limpeza urbana e saneamento: Velhas como a Sé de Braga, por Washington Novaes
Muitas prefeituras já gastam mais com lixo do que com educação e saúde
[O Estado de S.Paulo] O noticiário das últimas semanas expôs com rudeza a difícil situação em duas áreas na Região Metropolitana de São Paulo – limpeza urbana e saneamento -, assim como caminhos que se pretendem trilhar em busca de solução para 17 milhões de pessoas. Não será fácil nem simples.
Na limpeza urbana, noticiase que a Prefeitura paulistana quer reduzir o valor do contrato (R$ 10 bilhões em 20 anos) assinado em 2004 com as empresas concessionárias, para recolherem cerca de 13 mil toneladas diárias de lixo domiciliar e comercial. E isso acontece no momento em que está próxima do esgotamento a capacidade de destinar lixo a aterros: um já está esgotado, o outro se esgota em outubro. Há projetos para ampliar a vida útil do Aterro Bandeirantes até 2017 e de conseguir licença para continuar operando no São João, onde os resíduos depositados já chegam a 150 metros de altura (o limite é 155). São Paulo aproxima-se, assim, da situação de Nova York, onde o esgotamento do aterro levou a que se depositem 12 mil toneladas diárias a mais de 500 quilômetros de distância, no Estado da Virgínia, gastando US$ 30 por tonelada para transportar por caminhões, outro tanto para depositar em aterro particular. US$ 720 mil por dia.
Ou de Toronto, no Canadá, onde o aterro também se esgotou e 3 mil toneladas diárias de lixo são levadas por ferrovia para mais de 800 quilômetros além e depositadas numa antiga mina de ferro esgotada. Porque lá, como aqui, é muito difícil encontrar uma nova área para aterro – que precisa ser grande, com lençol freático profundo (para não ser contaminado pelo chorume), ter sistema viário amplo, ser isolada de populações.
Pelos contratos vigentes, a cidade de São Paulo deve gastar perto de R$ 1,5 milhão por dia com a coleta do lixo domiciliar e comercial. E só recicla uma quantidade insignificante desse lixo em usinas – fala-se em menos de 1%. Um desperdício imenso de materiais, que só não é mais grave graças aos catadores de lixo. Que, sem garantia de rendimento, sem proteção social, conseguem recolher e destinar para a reciclagem cerca de um terço do papel e papelão, uns 20% dos plásticos, mais de 90% das latas de alumínio.
Se se extrapolar a questão para o panorama nacional, vaise levar um susto: com 230 mil toneladas diárias de lixo recolhidas, esse item já é a maior despesa de grande parte das prefeituras no País, maior que os gastos em educação ou saúde. Despesa que só não é maior ainda porque, segundo o IBGE, apenas 40% do lixo tem destinação adequada. No Estado de São Paulo mesmo, são 105,5 mil toneladas/dia, das quais 47,6% têm destinação adequada; 337 cidades paulistas mandam seus resíduos para lixões a céu aberto ou aterros inadequados (Estado, 16/5).
A julgar pela experiência em outros países, é uma questão que só se consegue encaminhar melhor quando o gerador de resíduos (domiciliar, comercial ou qualquer outro) é responsabilizado pelos custos da coleta e destinação, sempre crescentes (São Paulo já entrou por esse caminho, mas recuou). E quando a legislação impõe restrições e custos progressivos à geração, que levam à redução do lixo, à reutilização de materiais, à reciclagem. Se possível, à eliminação de aterros.
A outra possibilidade – para a qual deveríamos estar atentos – é a de gerar trabalho e renda nesse campo. Cooperativas, pagas, podem encarregar-se da coleta seletiva em áreas da cidade, da compostagem do lixo orgânico (para transformá-lo em fertilizante), da reciclagem (por exemplo, transformação de papel e papelão em telhas revestidas de betume, com muitas vantagens sobre as de amianto; reciclagem do PVC; reaproveitamento de latas, vidros, metais). Com isso tudo, gerar trabalho e renda. E a custos para as prefeituras que podem baixar (como em Goiânia, num projeto dirigido uma década atrás pelo autor destas linhas) para um terço do cobrado pelas grandes empresas. Com a vantagem adicional de se eliminar a “contribuição” para campanhas eleitorais, que tantos males tem produzido no País.
A área do saneamento ficou em evidência com o balanço da situação no Tietê, considerado um “rio morto” em certos trechos, depois de aplicado US$ 1,5 bilhão no desassoreamento e aprofundamento da calha (Estado, 17/5). Porque só 62% dos esgotos coletados na Grande São Paulo são tratados; o restante é despejado in natura no próprio Tietê ou em seus afluentes (a Região Metropolitana gera 50 mil litros de esgotos por segundo; portanto, quase 20 mil litros sem nenhum tratamento são despejados a cada segundo).
Mas o problema não se esgota com essas informações no balanço. Porque grande parte desse tratamento é primário e só remove parte da carga orgânica contida nas fezes; o restante vai para os cursos d´água.
E a poluição química não se resolve sem um tratamento secundário ou até terciário.
Além disso, não há solução à vista para os sedimentos carreados por dezenas de afluentes do Tietê que estão totalmente debaixo de asfalto.
Nem para a poluição difusa levada para o rio pelo lixo não recolhido e impelido pelos ventos ou pelas águas de chuva.
O cálculo feito é de que serão necessários mais R$ 3 bilhões em 15 anos para tratar todos os esgotos domésticos produzidos (não se diz em que nível de tratamento).
Mas isso esbarra nas velhas questões já comentadas aqui: quem pagará pelo tratamento para a parte mais pobre da população? Como se resolverá a questão da titularidade do saneamento interligado (Estado ou prefeituras) nas regiões metropolitanas? De onde virão os recursos (afirma-se que em todo o País serão necessários R$ 180 milhões, pelo menos, em 20 anos, para esse setor)? São questões que os antigos costumavam chamar de “velhas como a Sé de Braga”. E que assim ameaçam continuar.
Washington Novaes é jornalista (wlrnovaes@uol.com.br).
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo O Estado de S. Paulo – 1°/06/2007