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Artigo

Clima – soluções que já se esboçam, por Washington Novaes

“A questão é grave, haverá custos econômicos pesados, mas há muito o que fazer para evitar cenários ainda mais indesejáveis – é para onde apontam os estudos mais responsáveis”

[O Estado de S.Paulo] Certamente por causa da catadupa de informações inquietantes sobre desastres climáticos, o panorama mundial parece começar a mover-se em direções melhores.

Na recente reunião do G-8 – com a presença, além dos países mais ricos, de China, Brasil, Índia, México e África do Sul -, pela primeira vez em encontros desse tipo a delegação norte-americana, embora ainda não aceite compromissos de redução de emissões de poluentes, admitiu que mudanças climáticas são um problema grave, com participação decisiva de ações humanas.

Não concordou, entretanto, em contribuir financeiramente para a redução das emissões nos países “em desenvolvimento”, inclusive para diminuir o desmatamento.

Não se avançou ainda para um novo compromisso no âmbito do Protocolo de Kyoto (que expira em 2008), mas é possível que algo nessa direção aconteça na próxima reunião do G-8, em junho.

O jogo norte-americano facilitou a recusa da China de aceitar compromissos de reduzir emissões, alegando que, se o maior poluidor e já obrigado pela Convenção do Clima não cumpre as suas obrigações, como fariam os chineses, sem comprometer o seu desenvolvimento econômico? Ainda mais se os EUA também não aceitam transferir para os países “em desenvolvimento” tecnologias de redução de emissões (arma econômica que certamente pretendem vender no futuro).

Talvez o maior avanço da reunião do G-8 tenha sido a decisão de promover um estudo sobre as conseqüências econômicas da perda da biodiversidade (que também afeta o clima).

“Estamos perdendo diariamente 150 espécies”, disse o ministro alemão do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel, segundo quem 46% das espécies marinhas correm perigo, a ponto de haver o risco de em 2050 haver-se esgotado a possibilidade de pesca comercial no mundo (o pescado responde por 40% do consumo de proteínas em plano global).

É um tema que deveria interessar muito aos formuladores de políticas no Brasil, que detém entre 10% e 20% da biodiversidade planetária – mas que a perde em alta velocidade, na Amazônia, na mata atlântica, no cerrado, em toda parte, quando só o comércio mundial de medicamentos derivados da biodiversidade está em torno de US$ 200 bilhões anuais, segundo o especialista Thomas Lovejoy.

E 40% do comércio total depende de recursos naturais. Para dar idéia do potencial econômico da biodiversidade brasileira, pode-se lembrar o caso da pupunha, um tipo de palmito que não era manejável, mas foi domesticado graças ao trabalho do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e hoje responde pela maior parte do comércio interno e das exportações brasileiras de palmito.

Não é só o Brasil que não tem juízo e prefere substituir a biodiversidade por pastos e quejandos. Segundo relatório deste mês da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), da ONU, o mundo ainda perde 7,3 milhões de hectares de florestas por ano (73 mil km2).

E entre os cinco que mais perdas sofreram de 2000 a 2005 está o Brasil (no quadriênio 2003-2006 o desmatamento na Amazônia esteve perto de 85 mil km2, mais que em qualquer outro período presidencial).

E o desmatamento, as queimadas e mudanças no uso do solo continuam respondendo por três quartos das emissões brasileiras, que já em 1994 estavam em mais de 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono e mais de 30 milhões de toneladas de metano por ano (e em 1994 o desmatamento na Amazônia estava praticamente no mesmo nível de 2006).

Entre as melhores notícias está também o anunciado projeto do governo britânico de propor ao Parlamento que, além do compromisso de reduzir as emissões nacionais entre 26% e 32% até 2020 (já assumido na União Européia), a Grã-Bretanha baixe ainda mais essas emissões – 60% em 2050.

E com um dispositivo, no projeto, que permitirá a parlamentares, instituições ou cidadãos exigir na Justiça o cumprimento, fiscalizado por um relatório qüinqüenal. Além de fixar cotas de redução para cada setor econômico, o plano prevê diminuir (via eficiência energética) o consumo de energia em cada residência, novas normas para construção (casas, edifícios, fábricas, que poupem energia e materiais) e veículos muito mais econômicos, com níveis reduzidos de emissões.

O projeto fala na necessidade de “mudança real na atitude dos fornecedores de energia, de forma que concentrem suas atenções na redução da demanda, em vez de simplesmente fornecerem a maior quantidade possível de energia”.

É um plano que deveria ser lido pelos formuladores das políticas de energia no Brasil, que continuam a fazer de conta que a única possibilidade é construir mega-hidrelétricas, ignorando estudos como os da Unicamp-WWF que mostram ser possível uma economia de 30% no consumo.

Na mesma direção está o relatório produzido para a ONU por um grupo de instituições científicas, que sugere caminhos para reduzir emissões: melhorar os sistemas de transporte, com veículos mais eficientes; taxação progressiva sobre o uso de combustíveis poluidores; taxas mais altas para licenciamento; novos códigos para a construção civil que favoreçam a conservação de energia e redução do consumo.

Tudo está confluindo para a mesma direção: será preciso um grande esforço mundial para reduzir as dimensões do problema do clima – como acentua um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Estado, 19/3), que aponta um custo de 0,6% do produto bruto mundial (US$ 240 bilhões anuais) para manter o aumento da temperatura previsto abaixo de 2 graus Celsius.

É a conclusão de um relatório do Grupo 3 do painel, que será divulgado em maio, mas teve seus pontos principais já revelados.

A questão é grave, haverá custos econômicos pesados, mas há muito o que fazer para evitar cenários ainda mais indesejáveis – é para onde apontam os estudos mais responsáveis.

Washington Novaes é jornalista especializado em meio ambiente (wlrnovaes@uol.com.br).

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo – 23/03/2007