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Conseqüências econômicas das mudanças climáticas, por Por Carlos Eduardo Frickmann Young e Priscila Geha Steffen

[ComCiência] O recente estudo divulgado pelo Painel Interministerial sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que os impactos do aquecimento global podem ser dramáticos. Ainda não se pode ter certeza sobre as conseqüências de longo prazo, pois o período de observação ainda é muito curto, mas os efeitos serão múltiplos, pois tudo está relacionado à temperatura, chuva, nível do mar, biodiversidade e outros elementos que serão diretamente afetados pela mudança climática.

Já existe consenso sobre a irreversibilidade do processo e o máximo que se conseguirá nas próximas décadas é evitar que as mudanças climáticas sejam ainda mais dramáticas. Assim, a discussão sobre adaptação e ajuste às mudanças começa a ganhar maior peso, já que antes o foco estava quase inteiramente voltado para a questão de como evitar as emissões. Não deixa de ser irônico que, agora, a natureza venha cobrar o preço de séculos de abuso humano. Porém, infelizmente, essa “Vingança de Gaia” está longe de obedecer qualquer critério de justiça: os países tropicais, que são os menos responsáveis, serão os mais dramaticamente afetados. Como o Brasil está situado em partes relativamente quentes do planeta e tem dimensões continentais, os impactos serão consideráveis, inclusive na economia, cuja discussão é o objetivo deste artigo.

Nova agricultura

O setor econômico mais diretamente afetado deverá ser a agropecuária, pois é dependente das condições de temperatura e precipitação. É importante frisar que a previsão é de aumento não apenas na média da temperatura, mas também em sua variância. Por isso, a incidência de eventos extremos deve aumentar, como verões ou invernos excepcionalmente chuvosos ou secos, quentes demais ou de menos. Essas oscilações terão diferenças regionais importantes e, seguramente, levarão a uma redivisão do mapa da produção agrícola.

Estudo recente do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) sugere que o maior prejuízo tende a concentrar-se onde a temperatura já é muito alta, que é o caso das regiões Norte e Nordeste. Segundo o estudo, haverá um deslocamento de cultivos que não aceitam temperaturas muito altas, para regiões como o Sudeste e o Sul. O documento explica ainda que se os cenários mais pessimistas estiverem corretos, a Amazônia sofrerá um dramático aumento de temperatura, tornando as regiões de entorno mais áridas. Como a expansão da fronteira agrícola tem se concentrado justamente nessas bordas, no chamado “arco do desmatamento”, deverá ocorrer uma reversão da ocupação dessas áreas. A queima de vegetações nativas tem sido a base para essa expansão, mas é também a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Ao tornar o clima mais árido, com a “savanização” da Amazônia, a capacidade produtiva será fortemente atingida, podendo tornar ociosa a expansão de infra-estrutura na região, um dos pontos mais polêmicos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula.

No semi-árido nordestino, o problema das secas tende a ficar ainda mais dramático, visto que a elevação da temperatura pode tornar a região ainda menos chuvosa. Sem dúvida, os mais afetados serão os agricultores familiares, em geral de subsistência, deixando as condições de vida nas áreas rurais ainda piores. Isso poderá aumentar a dependência de programas de assistência social para manter condições mínimas de vida na região.

O Centro-Oeste foi a região onde se concentrou a maior expansão da agricultura. Mas essa tendência pode ser alterada se as previsões de aumento de temperatura e redução de chuvas realmente aconteçam, gerando importantes conseqüências sociais e demográficas.

O Sudeste e principalmente a região Sul deverão ser menos afetados, porque têm clima mais ameno e as práticas de irrigação são mais difundidas. No entanto, o efeito líquido dependerá da natureza do cultivo. Mas mesmo áreas que sofram aumento relativamente moderado de temperatura poderão ser afetadas. Diversas bacias são abastecidas direta ou indiretamente pelas caudalosas chuvas amazônicas, fazendo com que a oscilação de temperatura e chuvas possa acontecer em qualquer região. A incidência de eventos extremos, como ondas de calor ou geadas, pode também trazer prejuízos para a atividade.

Mudanças na infra-estrutura

Se o regime de chuvas for alterado, todas as atividades relacionadas aos corpos hídricos serão afetadas. O Brasil é um país fortemente dependente de hidreletricidade, e onde ocorrer redução de chuvas haverá problema na geração de energia. A captação de água pode ser prejudicada, sendo necessário aumentar investimentos em saneamento para evitar transbordamento dos sistemas de captação e tratamento de esgoto em casos de cheias.

Isso indica que provavelmente será necessário expandir a capacidade da construção civil, pois a maior incidência de eventos climáticos extremos resultará em maior número de acidentes – inundações, deslizamentos, erosão – cuja prevenção ou mitigação irá exigir obras significativas. O relatório do IPCC, divulgado em fevereiro, indica que haverá aumento de chuvas e ventos no litoral brasileiro, bem como da intensidade das tempestades extratropicais, fenômeno que atinge as regiões Sul e Sudeste. Em 2004, o desastre do Catarina, primeiro furacão observado no Atlântico Sul, mostra que os danos para a infra-estrutura podem ser enormes, bem como a necessidade de serviços de assistência para calamidades.

A demanda por serviços de construção civil aumentará porque a elevação do nível do mar provocará a realocação de populações costeiras, obrigando um novo desenho do mapa dessas áreas. Os efeitos mais dramáticos deverão ocorrer nas regiões próximas a deltas de rios e outras áreas que já sofrem variações consideráveis de maré.

Outros setores

O setor de saúde pode sofrer um grande efeito, pois o que se espera é o aumento de incidência das doenças tropicais. Deverão se alastrar, por exemplo, doenças tropicais transmissíveis por vetores, como malária e dengue, além de doenças de veiculação hídrica. Surtos epidêmicos estão associados a desastres naturais, como enchentes, visto que o abastecimento de água tratada e a coleta de esgoto ficam comprometidos.

O mapa do turismo também pode sofrer modificações, especialmente nas áreas costeiras, que concentram a maioria dos turistas. Isso vai gerar efeitos de encadeamento em diversos setores de serviços associados (hospedagem, alimentação, transporte, entre outros).

Mesmo setores que aparentemente estão distantes do mundo natural acabarão sendo afetados. Um exemplo é o setor de seguros: a maior incidência de desastres levará à necessidade de se precaver contra o aumento de sinistros. Não é por acaso que as empresas de resseguro (que são as “seguradoras das seguradoras”) estão investindo fortemente em estudos sobre conseqüências esperadas do aquecimento global.

Possibilidades de mitigação: projetos de desenvolvimento limpo

Efeitos econômicos positivos podem ser esperados em função dos investimentos visando reduzir emissões de gases de efeito estufa. O Brasil já se destaca como líder em projetos de gerenciamento de lixo para obter créditos de carbono através da redução de emissões de metano, através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O metano (CH4) possui um poder de aquecimento global muitas vezes maior que o dióxido de carbono (CO2) resultante de sua combustão. Por isso, a queima do biogás, que escapa dos depósitos de lixo (muito rico em metano) reduz o aquecimento global, além de poder gerar eletricidade. Investimentos na gestão de resíduos sólidos podem gerar aporte financeiro importante para ajudar a resolver um problema que tem forte apelo social, melhorando as condições de vida da população e ao mesmo tempo gerando energia e soluções de desenvolvimento.

Projetos de conversão de plantas industriais visando reduzir emissões de gases de efeito estufa resultantes da atividade manufatureira, como óxido nitroso (N2O) e hidrofluorcarbonos (HFCx) deverão atrair projetos de desenvolvimento limpo. Esses gases têm grande poder de aquecimento global, e a redução nas suas emissões podem gerar grande volume de créditos de carbono.

Uma outra possibilidade são projetos de reflorestamento que podem capturar carbono na atmosfera através de fotossíntese. Esse princípio é válido tanto para vegetações nativas quanto exóticas, e, por isso, atividades que já investem em silvicultura poderão se beneficiar de créditos de carbono. Mas pelo regimento estabelecido pelo Protocolo de Quioto, há limitações para a quantidade de créditos de carbono que podem ser gerados dessa forma. No caso brasileiro, ações que reduzam o desmatamento seriam as que mais contribuiriam para diminuir emissões de gases de efeito estufa. Contudo, esse tipo de atividade não é considerado elegível para obtenção créditos de carbono, gerando sérias dificuldades para financiar projetos privados voltados para a conservação florestal. Por isso, o setor público deverá continuar liderando os programas de detenção de queimadas e criação de áreas de conservação.

Não existem restrições para projetos de energia renovável. O problema é que a matriz energética brasileira já apresenta uma elevada participação de hidreletricidade e por isso o espaço para substituir fontes termelétricas é relativamente limitado a sistemas isolados que se encontram, em sua maioria, em áreas remotas. A expansão da geração hidrelétrica tem como barreira a crescente preocupação sobre os impactos ambientais de novas usinas e linhas de transmissão, em particular sobre biodiversidade e populações deslocadas.

Do mesmo modo, o Brasil também dispõe de alta participação de combustíveis renováveis de origem vegetal, principalmente álcool combustível. Existe espaço para aumento na participação de biocombustíveis no mercado doméstico, especialmente se o preço do petróleo continuar elevado e o governo federal mantiver o biodiesel como prioridade. Mas as expectativas de crescimento de demanda de biocombustíveis são motivadas principalmente pela crença no aumento das exportações para países desenvolvidos que queiram reduzir suas emissões de combustíveis fósseis. Entre as possíveis vantagens, aponta-se o apoio à produção familiar no programa do biodiesel, a contratação de mão-de- obra para corte da cana e a geração de divisas com a expansão das exportações.

Diante deste cenário deve-se ter muito cuidado com os reais impactos da produção dos biocombustíveis em larga escala. O aumento previsto de produção requer um incremento considerável das áreas de cultivo, podendo resultar em aceleração do desmatamento – o que agravaria o aquecimento global, ao invés de reduzi-lo. Mesmo que tal expansão se localize em áreas já desmatadas, pode ocorrer um processo de incremento no preço da terra, deslocando outras atividades para a fronteira agrícola. Por exemplo, uma pastagem pode ser convertida em plantação de cana para etanol ou de soja para biodiesel (o que, a princípio, ajudaria a reduzir o consumo de petróleo), mas o resultado final pode ser a queima de florestas para abrigar o rebanho deslocado, ou seja, emitindo muito mais do que se espera reduzir com os biocombustíveis. É bastante comum ouvir dos defensores do etanol e do biodiesel que há muitas áreas já desmatadas que podem ser utilizadas para esses combustíveis, mas não existe nenhum plano de ação para impedir o “vazamento” do desmatamento na fronteira agrícola, nem mesmo menção aos possíveis efeitos indiretos do crescimento do preço da terra. Se for comprovado que a produção do biocombustível está associada ao desmatamento (e também à redução da biodiversidade), é muito provável que a esperada explosão de demanda externa não se verifique, e o setor entre em crise.

Do mesmo modo, há outros problemas que costumam ser omitidos quando são apresentados os benefícios dos combustíveis “verdes”. É muito pouco provável que a pequena produção familiar produza oleaginosas em escala suficiente para atingir as metas programadas pelo governo, e o “grosso” da produção de biodiesel deverá ser oriunda de grandes plantações mecanizadas. Há muitas dúvidas sobre o apelo “social” do biodiesel e, se as condições atuais de financiamento e apoio ao agricultor forem mantidas, o resultado final pode ser ainda mais concentração fundiária. Também há sérias dúvidas sobre o apelo social da cana, visto que sua produção é concentrada em grandes propriedades e o corte manual deverá ser abolido com o tempo, não só pelas duras condições de trabalho mas também porque a pré-queimada (necessária para facilitar a entrada humana no canavial) gera poluição atmosférica numa extensa região em torno da plantação, causando danos à saúde de trabalhadores e moradores de áreas próximas.

Desenhar instrumentos de certificação que atestem que o biocombustível foi obtido de forma ambientalmente e socialmente adequada é uma estratégia que deve ser pensada desde agora para evitar problemas futuros sobre a efetiva contribuição para a redução do aquecimento global. Mas é ilusório supor que a expansão de monocultivos em larga escala (seja de cana, soja ou mamona) levará o Brasil a uma trajetória de desenvolvimento sustentável.

Carlos Eduardo Frickmann Young é professor associado do Instituto de Economia – UFRJ e Priscila Geha Steffen é jornalista

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pela ComCiência, Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, SBPC/LABJOR