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energia: O debate crucial dos próximos anos, por Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Quem esteja acompanhando minimamente o noticiário sobre mudanças climáticas sabe que a questão central dos próximos anos e décadas no mundo e no Brasil será a energia – que fontes vamos usar, que vantagens e conseqüências negativas pode ter cada uma delas. O caso do etanol, o álcool da cana-de-açúcar, é uma dessas questões que já ocupam largo espaço na comunicação.

Terá o etanol impacto inflacionário (Estado, 7/5), como temem analistas do Banco de Compensações Internacionais, por aumentar a demanda de milho (ou de cana) e a escassez de terra para outros alimentos? Exigirá a Europa certificação do etanol brasileiro, para evitar ocupação de áreas do Pantanal e da Amazônia pela cana (Estado, 17/4)? Falta-nos um marco regulatório para essa área, como afirma o ex-embaixador nos Estados Unidos Rubens Barbosa (24/4)? A expansão da cana voltou a aumentar o preço das terras e a expulsar para mais longe culturas de alimentos e pecuária (15/4)? O etanol usado como combustível é um risco para a saúde humana (Stanford Report, 15/2)? É insalubre e injusto o regime de trabalho nas culturas de cana, que exige do trabalhador cortar de 10 a 15 toneladas diárias para ganhar entre R$ 24 e R$ 36 diários – obrigando esse cortador a desferir a cada dia milhares de golpes de facão, carregar 800 feixes de 15 quilos, segundo depoimentos?

E a oferta de energia? Precisamos mesmo de megahidrelétricas na Amazônia e em outras partes, com elevados custos financeiros, sociais e ambientais? Ou podemos até reduzir em mais de 30% nosso consumo, com programas eficientes de conservação e eficiência energética, como afirmam alguns estudos de universidades já citados aqui? Se as hidrelétricas não forem licenciadas, teremos de recorrer à energia nuclear (muito mais cara, insegura, sem solução para o problema do lixo nuclear), como ameaça o presidente da República?

Tudo isso está nos jornais e na TV. Mas não está num debate aprofundado de todas essas questões, liderado pelo próprio governo federal, como deveria ser – para que a sociedade pudesse informar-se com segurança, participar, opinar, como deve ser numa democracia. Mesmo no caso do etanol, além das questões mencionadas acima, muitas outras já deveriam estar nessa pauta – como a necessidade de um zoneamento para a expansão; as implicações das monoculturas; a garantia de suprimento (para evitar desabastecimento como em 1989/1990); e outras implicações da cultura da cana na chamada área ambiental e na de saúde.

Um trabalho que chama a atenção para isso é Biocombustível, o mito do combustível limpo, do professor Arnaldo Alves Cardoso, do Instituto de Química de Araraquara (Unesp). Começa ele lembrando que “esta qualidade da limpeza do álcool ainda está longe de ser real e continuamos emitindo poluentes para a atmosfera e poluindo nossas cidades, campos, rios e florestas”. Porque, se o etanol tem um balanço zero no que diz respeito ao efeito estufa (o carbono emitido na queima de combustível volta a se fixar na cana durante o seu crescimento) – e desse ponto de vista é mais adequado que os combustíveis fósseis -, há outros problemas a considerar com elementos incorporados sob a forma de adubo no processo de crescimento da planta (enxofre, nitrogênio, fósforo e potássio).

Enfatiza o estudo que “já dobrou a quantidade de nitrogênio ativo, que tem atividade química e biológica, com potencial para modificar o meio ambiente” (estudos internacionais recentes dizem que o nitrogênio carreado para os oceanos pela dispersão de fertilizantes – 100 milhões de toneladas anuais – já é um dos mais graves problemas para as águas marinhas). Entre outros danos, ele provoca a chuva ácida, a contaminação das águas e prejuízos para a biodiversidade de florestas naturais. E, como é solúvel na água, pode provocar efeitos indesejáveis “a centenas de quilômetros do local onde foi formado”. Além desse arraste para rios e lagos, problemas podem advir da ação de microrganismos no solo, transformando parte do adubo em gases ou de bactérias em raízes de leguminosas, tornando ativo o nitrogênio inerte do ar. E também com a formação de gases nitrogenados na combustão: “A cultura da cana, direta ou indiretamente, atua nesses quatro mecanismos de formação e dispersão de nitrogênio ativo no ambiente, já que a cada ano se utilizam 100 quilos de fertilizantes por hectare.”

Quando ocorre a queima da palha da cana, “só no Estado de São Paulo se emitem por ano cerca de 46 mil toneladas de nitrogênio ativo para a atmosfera”. A elas deve ser adicionado o nitrogênio gerado na combustão do etanol nos motores. Por isso, “todos os rios e lagos do Estado de São Paulo estão recebendo excesso de nitrogênio ativo”, que favorece o crescimento de grandes quantidades de algas e plantas, “e estas em algum momento apodrecerão e morrerão, modificando a qualidade da água. Processo similar pode ocorrer em florestas preservadas”.

Para complicar mais, parte do nitrogênio transforma-se em ácido nítrico e forma a chuva ácida. Pode também catalisar reações atmosféricas, gerando ozônio, “um grande vilão (para a saúde humana) quando formado na baixa atmosfera”. E ainda não é tudo: a queima da palha da cana emite outros gases e material particulado; a queima do álcool emite formaldeído e acetaldeído, vapores tóxicos (embora menos que o monóxido de carbono, o dióxido de enxofre e material particulado dos derivados do petróleo).

Conclui o trabalho que “para chamar álcool combustível de limpo é necessário colocar muita sujeira debaixo do tapete”. Lembrando ainda que, no caso da exportação, “iremos arcar com os prejuízos ambientais da produção”. Por isso, como no caso da matriz energética brasileira, nesta hora crucial, é preciso pôr sobre a mesa também a questão do etanol. É um direito da sociedade.

Washington Novaes é jornalista

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo – 11/05/2007