Monocultura e Direitos Humanos, por Luis Antonio C. Pedrosa
[SMDH] No início da década de 80, levas de migrantes sulistas localizaram-se no sul maranhense, com incentivos fiscais e creditícios abundantes. As terras devolutas foram vendidas a esses grupos, em detrimento dos apossamentos antigos das comunidades tradicionais. Esse novo modelo de desenvolvimento implantou a monocultura mecanizada da soja e praticamente exauriu o ecossistema da região. Balsas, então denominada a “capital da lavoura mecanizada” era a promessa de um novo eldorado. Com a elevação do preço do grão no mercado internacional, a monocultura da soja, nos últimos dez anos, conheceu um crescimento vertiginoso. Expandiu-se sobre o cerrado presente em vários Estados (Mato Grosso, Goiás, Tocantis, Piauí e Maranhão) e consorciou-se com a produção do carvão vegetal para suprir a demanda energética das siderúrgicas. Na região do Baixo Paranaíba, onde o cerrado sempre significou para as populações tradicionais recurso natural aberto, a presença dos sulistas elevou assustadoradamente o preço do hectare de terra, proporcionando uma pressão fundiária sem precedentes sobre as antigas comunidades de trabalhadores rurais.
A monocultura da soja tem como método de expansão no Maranhão o desmatamento ilegal e a expulsão dos antigos posseiros. O desmatamento implica uma estratégia de aquisição das terras que não se ressente da grilagem, das ameaças e dos despejos judiciais. A técnica da derrubada da cobertura florística é o chamado “correntão”, onde tratores puxam correntes sobre as árvores indiscriminadamente, destruindo a flora legalmente protegida e impactando fortemente o ecossistema e o sistema extrativista do manejo dos recursos florestais adotados historicamente pelas populações locais. São comuns os relatos de contaminação das superfícies de água e de pessoas por produtos químicos utilizados nas plantações. A pulverização aérea, com herbicidas e fungicidas, atinge povoados vizinhos aos plantios e passou a ser uma técnica adotada para a expulsão velada das famílias resistentes às necessidades de expansão dos empreendimentos.
A safra atual de soja representa a metade da produção de grãos do país. O Brasil foi o maior exportador mundial de soja nos anos de 2.003 e 2.004. As plantações, que antes da década de 80 se concentravam exclusivamente nos estados do sul, hoje se expandem para outras regiões, com o desenvolvimento de novas variedades de sementes. O problema é que a forma de crescimento desse tipo de agronegócio é a monocultura em larga escala, que expulsa a população local e exaure os ecossistemas.
Na década de 80, as primeiras guseiras se instalaram no Maranhão e no Pará, estimuladas pelo Programa Grande Carajás . Na década de 90, com a expansão da demanda energética, as usinas de ferro gusa avançaram em torno da ferrovia de Carajá, entre o Pará e o Maranhão. O carvão vegetal é utilizado pelas usinas para o aquecimento dos fornos que derretem o minério de ferro e para a fixação do carbono no ferro-gusa. O controle exercido pelo Ibama e pelo Ministério Público tem exercido forte pressão sobre a matriz energética do setor siderúrgico da região. Mais recentemente, o Ibama conclui um relatório sobre o uso de carvão por 12 siderúrgicas em funcionamento no Pará e Maranhão, que beneficiam o minério de ferro extraído do Pólo Carajás . De acordo com esse relatório, oito siderúrgicas utilizam carvão de procedência ilegal, fazem o consumo maior que a demanda declarada e não repõem a floresta. Esse parque siderúrgico está em franca expansão, motivado pela grande oferta de matéria-prima florestal para a produção de carvão e pela proximidade com a jazida de minério de ferro, e com a própria ferrovia Carajás, que oferece facilidade de escoamento da produção para o mercado externo.
A destruição causada pela produção de carvão atinge proporções alarmantes. Destinada principalmente a alimentar as 14 indústrias siderúrgicas situadas ao longo da estrada de ferro de Carajás, das quais oito estabelecidas em Marabá, no Pará, e seis em Açailândia, no Maranhão, a produção de carvão paraense abastece hoje 37 fornos dessas siderúrgicas, e mais seis altos-fornos estão em fase de construção. Cada alto-forno produz mensalmente cerca de 10 mil toneladas de ferro-gusa, o que perfaz uma produção de 370 mil toneladas de gusa por mês.
Levando-se em conta que cada tonelada de ferro-gusa absorve, em média, 2,7 metros cúbicos de carvão vegetal, o consumo total durante um mês é de praticamente um milhão de metros cúbicos do produto. Considerando-se que são necessários 2 metros cúbicos de biomassa florestal para cada metro de carvão produzido, chega-se ao total de 2 milhões de metros cúbicos de biomassa florestal por mês para abastecer as indústrias de ferro-gusa, o que representa 24 milhões de metros cúbicos de consumo anual (Cfr. http://www.oliberal.com.br/index.htm, acesso em 25/04/2006).
Somente no ano de 2.005, três guseiras do Maranhão – Viena Siderúrgica do Maranhão S/A, Ferro Gusa do Maranhão Ltda, Nordeste S/A, Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré, Siderúrgica do Maranhão (Simasa), Maranhão Gusa S/A (Margusa) e Companhia Siderúrgica do Maranhão (Cosima) – receberam multas de R$ 200 milhões. Estas empresas não conseguem explicar a origem do carvão vegetal consumido e qual a quantidade de ferro gusa que produzem. No ano de 2.006, o Ibama celebrou um acordo num termo de ajustamento de conduta (TAC), onde as siderúrgicas ficam comprometidas a fazer o plantio de florestas para que no ano de 2015 o carvão proveniente desse reflorestamento corresponda a 80% do total do consumo das indústrias. Os outros 20% deverão ser fornecidos por outras fontes, como planos de manejo florestal e babaçu.
A vigilância do órgão ambiental tem provocado deslocamentos da área de atuação dos projetos siderúrgicos, em direção ao cerrado, substituindo os antigos interesses da indústria de papel e celulose, visando o plantio de florestas homogêneas, para fazer face à demanda por carvão.
É assim que, na região do Baixo Parnaíba, o grupo Gerdau arrendou parte os imóveis e as florestas de eucalipto da Margusa, sucessora da Comercial Agrícola Paineiras Ltda, vinculada à Cia. Suzano de Papel e Celulose, sediada no município de Urbano Santos, mas presente nos municípios de Mata Roma, Anapurus, Santa Quitéria, Brejo, Buriti, Chapadinha e São Benedito do Rio Preto. Atualmente, tramita junto aos órgãos ambientais relatório de impacto ambiental de interesse da Gerdau, onde propõe a ampliação da implantação de florestas de eucalipto em nada menos do que 71.507 hectares na região do Baixo Parnaíba.
Outro ponto importante do consórcio soja-siderurgia é o trabalho escravo ou degradante e o trabalho infantil. Pesquisa divulgada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que o foco do trabalho escravo no Brasil se localiza exatamente no “arco” do desmatamento da Amazônia – região da fronteira agrícola do país e com a presença direta do agronegócio. Dos 15 mil trabalhadores que vivem de queimar madeira para fazer carvão, 9 mil estão no Pará. Boa parte deles são migrantes maranhenses. O governo federal já realizou 187 operações, retirando da autêntica escravidão em que se encontravam 8.132 trabalhadores, que vegetavam dentro das carvoarias e em torno delas. Entre janeiro de 2002 e novembro do ano passado, 118 municípios tiveram libertação de trabalhadores, na linha que sai de Rondônia, passa pelo Norte do Mato Grosso e Tocantins, Sul do Pará e Oeste do Maranhão, com 9.252 trabalhadores escravos (Cfr. http://www.brasiloeste.com.br/noticia/1390/trabalho-escravo-amazonia, acesso em 20/01/2005).
Um estudo produzido pela organização Green Peace demonstra que as atividades das multinacionais, que atuam no setor do agronegócio, ocorrem a partir de uma cadeia de ilegalidades, como o desmatamento para o plantio da soja, a grilagem de terras e o trabalho escravo na região. Da mesma forma, o estudo identificou que a empresa Cargill comprava soja de fazendas que estão na “lista suja” do trabalho escravo. Organizada pelo governo federal, essa relação divulga as propriedades comprovadamante flagradas cometendo esse crime. As suas concorrentes; ADM, Amaggi e Bunge também demostraram o mesmo problema em suas cadeias produtivas. (Cfr. http://www.radiobras.gov.br/abrn/brasilagora/materia.phtml?materia=261550; http://redelivre.wordpress.com/2007/03/10)
No Maranhão, registra-se mais de um quinto do total nacional de ocupantes (trabalhadores rurais, sem título de propriedade), segundo dados censitário da FIBGE. O Estado possui o maior contingente de posseiros por unidade da federação, superando a cifra de 200 mil estabelecimentos, assim como 300 mil extratores da amêndoa do babaçu. O percentual que sobrevive do extrativismo dos frutos do cerrado é inestimável. Perambulando pela região Leste maranhense é possível perceber que não há vazio populacional na região. Inúmeros povoados, encravados desde as bordas dos perímetros urbanos até as localidades mais distantes da sede dos municípios, praticam o extrativismo, em complemento às atividades agrícolas tradicionais.
Com a nova conjuntura mundial que se apresenta, os agrocombustíveis têm sido apresentados com energia limpa e renovável e até como solução para o aquecimento global. A soja tem sido apresentada pelo governo brasileiro como principal cultivo para agrodiesel, pelo fato do Brasil ser um dos maiores produtores do mundo. A questão é como a produção de soja para o fabrico de agrocombustível tende a se inserir no contexto da agricultura brasileira, onde a concentração de terras impera afrontosamente.
O governo estima que mais de 90 milhões de hectares de terras brasileiras poderiam ser utilizadas para produzir agrocombustíveis. Somente na Amazônia, a proposta é cultivar 70 milhões de hectares com dendê (óleo de palma). Cabe indagar os impactos desse novo projeto para o índice de concentração de terras e para a destruição dos ecossistemas.
Já ouvimos falar que os defensores do projeto apregoam a utilização de terras degradadas, mas atualmente a expansão da soja, da cana e do eucalipto já deveriam estar agindo desta forma, o que não está ocorrendo. Será que o governo brasileiro poderá conduzir as forças de mercado nessa direção? Claramente, podemos identificar, num primeiro momento, dois setores da sociedade que lucrarão, com produção de biomassa para combustíveis: o setor petroleiro, que distribuirá o produto e as empresas de organismos geneticamente modificáveis, estas últimas, em detrimento da segurança alimentar, visto que não há como evitar a contaminação das lavouras nativa pelos transgênicos.
(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, SMDH
enviado por Mayron Régis, colaborador e articulista do EcoDebate