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Artigo

Baixo Parnaíba: uma imensidão, por Mayron Régis

[EcoDebate] Naquela quinta-feira, após o carnaval, a chuva bambeou pelas bandas de Santa Quitéria como alguém bambeia quando é imprensado contra a parede. Sabe-se que, por essa época do ano – um fim de fevereiro para um respingar em março -, ela se encasqueta e aprisiona as pessoas em suas casas e em seus escritórios, contudo, na tarde desse dia, a chuva, que encharcaria Santa Quitéria em sua secura e em sua inatingibilidade, pairou sobre a cidade, para que a chuva de ontem viesse ao caso, e ao cabo de alguns minutos encerrou o seu rebuliço.

A chuva quando vem desse jeito, prontinha pra cair e não cai, aperta um laço em volta da consciência humana, que se orgulha da infalibilidade e da abrangência do seu diagnóstico com relação ao mundo natural, deslegitimando certa concepção de que a humanidade magnetiza toda sorte de recursos naturais, basta que possua a técnica e o conhecimento científico adequados, para seu bem-estar e para seu conforto, na forma de grandes cidades, grandes empreendimentos industriais ou agropecuários e grandes obras e assim sendo, como escreveu Guimarães Rosa, “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”, pois, a mesma chuva, que – no tardar da tarde – afinara, em horas mais noturnas buliria o Cerrado e as áreas de transição com a Floresta Amazônica e com o Semi-Árido e faria murchar as cidades, seus habitantes e suas atividades econômicas acometidas pela grande quantidade de água que despencou em toda a extensão do Baixo Parnaíba e do litoral maranhense a partir das sete da noite daquela quinta pós-carnaval.

Uma cidade como Chapadinha, centro nervoso do agronegócio no Cerrado leste maranhense, completamente banhada pela chuva e esvaziada em seus múltiplos espaços físicos sem que seus próprios habitantes se apercebam disso, porque se refugiaram em algum lugar, atordoa qualquer passante de carro que quer estreitar seus laços com a cidade e com a sua gente. Atordoa até o natural da cidade que a viu crescer pros lados e enriquecer sem assistir a ampla maioria da sua população com programas sociais. Insistindo um pouco mais de três horas, a chuva devolveu em parte para as comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba e do litoral leste maranhense as correntezas intransponíveis das bacias hidrográficas dos rios Parnaíba, Preguiça e Munim, as espécies nativas do pequi e do bacuri que são recolhidos nas chapadas ou nos quintais para serem comercializados à beira da estrada e suas consciências que se afogaram em monoculturas e agrotóxicos.

Os participantes que retornavam, debaixo de chuva, de uma reunião em Santa Quitéria sobre o projeto de reflorestamento com eucalipto da Gerdau em oito municípios do Baixo Parnaíba incorreram com a compra de boa quantidade de pequis e bacuris no trajeto de volta para São Luís. Eles visavam as prováveis mesinhas à beira da estrada. Nestas mesinhas, adultos ou crianças escancaram os preciosos bacuris ou pequis. Quase certo que ninguém em sã consciência se afetaria em descer do carro e já na entrada de Brejo estancaram em frente a uma das mesinhas. Quem vendia os pequis era uma senhora que ao menor sinal de compradores sacudiu o esqueleto para fora de casa. Ela e seu marido, todos os dias, vasculhavam aquelas imensidões de Chapada para catar pequi ou quando não os pequizeiros dos quintais dos vizinhos forcejavam. Não vendiam bacuri. Quem não ansiaria por tomar um suco ou comer um creme de bacuri? Intervalando a reunião na sede do Centro de Direitos Humanos de Santa Quitéria, mais de cinqüenta pessoas lancharam suco de bacuri. Onde estavam os bacuris daquelas imensidões? Talvez em São João dos Pilões, comunidade agro-extrativista do município de Brejo, ameaçada pelos monocultivos da soja. Brejo dos Pilões. Brejo de Saco das Almas – uma imensidão de florestas de bacuri e de pequi quase extintas – uma imensidão de atropelos – uma imensidão de confusões.

Mayron Régis, jornalista, é colaborador e articulista do EcoDebate

in www.EcoDebate.com.br – 14/03/2007