Insegurança energética e os direitos do consumidor, por Ana Echevenguá
[EcoDebate] A crise boliviana trouxe à tona as falhas no âmbito da segurança energética. O Brasil continua dependente de combustíveis importados, como o petróleo e o gás natural. E deixou evidenciada a necessidade de investir em alternativas energéticas e em inovação tecnológica.
Hoje, o Brasil importa entre 24 e 30 milhões de metros cúbicos diários de gás natural da Bolívia, o que corresponde a cerca de 50% da demanda interna. E há um sério comprometimento na auto-suficiência brasileira em petróleo. De 1999 a 2005, o consumo nacional de petróleo aumentou em 10% e a produção foi elevada em 46%. Isto garante a auto-suficiência hoje; mas não garante auto-suficiência futura, mesmo no curto prazo, caso o Brasil tenha crescimento além da expectativa.
E qual é a proteção garantida ao consumidor de combustível?
A Política Nacional das Relações de Consumo garante ao consumidor, entre outras, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida e a transparência das relações de consumo. Dentre os princípios desta política estão: ação governamental protetiva do consumidor e compatibilização desta proteção com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico nacional.
Mas, na prática, nada disso ocorre. Há uma clara indução ao consumo de certos combustíveis para atender anseios governamentais pontuais, acobertar os erros dos governantes e perpetuar o monopólio das indústrias de combustíveis fósseis. Abaixo, apenas alguns exemplos desta indução errônea.
Indução I
A partir da década de 70, o Brasil passou a investir no combustível à base de álcool para reduzir a importação de petróleo. Lançou o Proálcool – Programa Nacional do Álcool. (Para quem não recorda: em 1973, no fim da guerra árabe-israelense, o preço do barril de petróleo subiu de 2 para 11 dólares. Este choque obrigou o mundo a buscar outras fontes de energia).
E o consumidor foi induzido a adquirir veículos movidos a álcool.
A estabilização do preço do petróleo, em 1986, permitiu que viessem à tona os problemas escondidos do Proálcool. Ainda assim, o Brasil elevou artificialmente os preços do diesel e da gasolina para cobrir o déficit do álcool. Com 95% dos veículos a álcool, precisou importar este combustível para abastecer uma frota de mais de 4 milhões de veículos.
Declarado o fracasso do Proálcool, a produção de carros movidos a álcool chegou a zero. E o consumidor sofreu várias perdas.
Indução II
Em março de 2003 foi lançado o veículo nacional movido a gasolina ou álcool (motor com tecnologia flex). A idéia repassada é que o consumidor brasileiro adquirira o direito de optar pelo combustível na bomba do posto, observada economia e desempenho do seu veículo.
Mas o consumidor sentiu-se insatisfeito com os resultados. E soube que o carro flex, quando abastecido com álcool, consome 30% a mais do que ao usar gasolina (a diferença de consumo ocorre porque a queima do álcool gera menos energia: para oferecer o mesmo rendimento da gasolina, precisa ser injetado no motor em maior quantidade). Por isso, só há vantagem se o preço do combustível vegetal for 30% inferior ao do derivado de petróleo. Mas esta vantagem não é facilmente encontrada: no início de 2006, por exemplo, o álcool correspondia a 78,3% do preço da gasolina em alguns estados brasileiros (MG, RS, PA, PI).
A conclusão a que alguns chegaram sobre o veículo flex é: a economia deste nunca será melhor que a de um “inflexível”.
Indução III
Com a oferta do gás boliviano, o consumidor (indústrias e proprietários de veículos) foi levado ao uso do gás natural.
Esta indução, assim como as anteriores, implicou erro estratégico crasso já que o Brasil conta com apenas uma fonte estrangeira de oferta do produto – 97% do gás importado pelo Brasil vêm da Bolívia e apenas 3% da Argentina.
Ainda assim as conversões em motores de veículos foram realizadas. Embora o consumidor não tenha se preocupado com alternativas para enfrentar a supressão do fornecimento do gás da Bolívia ou aumentos exagerados dos preços, ele foi induzido a optar pelo que a mídia mostrava como melhor e mais vantajoso.
O que temos hoje? Decisões internas na Bolívia (dona do gás) levaram à majoração do preço do gás natural. E o consumidor, perplexo, está – mais uma vez – desamparado.
A crise energética continua…
Vários governantes passaram. E continuamos dependentes de combustíveis importados.
As discussões estão acesas em torno dos combustíveis substitutivos. A mídia já veiculou até mesmo a possibilidade de nossos veículos voltarem a rodar com diesel, que custa quase a metade do preço da gasolina (mas que foi banido para uso em automóveis desde o fim da década de 70, na auge da crise do petróleo).
A garantia dos direitos do consumidor
Chegou a hora de o consumidor exigir seus direitos, fechar os olhos para qualquer indução governamental a respeito desse assunto e exigir do Brasil investimento em energias alternativas que possam sanar a dependência dos combustíveis importados.
Fala-se que a participação do petróleo e de fonte hídrica como geradora de energia perderão fôlego devido ao crescimento do gás natural nacional e dos biocombustíveis. É preciso que isso se concretize!!
Sugestão
O consumidor precisa estar melhor informado sobre a agroenergia – energia renovável que vai substituir o uso das atuais fontes de carbono fóssil e sobre os biocombustíveis (álcool, óleos vegetais, biogás, cavacos, briquetes, carvão vegetal, etc) que não agridem o meio ambiente e promovem o efeito refrigerador, ou seja, o contrário do efeito estufa – resultado de 200 anos de poluição atmosférica provocada pelo uso dos combustíveis fósseis, incluso o gás natural que é igualmente fóssil e aumenta a concentração de carbono na atmosfera em 85%, se comparado à gasolina.
O governo atual só fala e investe no biodiesel que é uma mistura de biocombustível com derivado de petróleo. Isso faz perdurar a dependência do combustível importado da qual tentamos fugir há décadas. Vem aí, agora, o H-Bio da Petrobrás que é o diesel de petróleo com 10% de óleo vegetal. Está sendo indicado como o novo salvador da pátria!!!
Mas não divulga que um veículo pode ser movido somente a óleo vegetal, embora tenhamos vários exemplos de experiências bem sucedidas. Em 1897, o alemão Rudolf Diesel, utilizou óleo de amendoim em seu pioneiro motor, e afirmou que “Os paises que utilizarem óleos vegetais com meu motor, obterão desenvolvimento sustentável”.
Encerro com as palavras do presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético, Afonso Santos, “O Brasil precisa de um anarquismo energético, pois só um conjunto variado de opções trará robustez à expansão da matriz”.
Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa televisivo Eco&Ação, email: ana@ecoeacao.com.br
in www.EcoDebate.com.br – 29/02/2007