia, pela vida dos peixes, pelo suor e sangue dos trabalhadores.
Colocamos uma rosa em cada uma das 67 cruzes empunhadas pelos participantes do culto ecumênico. As rosas simbolizam que estes trabalhadores ceifados antes do tempo continuarão vivos, muito vivos, em nós. Honraremos a luta deles por vida mais digna. Queremos estar próximos das famílias que perderam seus entes queridos.
Basta de desrespeito à vida humana! Somente a indignação de todos os eletricitários e da sociedade será capaz de obrigar a CEMIG a respeitar a vida humana e o meio ambiente. A CEMIG precisa voltar a ser, na prática, uma empresa pública para que a morte deixe de ser a marca de suas ações. Energia para a vida e não para a morte. A vida vale mais!
Frei Gilvander Moreira – Belo Horizonte, 02/06/2007.
e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
in www.EcoDebate.com.br – 05/06/2007