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Artigo

Efeito estufa: oportunidade para o Brasil, por Rogério Grassetto Teixeira da Cunha

Bastaria uma moratória nos desmatamentos para que o Brasil desse facilmente uma grande contribuição à redução na emissão de gases causadores do aquecimento global, o que de resto teria uma série de outros benefícios para as futuras gerações aqui e pelo planeta afora.

[Correio da Cidadania] O documento sobre mudança climática recentemente publicado em Paris pelo IPCC (Painel Inter-governamental sobre Mudança Climática) pouco trouxe de informações novas aos que já se preocupavam com o tema. Seu maior valor, ao reavaliar a questão do nível de certezas nas afirmações quanto ao fenômeno do aquecimento global e suas causas, está no impacto da divulgação do argumento científico junto à sociedade. Este relatório tem o peso de ter sido produzido por um organismo ligado à ONU e o respaldo de um consenso oriundo do trabalho de literalmente centenas de cientistas. Espera-se que os resultados apresentados incentivem a adoção de políticas públicas e mudanças de comportamento individuais em todo o mundo que contenham o agravamento do problema do aquecimento global, que já é inevitável.

Resumidamente, o texto afirma que o planeta está inequivocamente ficando mais quente e que a culpa é muito provavelmente nossa (o que, no vocabulário do Painel, significa 90% de chance, contra os 66% de probabilidade do relatório anterior). Afirma ainda que a temperatura média da nossa atmosfera (e, por conseqüência, dos oceanos também) vai continuar aumentando, bem como a freqüência e a intensidade de eventos climáticos extremos como secas, inundações, extremos de temperaturas e vendavais dos mais variados tipos. Mais: a tendência não só não irá reverter-se (independentemente do que fizermos agora), como os seus efeitos serão sentidos por muitos séculos ainda. Se agirmos agora, conseguiremos ao menos reduzir a magnitude dos efeitos que nós e as futuras gerações sentiremos.

Este está longe de ser um problema exclusivo dos países desenvolvidos, grandes emissores de gases causadores do aquecimento global, ou daqueles em desenvolvimento, mas que são também grandes poluidores (como a Rússia e a China). Por mais incrível que possa parecer, o Brasil é um dos grandes responsáveis pelo efeito estufa em termos absolutos, consideradas as emissões originárias de desmatamento. Na verdade é o 4º maior, segundo estimativas mais recentes (em termos relativos, de emissões per capita, estamos mais abaixo no ranking). Obviamente, os EUA continuam sendo os maiores responsáveis, seja em termos absolutos ou relativos, per capita (apesar de que a China está fazendo grandes esforços para alcançá-los e irá superá-los em breve em emissões totais).

A grande ironia disto tudo é que os outros países que são grandes poluidores têm ao menos o PIB elevado, ou em franco crescimento, e a qualidade de vida idem, enquanto nós…

O problema do Brasil neste caso é justamente que a maior parte (cerca de 75%) das nossas emissões são originárias de desmatamento e não de atividades industriais, e o desmatamento quase não gera renda (de fato pode até eliminar fontes de renda muito mais interessantes) e tampouco distribui a riqueza que gera.

Assim, bastaria uma moratória nos desmatamentos para que o Brasil desse facilmente uma grande contribuição à redução na emissão de gases causadores do aquecimento global, o que de resto teria uma série de outros benefícios para as futuras gerações aqui e pelo planeta afora. E isto, na verdade, longe de ser um problema ou dificuldade, é uma grande oportunidade que temos, pois assim poderíamos ter uma ‘folga’ em termos de emissão de carbono para investir no crescimento de setores industriais, que geram altas emissões – coisa que os Estados Unidos, a China, o Japão e os países da Europa Ocidental não poderão fazer, se quiserem cumprir as metas de futuros acordos de controle de suas emissões.

De fato, se essa “moratória” total fosse possível, poderíamos até mesmo dobrar nossas emissões atuais relacionadas a outras atividades (indústria, comércio, transportes), aquecendo a economia do país, melhorando a qualidade de vida da nossa população, e ainda assim estaríamos cortando nossas emissões totais atuais pela metade.

Exigir que os países desenvolvidos paguem-nos para manter nossas florestas intactas é em primeiro lugar eticamente questionável, pois se pede um benefício por algo que é uma obrigação, mais ou menos como pagar alguém por não ser corrupto. Mais do que isso, é de uma cegueira completa decidir pela manutenção do modelo atual de ocupação da Amazônia, e perder esta excelente chance de promover um “PAC ecológico” (ao invés de barganhar uns caraminguás minguados) e de dar um excelente exemplo para o resto do mundo. Esta oportunidade não durará muito tempo.

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
E-mail: rogcunha@hotmail.com

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado no jornal eletrônico Correio da Cidadania, dirigido por Plínio de Arruda Sampaio, edição nº 538
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